Historias da Revolução cubana: Adios, vice-presidente Jorge Risquet
sábado, 26 de setembro de 2009
Revolução cubana
Historias da Revolução cubana: Adios, vice-presidente Jorge Risquet
Frei Bento
Entrevista a Frei Betto: ‘É essencial apostar em novos paradigmas de civilização
Adital -
Tradução: ADITAL
Por Sergio Ferrari e Beat Tuto Wehrle
"A loteria biológica é tremendamente injusta"
"Necessitamos novos referentes de sociedade e de planeta"
"a cooperação Norte-Sul exige mais modéstia"
"As vítimas do planeta nos vão obrigar a mudar"
"O golpe de Honduras empena a nova democracia latinoamericana"
Em meio à crise econômica e financeira generalizada, o planeta deve buscar novos paradigmas de civilização, incluindo a esfera da cooperação internacional. Esses novos referentes de relações planetárias devem estar embebidos de uma ética diferente, baseada no partilhar e no respeito mútuo entre povos e nações. Tese defendida pelo teólogo brasileiro da libertação Carlos Alberto Libânio Christo, conhecido como Frei Betto. Ele acaba de visitar a Suíça, onde participou na celebração dos 50 anos de E-CHANGER (Intercambiar), organização suíça de cooperação solidária, da qual é assessor e contraparte há muitos anos. A situação atual da nova democracia popular latinoamericana -empanada somente pelo golpe de Estado em Honduras-; o papel motor dos movimentos sociais; a importância da luta contra a fome e seus obstáculos reais são alguns dos temas centrais dessa entrevista exclusiva. Frei Betto, 65 anos, religioso dominicano, é escritor e jornalista; assessor dos movimentos populares de seu país e ativo militante social. Foi, durante dois anos, conselheiro pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, abandonando seu governo quando o Programa "Fome Zero", que coordenava, "deixou de ser um programa de emancipação para converter-se em um meio compensatório com cálculo eleitoral".
Confira a entrevista:P: A crise mundial preocupa a comunidade internacional em seu conjunto. As respostas até agora têm sido efetivas?
FB: Tenho muitas dúvidas de que os dirigentes das principais potências mundiais tenham uma real preocupação de alcançar soluções de fundo. A Cúpula do G-8 (das oito nações mais industrializadas e a Rússia), realizada recentemente em L’Áquila, Itália, não contribuiu significativamente.
P: No entanto, o G-8 acordou 15 bilhões de dólares para enfrentar a pobreza. Entre setembro de 2008 e mediados de 2009, os mesmos dirigentes destinaram mil vezes mais para salvar o sistema financeiro. Com um olhar crítico, podemos concluir que estão mais preocupados em salvar o sistema do que a humanidade em seu conjunto. Isso é de um cinismo terrível...
Dois em cada três habitantes do mundo vivem na pobreza e isso é um fato objetivo ao qual não se dá resposta. Não se pode aceitar que 950 mil homens e mulheres tenham fome; que 23 mil pessoas morram por dia devido a fome, a maioria dos quais são crianças.
A CRISE TAMBÉM É ÉTICA
P: Como explica essa realidade?
FB: A atual situação desnuda uma profunda crise ética de fundo que toca todas as esferas das relações entre nações e que obriga a pensar novos paradigmas. Insisto: os poderosos querem salvar o sistema e não a humanidade.
A loteria biológica pela qual um nasce na Suíça ou nos Estados Unidos e não nasce em uma favela de são Paulo (Brasil) ou na Eritrea, é absolutamente injusta. E em vez de sentir-nos privilegiados por essa casualidade biológica, deveríamos sentir em grande dívida social em relação aos que sofrem fome e atuar em correspondência.
P: Uma realidade mundial que, então, não consegue sensibilizar realmente o planeta?
FB: Os países industrializados, os mais enriquecidos estão particularmente preocupados porque a crise ameaça seu nível de consumo, que é absurdo. Se quiséssemos generalizar o consumo do Norte para todo o Globo, necessitaríamos 3 ou 4 planetas Terra para ter suficientes recursos. Cometemos um erro ao pensar que o melhoramento das condições de vida das pessoas será conseguido graças ao crescimento econômico. Quase nuca esse crescimento se reflete nas maiorias que continuam vivendo pobres e exploradas. O crescimento real deveria ser medido com parâmetros e indicadores de desenvolvimento humano...
P: Por que a luta contra a fome não desata uma real mobilização planetária?
