Postado por Kamadon
No momento em que você não tem mais medo do desconhecido, o desconhecido imediatamente bate à sua porta. Se você tem medo, ele não o perturba.
Deus nunca interfere na vida de ninguém, porque ele ama sua criação. Então ele dá a todos liberdade total, até para ficarem contra ele — até mesmo fechar as portas para ele faz parte da liberdade, até mesmo negá-lo faz parte da liberdade.
Mas é tolice usar a liberdade de maneira negativa. Use-a de maneira positiva, use-a para receber o convidado desconhecido, use-a para criar confiança, amor e bem-aventurança, de modo que Deus possa penetrar em você.
O encontro entre seu ser e o ser do todo é o início da luz, o início da vida eterna, o início da imortalidade. E essa é a busca de todas as pessoas, consciente ou inconscientemente. Todo mundo quer conhecer algo que seja indestrutível, que não possa ser removido.
Todo mundo quer vir para a luz, todo mundo quer ter olhos para ver, quer clareza de visão. Mas as pessoas vivem fazendo coisas que acabam impedindo sua visão, obstruindo o discernimento, aleijando seu próprio ser.
sábado, 8 de janeiro de 2011
O Milagre da empatia
Postado por Kamadon
O mais difícil dos sentimentos é o sentimento do outro.
O outro é ele e és tu.
Ele é realmente o outro ou é a parte tua que não queres ser, saber, ver ou aceitar?
Tu és o outro para os outros, logo és igual a ele. Todos somos “outros”.
E, no entanto o outro invade, ameaça, mastiga de boca aberta, irrita, eriça, machuca.
Até teu filho é o outro. E tu, pobre pretensioso, pensas que ele é teu…
O sentimento do outro quantas vezes te faz parar, meditar, deixar de fazer o melhor que tens ou podes, só porque o outro é o mistério que te ameaça.
Por que o outro te ameaça? Porque és tu.
Quanto maior teu sentimento do outro, maior será teu o sentimento do melhor e do pior que tens.
O sentimento do outro não é sentir por ele. É saber o que ele sente. É avaliar o como e o quanto ele sente.
O sentimento do outro não é o masoquismo de fazer teu, um sofrimento que só a ele pertence.
É dimensionares a medida certa do sofrimento dele e só poderes ajudar porque não fazes teu um sofrimento que é alheio mas o entendes e sentes, na exata medida de sua extensão, sem as marcas e as limitações da dor enquanto dói.
Não é ficar como o outro. É ficar com o outro.
O sentimento do outro é quase um milagre. Cuidado com ele, vai te obrigar a ceder, a entender. Atrapalhará para sempre teu desejo, tua gula e vontade.
O sentimento do outro é aquilo que é mais prático não ter. Mas, em caso positivo é contágio de saúde: não podes deixar de exercê-lo. Senão fermentas. Senão apodreces.
Ele freará tua vitória, calará teu brilho e tua boca, impedirá tua vaidade. Pode, até, te pregar a suprema peça de te fazer entender os detestáveis.
Cuidado com ele! Quanto maior, mais anulador! Quanto mais anulador, mais repleto de grandeza.
O sentimento do outro, talvez te faça antena, tímido, herói, cais. Ser antena dilacera, sabias? O sentimento do outro te exigirá nervos, músculos, e uma paciência de anacoreta. Quanto mais o outro o perceba em ti, mais ele te invadirá, cobrará, exigirá, até quando, exaurido, ainda consigas juntar os cacos do teu cansaço para, ainda assim, prosseguir.
O sentimento do outro é tua glória e tua tragédia! Tanto mais o terás quando encontres em ti os escaninhos escurecidos do que és e, ao mesmo tempo as luzes do que, ainda puro, brilha em ti.
O sentimento do outro é o conteúdo oculto do amor ao Próximo.
O mais difícil dos sentimentos é o sentimento do outro.
O outro é ele e és tu.
