Postado por Kamadon
Certa feita, Simão Pedro perguntou a Jesus:
- Senhor, como saberei onde vivem nossos maiores inimigos? Quero combatê-los, a fim de trabalhar com eficiência pelo Reino de Deus.
Iam os dois de caminho entre Cafarnaum e Magdala, ao sol rutilante de perfumada manhã.
O Mestre ouviu e mergulhou-se em longa meditação.
Insistindo, porém, o discípulo, ele respondeu benevolamente:
- A experiência tudo revela no momento preciso.
- Oh! – exclamou Simão, impaciente – a experiência demora muitíssimo.
O Amigo Divino esclareceu, imperturbável:
- Para os que possuem “olhos de ver” e “ouvidos de ouvir”, uma hora, às vezes, basta ao aprendizado de inesquecíveis lições.
Pedro calou-se, desencantado.
Antes que pudesse retornar às interrogações, notou que alguém se esgueirava por trás de velhas figueiras, erguidas à margem. O apóstolo empalideceu e obrigou o Mestre a interromper a marcha, declarando que o desconhecido era um fariseu que procurava assassiná-lo. Com palavras ásperas desafiou o viajante anônimo a afastar-se, ameaçando-o, sob forte irritação. E quando tentava agarrá-lo, à viva força, diamantina risada se fez ouvir. A suposição era injusta. Ao invés de um fariseu, foi André, o próprio irmão dele, quem surgiu sorridente, associando-se à pequena caravana.
Jesus endereçou expressivo gesto a Simão e obtemperou:
- Pedro, nunca te esqueças de que o medo é um adversário terrível.
Recomposto o grupo, não haviam avançado muito, quando avistaram um levita que recitava passagens da Tora e lhes dirigiu a palavra, menos respeitoso.
Simão inchou-se de cólera. Reagiu e discutiu, longe das noções de tolerância fraterna, até que o interlocutor fugiu, amedrontado.
O Mestre, até então silencioso, fixou no aprendiz os olhos muito lúcidos e inquiriu:
- Pedro, qual é a primeira obrigação do homem que se candidata ao Reino Celeste?
A resposta veio clara e breve:
- Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
- Terás observado a regra sublime, neste conflito? – continuou o Cristo, serenamente – recorda que, antes de tudo, é indispensável nosso auxílio ao que ignora o verdadeiro bem e não olvides que a cólera é um perseguidor cruel.
Mais alguns passos e encontraram Teofrasto, judeu grego dado à venda de perfumes, que informou sobre certo Zeconias, leproso curado pelo profeta nazareno e que fugira para Jerusalém, onde acusava o Messias com falsas alegações.
O pescador não se conteve. Gritou que Zeconias era um ingrato, relacionou os benefícios que Jesus lhe prestara e internou-se em longos e amargosos comentários, amaldiçoando- lhe o nome.
Terminando, o Cristo indagou-lhe:
- Pedro, quantas vezes perdoarás a teu irmão?
- Até setenta vezes sete – replicou o apóstolo, humilde.
O Amigo Celeste contemplou-o, calmo, e rematou:
- A dureza é um carrasco da alma.
Não atravessaram grande distância e cruzaram com Rufo Grácus, velho romano semiparalítico, que lhes sorriu, desdenhoso, do alto da liteira sustentada pelos escravos fortes.
Marcando-lhe o gesto sarcástico, Simão falou sem rebuços:
- Desejaria curar aquele pecador impenitente, a fim de dobrar-lhe o coração para Deus.
Jesus, porém, afagou-lhe o ombro e ajuntou:
- Por que instituiríamos a violência no mundo, se o próprio Pai nunca se impôs a ninguém?
E, ante o companheiro desapontado, concluiu:
- A vaidade é um verdugo sutil.
Daí a minutos, para repasto ligeiro, chegavam à hospedaria modesta de Aminadab, um seguidor das idéias novas.