FB: Existem quatro causas principais de morte precoce. As doenças (Aids, câncer, malária etc.) Os acidentes, em suas distintas manifestações. O terceiro é a violência em suas distintas formas, incluindo o terrorismo. A quarta causa é a fome. As vítimas produto dos três primeiros fatores são muito menos que as do quarto fator. No entanto, não existe uma mobilização consistente contra a fome...
A fome ameaça somente aos miseráveis da terra e nós não o somos. Fui privilegiado na loteria biológica e então nosso comportamento é insensível ante o grande drama planetário. A tendência egoísta que marca o ser humano...
P: Existe possibilidade de que esse marco, quase fatalista, se modifique?
FB: Com uma mudança de paradigmas. Não será um processo fácil, nem simples; porém, as vítimas da injustiça nos obrigarão a modificar atitudes. Dois exemplos ilustrativos. Um, a devastação ambiental. Atinge a todos igualmente, ricos e pobres, Norte e Sul. E isso pressiona a tomada de decisões por parte de alguns governos e responsáveis políticos mundiais, além de seus próprios desejos ou vontades. O outro, as migrações das populações empobrecidas para os países ricos. Responde à necessidade de sobrevivência dos que nada têm. E não existe nem polícia, nem exército, nem legislação que possa impedir essa tendência migratória que já golpeia as nações enriquecidas. Esse fluxo não poderá ser detido. E os responsáveis políticos terão que tomar decisões consequentes para permitir que os países empobrecidos transitem a um processo de desenvolvimento autônomo soberano que permita que suas populações possam continuar vivendo ali.
P: Esses novos referentes devem ser buscados dentro ou fora do sistema?
FB: Tenho uma formação e uma experiência revolucionária desde muito jovem. Meu paradigma é a sociedade pós-capitalista. E essa sociedade pós-capitalista chama-se socialismo. Sou um socialista ontológico. O que não significa que considere como modelo qualquer referente histórico socialista, especialmente o que a Europa do Leste viveu.
COOPERAÇÃO REALMENTE SOLIDÁRIA
P: Que papel a cooperação Norte-Sul joga nessa dinâmica complexa?
FB: Penso que nesse contexto o conceito de cooperação realmente solidária adquire um grande valor. Para isso, é essencial uma atitude de modéstia. As ONGs do Norte que trabalham no Sul devem dotar-se de uma pedagogia e da educação de Paulo Freire. O que implica colocar-se a serviço do outro, sem nenhuma arrogância ou colonialismo, compreendendo as diferenças, assumindo que ninguém é melhor do que o outro; mas que cada um tem uma cultura diferente.
P: Como se expressaria concretamente essa atitude no cotidiano das relações Norte-Sul?
FB: Uma regra de outro da cooperação solidária consiste em promover a autoestima dos atores sociais do sul. Tem que fortalecer os movimentos sociais; consolidar a formação de seus dirigentes. A instrução, a formação, deveria constituir uma contribuição essencial, reforçando, ao mesmo tempo, a consciência da necessidade de desenvolver relações igualitárias. Não com uma ótica assistencialista ou colonialista do Norte ao Sul, mas com uma perspectiva emancipadora da população do Sul. Nesse sentido, quero dizer que uma ONG como E-CHANGER são excepcionais. De grande coerência. Vão trabalhar no Sul, na América Latina, e especialmente no Brasil, que é o que melhor conheço, colocando-se a serviço dos atores sociais, sem impor verdades, escutando, abertas à aprendizagem constante, conscientes de que todos têm muito a aprender nesse intercâmbio com rosto humano.
A ESPERANÇA LATINOAMERICANA
P: O essencial de sua reflexão global se nutre da realidade do Brasil e da América Latina. Que momento político vive atualmente o continente?
FB: Nas últimas décadas, passou por três etapas muito diferenciadas. A primeira, entre 1960 e 1980, as ditaduras militares. Com repressão generalizada, desaparecimentos forçados de pessoas, cárcere e exílio. Em seguida, vem um período de neoliberalismo messiânico que fez explodir as contradições populares. Como nunca antes, os movimentos sociais hoje sentem-se escutados e considerados. Muitos de seus dirigentes, inclusive, participam nos governos.
P: Qual é o traço mais característico deste?
FB: A existência de uma série de iniciativas regionais e continentais que promovem propostas de integração com autonomia. E isso é muito importante tendo em vista a longa história de dependência colonial que padecemos durante séculos.
Com uma nota amarga nesse marco positivo: o golpe de Estado em Honduras, que aconteceu no dia 28 de junho deste ano. Havíamos pensado que nunca mais haveria ditaduras e este golpe abre um compasso de preocupação. A mobilização latinoamericana contra o golpe causa preocupação. A mobilização latinoamericana contra o golpe é excepcionalmente significativa.