Ele é realmente o outro ou é a parte tua que não queres ser, saber, ver ou aceitar?
Tu és o outro para os outros, logo és igual a ele. Todos somos “outros”.
E, no entanto o outro invade, ameaça, mastiga de boca aberta, irrita, eriça, machuca.
Até teu filho é o outro. E tu, pobre pretensioso, pensas que ele é teu…
O sentimento do outro quantas vezes te faz parar, meditar, deixar de fazer o melhor que tens ou podes, só porque o outro é o mistério que te ameaça.
Por que o outro te ameaça? Porque és tu.
Quanto maior teu sentimento do outro, maior será teu o sentimento do melhor e do pior que tens.
O sentimento do outro não é sentir por ele. É saber o que ele sente. É avaliar o como e o quanto ele sente.
O sentimento do outro não é o masoquismo de fazer teu, um sofrimento que só a ele pertence.
É dimensionares a medida certa do sofrimento dele e só poderes ajudar porque não fazes teu um sofrimento que é alheio mas o entendes e sentes, na exata medida de sua extensão, sem as marcas e as limitações da dor enquanto dói.
Não é ficar como o outro. É ficar com o outro.
O sentimento do outro é quase um milagre. Cuidado com ele, vai te obrigar a ceder, a entender. Atrapalhará para sempre teu desejo, tua gula e vontade.
O sentimento do outro é aquilo que é mais prático não ter. Mas, em caso positivo é contágio de saúde: não podes deixar de exercê-lo. Senão fermentas. Senão apodreces.
Ele freará tua vitória, calará teu brilho e tua boca, impedirá tua vaidade. Pode, até, te pregar a suprema peça de te fazer entender os detestáveis.
Cuidado com ele! Quanto maior, mais anulador! Quanto mais anulador, mais repleto de grandeza.
O sentimento do outro, talvez te faça antena, tímido, herói, cais. Ser antena dilacera, sabias? O sentimento do outro te exigirá nervos, músculos, e uma paciência de anacoreta. Quanto mais o outro o perceba em ti, mais ele te invadirá, cobrará, exigirá, até quando, exaurido, ainda consigas juntar os cacos do teu cansaço para, ainda assim, prosseguir.
O sentimento do outro é tua glória e tua tragédia! Tanto mais o terás quando encontres em ti os escaninhos escurecidos do que és e, ao mesmo tempo as luzes do que, ainda puro, brilha em ti.
O sentimento do outro é o conteúdo oculto do amor ao Próximo.
A ponte
Postado por Kamadon
JOÃO 1
1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em estava Deus, e o Verbo era Deus.
[...]
3 Todas as coisas foram feitas por meio Dele e sem ele nada do que foi feito teria sido.
4 N'Ele estava a vida; e a vida era a luz dos homens.
5 E a luz brilhou na escuridão; e a escuridão não a compreendeu.
6 Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João.
7 Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, e por meio dele todos os homens poderiam acreditar.
8 Ele não era a luz, mas fora enviado para dar testemunho dela.
[...]
11 Ele foi aos seus, mas os seus não o receberam.
12 Mas, a quantos o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, aos que creem no seu nome;
[...]
14 E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós (e vimos sua glória, como do unigênito do Pai), pleno de graça e verdade.
[...]
16 E de Sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça.
17 Pois a lei foi dada por Moisés, mas a Graça e a Verdade vieram de Jesus, o Cristo.
[...]
Eu falarei do Cristo, mas não do cristianismo. O cristianismo não tem nada a ver com o Cristo. Na verdade, o cristianismo é anticristo — tanto quanto o budismo é antibuda e o jainismo é antimahavira.
O Cristo tem algo que não pode ser organizado: por sua própria natureza, ele é rebelião, e a rebelião não pode ser organizada. No momento em que você a organiza, você a mata. Então, sobra o cadáver.