À mesa, um certo Zadias, liberto de Cesárea, se pôs a comentar os acontecimentos políticos da época. Indicou os erros e desmandos da Corte Imperial, ao que Simão correspondeu, colaborando na poda verbalística. Dignitários e filósofos, administradores e artistas de além-mar sofreram apontamentos ferinos. Tibério foi invocado com impiedosas recriminações.
Finda a animada palestra, Jesus perguntou ao discípulo se acaso estivera alguma vez em Roma.
O esclarecimento veio depressa:
- Nunca.
O Cristo sorriu e observou:
- Falaste com tamanha desenvoltura sobre o Imperador que me pareceu estar diante de alguém que com ele houvesse privado intimamente.
Em seguida, acrescentou:
- Estejamos convictos de que a maledicência é algoz terrível.
O pescador de Cafarnaum silenciou, desconcertado.
O Mestre contemplou a paisagem exterior, fitando a posição do astro do dia, como a consultar o tempo, e, voltando-se para o companheiro invigilante, acentuou, bondoso:
- Pedro, há precisamente uma hora procurava situar o domicilio de nossos maiores adversários. De então para cá, cinco apareceram, entre nós: o medo, a cólera, a dureza, a vaidade e a maledicência. .. Como reconheces, nossos piores inimigos moram em nosso próprio coração.
E, sorrindo, finalizou:
- Dentro de nós mesmos, será travada a guerra maior.
(Obra: Luz Acima - Chico Xavier/Irmão X)
terça-feira, 8 de junho de 2010
"PARÁBOLA SOBRE O BAMBU"
Postado por Kamadon
Num lugar distante, havia um lindo bambuzal. O vento soprava sereno e a brisa mansa permitia que o bambuzal se movimentasse desordenadamente de um lado para o outro, servindo para refrescar todo ambiente e movimentar com todas energias que estavam paradas.
E como todo bambuzal tem um dono, esse não era diferente: o dono desse bambuzal nesse dia coincidentemente chegou junto com o vento.
Qual foi a surpresa do bambuzal em ver o seu dono, todos naquele instante ficaram cheios de alegria e destemor, pois aquele que cuidava com tanto carinho deles chegava com seu sorriso para olhar sua estimada plantação. Porém havia no mesmo lugar ao lado um campo ermo, de difícil plantação, terra ressequida pertencente ao mesmo dono.
No bambuzal existia um bambu que era muito bonito, vivaz e sobressaia dos outros. Existia nele uma especial diferença sobre os outros bambus. Mas tudo era natural nele e, sua dedicação ao dono, o tornava cada vez mais diferente e bonito.E muitas vezes incomodava os outros bambus.
A felicidade desse bambu era ver seu dono chegando e contemplando- o com entusiasmo.
Porém, num certo dia de ventania, foi surpreendido por seu dono tão querido numa proposta que há muito tempo esperava. Era chegada a hora do bambu servir e com a mesma dedicação que tinha desde o seu nascimento. O dono do bambu chegou lá pelas 5 horas da tarde, olhou seu bambu amado, acariciou-o e lhe disse:
“BAMBU AMADO, CHEGOU O SEU TEMPO DE ME SERVIR E, ESTE É O MOMENTO.”
O bambu ficou entusiasmadíssimo com tal proposta e na intensidade que amava o dono, apressou-se em dizer:
“SIM AMADO DONO, SE A HORA É CHEGADA. EU ESTOU AQUI!”
O dono sabia desse "sim" e, logo amou mais ainda o bambu. Contudo, o dono do bambu teve que lhe falar sobre esse serviço especial e continuou dizendo:
“MAS PARA QUE ME SIRVA, BAMBU AMADO, TENHO QUE LHE TIRAR DO LUGAR EM QUE VOCÊ ESTÁ!”
O bambu estranhou pois sabia que isso iria prejudicá-lo muito, mas no mesmo instante disse ao dono:
"SABE DAS COISAS MEU DONO, E SABE DE MIM, ME ALEGRO E FAÇA COM QUE EU LHE SIRVA BEM!"