Liberdade e justiça social
Liberdade e justiça social
Na década de 1980 visitei, com frequência, países socialistas: União Soviética, China, Alemanha Oriental, Polônia, Tchecoslováquia e Cuba. Estive também na Nicarágua sandinista. As viagens decorreram de convites dos governos daqueles países, interessados no diálogo entre Estado e Igreja.
Do que observei, concluí que socialismo e capitalismo não lograram vencer a dicotomia entre justiça e liberdade. Ao socializar o acesso aos bens materiais básicos e aos direitos elementares (alimentação, saúde, educação, trabalho, moradia e lazer), o socialismo implantara, contudo, um sistema mais justo à maioria da população que o capitalismo.
Ainda que incapaz de evitar a desigualdade social e, portanto, estruturas injustas, o capitalismo instaurou, aparentemente, uma liberdade - de expressão, reunião, locomoção, crença etc. - que não se via em todos os países socialistas governados por um partido único (o comunista), cujos filiados estavam sujeitos ao "centralismo democrático".
No capitalismo, a apropriação individual e ilimitada da riqueza é direito protegido por lei. E a aritmética e o bom-senso ensinam que quando um se apropria muitos são desapropriados. A opulência de uns poucos decorre da carência de muitos.
A história da riqueza no capitalismo é uma sequência de guerras, opressão colonialista, saques, roubos, invasões, anexações, especulações etc. Basta verificar o que sucedeu na América Latina, na África e na Ásia entre os séculos XVI e a primeira metade do século XX.
Hoje, a riqueza da maioria das nações desenvolvidas decorre da pobreza dos países ditos emergentes. Ainda agora os parâmetros que regem a OMC são claramente favoráveis às nações metropolitanas e desfavoráveis aos países exportadores de matérias-primas e mão de obra barata.
Um país capitalista que agisse segundo os princípios da justiça cometeria um suicídio sistêmico; deixaria de ser capitalista. Nos anos 80, ao integrar a Comissão Sueca de Direitos Humanos, fui questionado, em Uppsala, por que o Brasil, com tanta fartura, não conseguia erradicar a miséria, como fizera a pequena Suécia. Perguntei-lhes: "Quantas empresas brasileiras estão instaladas na Suécia?" Fez-se prolongado silêncio.
Naquela época, nenhuma empresa brasileira operava na Suécia. Em seguida, indaguei: "Quantas empresas suecas estão presentes no Brasil?" Todos sabiam que havia marcas suecas em quase toda a América Latina, como Volvo, Scania, Ericsson e a SKF, mas não precisamente quantas no Brasil. "Vinte e seis", esclareci. (Hoje são 180). Como falar em justiça quando um dos pratos da balança comercial é obviamente favorável ao país exportador em detrimento do importador?
Sim, a injustiça social é inerente ao capitalismo, poderia alguém admitir. E logo objetar: mas não é verdade que, no capitalismo, o que falta em justiça sobra em liberdade? Nos países capitalistas não predominam o pluripartidarismo, a democracia, o sufrágio universal, e cidadãos e cidadãs não manifestam com liberdade suas críticas, crenças e opiniões? Não podem viajar livremente e até mesmo escolher viver em outro país, sem precisar imitar os "balseros" cubanos?
De fato, nos países capitalistas a liberdade existe apenas para uma minoria, a casta dos que têm riqueza e poder. Para os demais, vigora o regime de liberdade consentida e virtual. Como falar de liberdade de expressão da faxineira, do pequeno agricultor, do operário? É uma liberdade virtual, pois não dispõem de meios para exercitá-la. E se criticam o governo, isso soa como um pingo de água submergido pela onda avassaladora dos meios de comunicação - TV, rádio, internet, jornais, revistas - em mãos da elite, que trata de infundir na opinião pública sua visão de mundo e seu critério de valores. Inclusive a ideia de que miseráveis e pobres são livres...
Por que os votos dessa gente jamais produzem mudanças estruturais? No capitalismo, devido à abundância de ofertas no mercado e à indução publicitária ao consumo supérfluo, qualquer pessoa que disponha de um mínimo de renda é livre para escolher, nas gôndolas dos supermercados, entre diferentes marcas de sabonetes ou cervejas. Tente-se, porém, escolher um governo voltado aos direitos dos mais pobres! Tente-se alterar o sacrossanto "direito" de propriedade (baseado na sonegação desse direito à maioria). E por que Europa e EUA fecham suas fronteiras aos imigrantes dos países pobres? Onde a liberdade de locomoção?
Sem os pressupostos da justiça social, não se pode assegurar liberdade para todos.
frei betto, escritor e pacifista