Você pode reverenciá-lo, mas não pode ser transformado por um cadáver. Você pode carregar o peso por séculos e séculos, mas ele somente pesará em você. Assim, desde o começo, que isto fique bem claro: eu sou completamente a favor do Cristo, mas nem mesmo uma pequena parte de mim é a favor do cristianismo.
Se você quiser o Cristo, terá de ir além do cristianismo. Se você se apegar demasiadamente ao cristianismo, não será capaz de compreender Cristo. Ele está além de todas as igrejas.
Cristo é o próprio princípio da religião. Em Cristo todas as aspirações da humanidade são preenchidas. Ele é uma síntese rara. Comumente, um ser humano vive em agonia, angústia, ansiedade, dor e sofrimento.
Se você olhar para Krishna, ele foi para a outra polaridade: ele vive em êxtase. Não sobra nenhuma agonia: a angústia desapareceu. Você pode amá-lo, você pode dançar com ele por um tempo, mas a ponte estará perdida. Você está em agonia, ele está em êxtase — onde fica a ponte?
Um Buda foi ainda mais longe. Ele não está nem em agonia nem em êxtase. Ele está absolutamente tranquilo e calmo. Ele está tão distante que você pode olhar para ele, mas não pode acreditar que ele existe.
Parece um mito — talvez um preenchimento de um desejo da humanidade. Como pode tal homem andar nesta terra, tão transcendental a todas as agonias e os êxtases? Ele está muito distante.
Jesus é a culminação de todas as aspirações. Ele está em agonia — como você, como todos os seres humanos nascem —, em agonia na cruz. Ele está no êxtase que às vezes um Krishna alcança: ele celebra; é uma canção, uma dança.
E também é transcendência. Há momentos em que você chega bem perto dele, em que você vê que seu ser interior não é nem a cruz nem a celebração, mas a transcendência.
Esta é a beleza de Cristo: existe uma ponte. Você pode ir em direção a ele pouco a pouco, e ele pode conduzi-lo na direção do desconhecido — e tão lentamente que você nem terá ciência quando cruzar a fronteira, quando entrar no desconhecido vindo do conhecido, quando o mundo desaparecer e Deus aparecer.
Você pode confiar nele, porque ele é tão parecido com você e, contudo, tão diferente. Você pode acreditar nele, porque ele faz parte da sua agonia — você pode compreender sua linguagem.
Eis porque Jesus se tornou um grande marco na história da consciência. Não é por coincidência que o aniversário de Jesus tenha se tornado a mais importante data histórica. Tinha de ser assim. Antes de Cristo, um mundo; depois de Cristo, passa a existir um mundo totalmente diferente — uma demarcação na consciência humana.
Há tantos calendários, tantos meios, mas o calendário que está baseado em Cristo é o mais significativo. Com ele, alguma coisa mudou no homem: com ele, algo penetrou na consciência do homem.
JOÃO 1
1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em estava Deus, e o Verbo era Deus.
[...]
3 Todas as coisas foram feitas por meio Dele e sem ele nada do que foi feito teria sido.
4 N'Ele estava a vida; e a vida era a luz dos homens.
5 E a luz brilhou na escuridão; e a escuridão não a compreendeu.
6 Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João.
7 Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, e por meio dele todos os homens poderiam acreditar.
8 Ele não era a luz, mas fora enviado para dar testemunho dela.
[...]
11 Ele foi aos seus, mas os seus não o receberam.
12 Mas, a quantos o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, aos que creem no seu nome;
[...]
14 E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós (e vimos sua glória, como do unigênito do Pai), pleno de graça e verdade.
[...]
16 E de Sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça.
17 Pois a lei foi dada por Moisés, mas a Graça e a Verdade vieram de Jesus, o Cristo.
[...]
Eu falarei do Cristo, mas não do cristianismo. O cristianismo não tem nada a ver com o Cristo. Na verdade, o cristianismo é anticristo — tanto quanto o budismo é antibuda e o jainismo é antimahavira.