O dono mais alegre ainda continuou:
'BAMBU AMADO, NÃO BASTA QUE TE ARRANQUE DE SEU LUGAR MAS VOU PRECISAR CORTÁ-LO COM UM FACÃO PARA PARTÍ-LO AO MEIO!'
Surpreso, o bambu tentou entender a proposta e começou entristecer, pois sua beleza, seu encanto, sua firmeza, seu apoio, tudo seria tirado e, sua natureza de bambu não existiria mais. Porem, triste e sem entender encheu-se de alegria já comprometida, porém pensando na satisfação que seu dono teria com mais um SIM e não pensou e disse:
"SE ASSIM É QUE PRECISAS DE MIM QUE EU POSSA LHE ALEGRAR, EIS-ME AQUI. PRONTO!"
O dono sabia disso e, percebia que o bambu não estava tão alegre quanto o inicio da conversa mas, sabia da fidelidade do amado bambu. Não obstante, o dono lhe disse sem muitas palavras:
'AMADO BAMBU, MESMO QUE ME SIRVA AINDA PRECISO DIZER: NÃO LHE BASTA QUE O ARRANQUE E O CORTE COM UM FACÃO, É PRECISO QUE EU O SEQUE E DESCARACTERIZE TEUS JEITOS DE BAMBU, TUA BELEZA E MESMO TODA TUA ALEGRIA!'
O bambu, no silencio entristecido, derramava uma lágrima de dor profunda e de desentendimento. Já não sabia mais o porque disso tudo nem o porque de seu dono lhe queria assim. O maior sofrimento do bambu era por não entender esse amor que criou, permitiu que fosse o mais lindo e vistoso e de uma hora pra outra lhe pedia a própria morte.
Qual foi sua surpresa antes de responder ao dono, o mesmo indagou:
'MAS AMADO BAMBU, MESMO DEPOIS DISSO TUDO VOU PRECISAR TIRA-TE A VIDA E NUNCA MAIS SERÁS UM BAMBU!'
Foi nesse instante que o bambu simplesmente parou e não disse uma só palavra. Silenciou. Mas seu dono continuou:
"CONTUDO, BAMBU AMADO, VOU ARRANCAR-LHE O CORAÇÃO E TUDO O QUE NELE TEM, GUARDAREI ETERNAMENTE COMIGO E NUNCA ELE ME SERÁ ROUBADO. DE TUA CASCA TIRAREI O MELHOR: TEU CORAÇÃO...TEU TESOURO...TUA VIDA...SERÁS MAIS MEU DO QUE NESSA CONDIÇÃO DE BAMBU!"
Foi aí que o pobre bambu não entendeu os motivos do dono, mas o tipo de Amor que seu dono tinho por ele. Eles se amavam, e, sustentado por esse desentendimento que compreende todas as coisas, o bambu se voltou em prantos mas com um suave e sereno e lhe disse bem baixo mas convictamente:
'EU COMPREENDO QUE ME ENTENDES. E TANTO QUE ME ROUBAS O MELHOR! SOU TEU PRISIONEIRO E FAZ DE MIM O QUE PRECISAS!'
Foi aí que o dono consumou seus desejos: Arrancou o bambu, cortou-lhe ao meio com um facão, secou-o e descaracterizou- o e já sem vida nenhuma física lhe tirou o coração e guardou-o consigo para que nunca mais fosse roubado!
E o que era um vistoso e lindo bambu se tornava dois simples pedaços de coisa ressecada .Contudo, aquele nada se tornava o veículo de água para que se levasse umidade a muitas plantações da rica fazenda e, assim o saudoso bambu que era o bem mais precioso o dono tinha, teve grande utilidade para seu dono.
Acredito que o dono também chorava nesse instante até de saudade do bambu mas tinha seu coração guardado e isso bastava ao dono!
Queridos blogueiros, respire fundo pois este conto é comovente e, tenho certeza que o coração de cada um foi sensivelmente tocado... Agora, basta ouvir os lindos sons cordiais, que verberam noutras plagas, o caminho da lenda pessoal.