O Cristo tem algo que não pode ser organizado: por sua própria natureza, ele é rebelião, e a rebelião não pode ser organizada. No momento em que você a organiza, você a mata. Então, sobra o cadáver.
Você pode reverenciá-lo, mas não pode ser transformado por um cadáver. Você pode carregar o peso por séculos e séculos, mas ele somente pesará em você. Assim, desde o começo, que isto fique bem claro: eu sou completamente a favor do Cristo, mas nem mesmo uma pequena parte de mim é a favor do cristianismo.
Se você quiser o Cristo, terá de ir além do cristianismo. Se você se apegar demasiadamente ao cristianismo, não será capaz de compreender Cristo. Ele está além de todas as igrejas.
Cristo é o próprio princípio da religião. Em Cristo todas as aspirações da humanidade são preenchidas. Ele é uma síntese rara. Comumente, um ser humano vive em agonia, angústia, ansiedade, dor e sofrimento.
Se você olhar para Krishna, ele foi para a outra polaridade: ele vive em êxtase. Não sobra nenhuma agonia: a angústia desapareceu. Você pode amá-lo, você pode dançar com ele por um tempo, mas a ponte estará perdida. Você está em agonia, ele está em êxtase — onde fica a ponte?
Um Buda foi ainda mais longe. Ele não está nem em agonia nem em êxtase. Ele está absolutamente tranquilo e calmo. Ele está tão distante que você pode olhar para ele, mas não pode acreditar que ele existe.
Parece um mito — talvez um preenchimento de um desejo da humanidade. Como pode tal homem andar nesta terra, tão transcendental a todas as agonias e os êxtases? Ele está muito distante.
Jesus é a culminação de todas as aspirações. Ele está em agonia — como você, como todos os seres humanos nascem —, em agonia na cruz. Ele está no êxtase que às vezes um Krishna alcança: ele celebra; é uma canção, uma dança.
E também é transcendência. Há momentos em que você chega bem perto dele, em que você vê que seu ser interior não é nem a cruz nem a celebração, mas a transcendência.
Esta é a beleza de Cristo: existe uma ponte. Você pode ir em direção a ele pouco a pouco, e ele pode conduzi-lo na direção do desconhecido — e tão lentamente que você nem terá ciência quando cruzar a fronteira, quando entrar no desconhecido vindo do conhecido, quando o mundo desaparecer e Deus aparecer.
Você pode confiar nele, porque ele é tão parecido com você e, contudo, tão diferente. Você pode acreditar nele, porque ele faz parte da sua agonia — você pode compreender sua linguagem.
Eis porque Jesus se tornou um grande marco na história da consciência. Não é por coincidência que o aniversário de Jesus tenha se tornado a mais importante data histórica. Tinha de ser assim. Antes de Cristo, um mundo; depois de Cristo, passa a existir um mundo totalmente diferente — uma demarcação na consciência humana.
Há tantos calendários, tantos meios, mas o calendário que está baseado em Cristo é o mais significativo. Com ele, alguma coisa mudou no homem: com ele, algo penetrou na consciência do homem.
Solidão é fundamental
Postado por Kamadon
Por Hilda Lucas
Que me desculpem os desesperados, mas solidão é fundamental para viver. Solidão é requisito para nascer e para morrer.
Sem ela não me ouço, não ouso, não me fortaleço. Sem ela me diluo, me disperso, me espelho nos outros, me esqueço. Sem ela os silêncios são estéreis e as noites sôfregas, povoadas de assombramentos e desejos insaciáveis. Sem ela não percebo as saídas, os milagres, os espinhos. Não penso solto, não mato dragões, não acalanto a criança apavorada em mim, não aquieto meus pavores, meu medo de ser só. Sem ela sairei por aí, com olhos inquietos, caçando afeto, aceitando migalhas, confundindo estar cercada por pessoas com ter amigos.