Me faz pensar numa pergunta:
- Será que estou preparada para ser esse bambu?
A história desse bambu é a historia de vocação de cada um de nós. Iremos ser podados, cortados, poderá ser muito dolorido, poderá ter sofrimentos, mas nosso coração será preservado. E num lugar seguro e muito especial, o nosso coração será tocado pela Luz Divina para que realizemos aquilo que nascemos para realizar, satisfazendo a vontade de Deus. E por esta razão devemos silenciar o coração para ouví-lo com amor. E humildemente dizer "SIM".
Publicado no Blog Sem Fronteiras
Paz Profunda
"Pensamento do dia 08 de junho"
Postado por Kamadon
Complexidade do ser humano
"O ser humano não se limita ao seu corpo físico: graças aos seus corpos
sutis, ele está ligado a todo o cosmos. Ele vive e vibra com a Alma
Universal, com todas as gerações do passado mais longínquo, está em contato
com o mundo das ideias, dos arquétipos, das leis, das forças e das verdades,
e esse mundo pode se refletir nele sob a forma de imagens, de símbolos.
Quando vocês meditam sobre uma verdade muito elevada que pertence ao plano
causal, ela pode provocar uma reação nas profundezas do seu ser, e nesse
ponto uma forma surge na sua consciência: a de um ser, de um objeto ou de
uma figura geométrica. É desse modo que se explicam os sonhos premonitórios
e as visões proféticas. Se coubesse a vocês encontrar a correspondência
exata, não seriam capazes disso, pois existem milhares de formas simbólicas.
Só a Natureza conhece a afinidade entre as coisas, e apresenta à sua mente
uma imagem que corresponde absolutamente ao assunto sobre o qual estão
concentrados."
Complexidade do ser humano
"O ser humano não se limita ao seu corpo físico: graças aos seus corpos
sutis, ele está ligado a todo o cosmos. Ele vive e vibra com a Alma
Universal, com todas as gerações do passado mais longínquo, está em contato
com o mundo das ideias, dos arquétipos, das leis, das forças e das verdades,
e esse mundo pode se refletir nele sob a forma de imagens, de símbolos.
Quando vocês meditam sobre uma verdade muito elevada que pertence ao plano
causal, ela pode provocar uma reação nas profundezas do seu ser, e nesse
ponto uma forma surge na sua consciência: a de um ser, de um objeto ou de
uma figura geométrica. É desse modo que se explicam os sonhos premonitórios
e as visões proféticas. Se coubesse a vocês encontrar a correspondência
exata, não seriam capazes disso, pois existem milhares de formas simbólicas.
Só a Natureza conhece a afinidade entre as coisas, e apresenta à sua mente
uma imagem que corresponde absolutamente ao assunto sobre o qual estão
concentrados."
"O que a China deve fazer ante o avanço da esquerda "
Postado por Attman e Kamadon
Por Zhang Jiazhe, no Diario do Povo on line
Desde o fim do século passado até a data atual, 12 partidos de esquerda da América Latina venceram as eleições e assumiram o poder. Esta conjuntura tem sido uma fonte de alegria para muito chineses, que viram, na chegada da esquerda nesta região geográfica, o último prego no caixão do "Consenso de Washington" e do neoliberalismo, após ambos terem sido condenados pelos povos latino-americanos em meio ao recente fervor esquerdista.
No entanto, nos últimos anos, não faltaram países latino-americanos governados pela esquerda que têm levantado a bandeira do garrote "anti-dumping" contra a China, disferindo duros golpes às exportações do país asiático até esta zona. Isso ocorreu inclusive naquelas nações que reconheceram a condição da China como uma economia de mercado.
Por outro lado, esses países continuam a manter relações estreitas com os Estados Unidos, cujas posições no tema dos direitos humanos têm sido respaldadas através de voto nas instâncias internacionais. Alguns mantiveram preços elevados para a aquisição de minério de ferro. Ante esta situação, os chineses ficamos perplexos, imaginando o que acontece com esses países.