Sem ela me manterei aturdida, ocupada, agendada só para driblar o tempo e não ter que me fazer companhia. Sem ela trairei meus desejos, rirei sem achar graça, endossarei idéias tolas só para não ter que me recolher e ouvir meus lamentos, meus sonhos adiados, meus dentes rangendo. Sem ela, e não por causa dela, trocarei beijos tristes e acordarei vazia em leitos áridos. Sem ela sairei de casa todos os dias e me afastarei de mim, me desconhecerei, me perderei.
Solidão é o lugar onde encontro a mim mesma, de onde observo um jardim secreto e por onde acesso o templo em mim. Medo? Sim. Até entender que o monstro mora lá fora e o herói mora aqui dentro. Encarar a solidão é coisa do herói em nós, transformá-la em quietude é coisa do sábio que podemos ser.
Num mundo superlotado, onde tudo é efêmero, voraz e veloz, a solidão pode ser oásis e não deserto. Num mundo tão volúvel, desencantado e ansioso, a solidão pode ser alimento e não fome. Num mundo tão barulhento, egoísta, atribulado, a solidão pode ser trégua e não luta. Num mundo tão estressado, imediatista, insatisfeito, a solidão pode ser resgate e não desacerto. Num mundo tão leviano, vulgar, que julga pelas aparências e endeusa espertalhões, turbinados, boçais, a solidão pode ser proteção e não contágio. Num mundo obcecado por juventude, sucesso, consumo, a solidão pode ser liberdade e não fracasso.
Tempo e solidão são hoje os bens mais preciosos, o verdadeiro luxo.
Marque encontros com você mesma. Experimente. Dê-se um tempo. Surpreenda-se. Solidão é exercício, visitação. É pausa, contemplação, observação. É inspiração, conhecimento. É pouso e também vôo. É quando a gente inventa um tempo e um lugar para cuidar da alma, da memória, dos sonhos; quando a gente se retira da multidão e se faz companhia. Quando a gente se livra da engrenagem e troca o medo de ser só pela coragem de estar só. Não falo de isolamento, nem ruptura ou apartamento. Adoro gente mas, mesmo assim, e talvez até por isso, preciso de solidão. Preciso estar em mim para estar com outros.
Ninguém quer ser solitário, solto, desgarrado. Desde que o homem é homem, ou ainda macaco, buscamos não ficar sozinhos. Agrupamo-nos, protegemo-nos, evoluímos porque éramos um bando, uma comunidade. Somos sociáveis, gregários. Queremos família, amigos, amores. Queremos laços, trocas, contato. Queremos encontros, comunhão, companhia. Queremos abraços, toques, afeto. É a nossa vocação. Mas, ainda assim, revendo o poeta, ouso dizer: é preciso aprender a estar só para se gostar e ser feliz.
O desafio é poder recolher-se para sair expandido. É fazer luz na alma para conhecer os seus contornos, clarear o caminho e esquecer o medo da própria sombra. Existem pensamentos, orações, sorrisos, encontros e realizações que só acontecem quando estamos a sós. Existem curas, revelações, idéias, lembranças que só podem vir à tona quando estamos sós. Mesmo os momentos compartilhados só serão inesquecíveis se uma parte nossa estiver inteiramente só para apreender tudo que apenas a nós se revelará e tocará.
Existe uma pessoa que só conhecemos se conseguimos ficar sós: nós mesmos!
Seja amigo da solidão. Aceite seus convites, passeie com ela, desmistifique-a. Não corra dela, não tenha medo. Desassombre-se. Ouse a solidão e fique em ótima companhia.
__._,_.___
Por Hilda Lucas
Que me desculpem os desesperados, mas solidão é fundamental para viver. Solidão é requisito para nascer e para morrer.
Sem ela não me ouço, não ouso, não me fortaleço. Sem ela me diluo, me disperso, me espelho nos outros, me esqueço. Sem ela os silêncios são estéreis e as noites sôfregas, povoadas de assombramentos e desejos insaciáveis. Sem ela não percebo as saídas, os milagres, os espinhos. Não penso solto, não mato dragões, não acalanto a criança apavorada em mim, não aquieto meus pavores, meu medo de ser só. Sem ela sairei por aí, com olhos inquietos, caçando afeto, aceitando migalhas, confundindo estar cercada por pessoas com ter amigos.
Sem ela me manterei aturdida, ocupada, agendada só para driblar o tempo e não ter que me fazer companhia. Sem ela trairei meus desejos, rirei sem achar graça, endossarei idéias tolas só para não ter que me recolher e ouvir meus lamentos, meus sonhos adiados, meus dentes rangendo. Sem ela, e não por causa dela, trocarei beijos tristes e acordarei vazia em leitos áridos. Sem ela sairei de casa todos os dias e me afastarei de mim, me desconhecerei, me perderei.
Solidão é o lugar onde encontro a mim mesma, de onde observo um jardim secreto e por onde acesso o templo em mim. Medo? Sim. Até entender que o monstro mora lá fora e o herói mora aqui dentro. Encarar a solidão é coisa do herói em nós, transformá-la em quietude é coisa do sábio que podemos ser.
Num mundo superlotado, onde tudo é efêmero, voraz e veloz, a solidão pode ser oásis e não deserto. Num mundo tão volúvel, desencantado e ansioso, a solidão pode ser alimento e não fome. Num mundo tão barulhento, egoísta, atribulado, a solidão pode ser trégua e não luta. Num mundo tão estressado, imediatista, insatisfeito, a solidão pode ser resgate e não desacerto. Num mundo tão leviano, vulgar, que julga pelas aparências e endeusa espertalhões, turbinados, boçais, a solidão pode ser proteção e não contágio. Num mundo obcecado por juventude, sucesso, consumo, a solidão pode ser liberdade e não fracasso.
Tempo e solidão são hoje os bens mais preciosos, o verdadeiro luxo.
Marque encontros com você mesma. Experimente. Dê-se um tempo. Surpreenda-se. Solidão é exercício, visitação. É pausa, contemplação, observação. É inspiração, conhecimento. É pouso e também vôo. É quando a gente inventa um tempo e um lugar para cuidar da alma, da memória, dos sonhos; quando a gente se retira da multidão e se faz companhia. Quando a gente se livra da engrenagem e troca o medo de ser só pela coragem de estar só. Não falo de isolamento, nem ruptura ou apartamento. Adoro gente mas, mesmo assim, e talvez até por isso, preciso de solidão. Preciso estar em mim para estar com outros.
Ninguém quer ser solitário, solto, desgarrado. Desde que o homem é homem, ou ainda macaco, buscamos não ficar sozinhos. Agrupamo-nos, protegemo-nos, evoluímos porque éramos um bando, uma comunidade. Somos sociáveis, gregários. Queremos família, amigos, amores. Queremos laços, trocas, contato. Queremos encontros, comunhão, companhia. Queremos abraços, toques, afeto. É a nossa vocação. Mas, ainda assim, revendo o poeta, ouso dizer: é preciso aprender a estar só para se gostar e ser feliz.
O desafio é poder recolher-se para sair expandido. É fazer luz na alma para conhecer os seus contornos, clarear o caminho e esquecer o medo da própria sombra. Existem pensamentos, orações, sorrisos, encontros e realizações que só acontecem quando estamos a sós. Existem curas, revelações, idéias, lembranças que só podem vir à tona quando estamos sós. Mesmo os momentos compartilhados só serão inesquecíveis se uma parte nossa estiver inteiramente só para apreender tudo que apenas a nós se revelará e tocará.
Existe uma pessoa que só conhecemos se conseguimos ficar sós: nós mesmos!
Seja amigo da solidão. Aceite seus convites, passeie com ela, desmistifique-a. Não corra dela, não tenha medo. Desassombre-se. Ouse a solidão e fique em ótima companhia.
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