Tendo em conta os altos e baixos que América Latina tem sofrido durante um período razoavelmente longo de sua história, parece razoável concluir que a atual emergência da esquerda naquela área nada mais é que uma nova oscilação no pêndulo do relógio histórico até a esquerda, e que as muitas variações que têm caracterizado este pêndulo são circusntanciais à área, em sua transição de regimes ditatoriais aos democráticos; das juntas militares às administrações civis; dos períodos de privatizações às campanhas de nacionalização; do protecionismo à abertura; dos governos de esquerda aos de direita; ou do "socialismo" (ao estilo latino-americano) ao capitalismo.
Nos 200 anos transcorridos desde que a maioria destes países declararam a sua independência da Espanha e Portugal, a região se viu oscilando entre extremos. É por isso que não é aconselhável alimentar muitas esperanças pelo atual rumo dos acontecimentos, nem colocar muito alta a barra das expectativas. Naturalmente, a China deve aproveitar a oportunidade em tudo o que lhe for conveniente.
Entre os 12 países sob a liderança da esquerda, há um grupo que pode ser considerado "radical" (Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua, em certa medida, que formaram uma "aliança contra os EUA") e outro de "moderados". Estes últimos não têm diferenças essenciais com os não-esquerdistas, pois tendem mais para o nacionalismo e o populismo com peculiaridades latino-americanas, e inclusive evidenciam certas posturas do socialismo cristão. A esses países se deve render um tratamento igual ao dado aos não-esquerdistas, partindo de iguais princípios diplomáticos e leis econômicas. Não há necessidade de diferenciá-los atendendo a suas tons ideológicos.
O autor deste artigo acredita que se pode persistir no princípio de "separar a política da economia", ao tratar com os países de esquerda "radicais". No terreno econômico, a China pode desenvolver os intercâmbios econômicos e comerciais sobre a base da igualdade e o benefício mútuo com estes países. Inclusive se pode passar por alto a habitual ojeriza estadunidense quando nota que outros fomentam atividades econômicas nos países da zona. Não se deve esquecer que, no passado, os EUA recorreram a táticas semelhantes para competir primeiro e, depois, expulsar do jogo uma Europa empobrecida.
Ao abordar os problemas políticos (incluindo o tema militar), a China deve começar a levar em conta suas relações com os EUA e suas ligações com a América Latina, ou seja, não porque prejudicar uns e desafiar outros. Na hora de desenhar sua diplomacia para a América Latina, a premissa da China deve, em todos os momentos, pensar com a cabeça fria.
Por Zhang Jiazhe, no Diario do Povo on line
Desde o fim do século passado até a data atual, 12 partidos de esquerda da América Latina venceram as eleições e assumiram o poder. Esta conjuntura tem sido uma fonte de alegria para muito chineses, que viram, na chegada da esquerda nesta região geográfica, o último prego no caixão do "Consenso de Washington" e do neoliberalismo, após ambos terem sido condenados pelos povos latino-americanos em meio ao recente fervor esquerdista.
No entanto, nos últimos anos, não faltaram países latino-americanos governados pela esquerda que têm levantado a bandeira do garrote "anti-dumping" contra a China, disferindo duros golpes às exportações do país asiático até esta zona. Isso ocorreu inclusive naquelas nações que reconheceram a condição da China como uma economia de mercado.
Por outro lado, esses países continuam a manter relações estreitas com os Estados Unidos, cujas posições no tema dos direitos humanos têm sido respaldadas através de voto nas instâncias internacionais. Alguns mantiveram preços elevados para a aquisição de minério de ferro. Ante esta situação, os chineses ficamos perplexos, imaginando o que acontece com esses países.
Tendo em conta os altos e baixos que América Latina tem sofrido durante um período razoavelmente longo de sua história, parece razoável concluir que a atual emergência da esquerda naquela área nada mais é que uma nova oscilação no pêndulo do relógio histórico até a esquerda, e que as muitas variações que têm caracterizado este pêndulo são circusntanciais à área, em sua transição de regimes ditatoriais aos democráticos; das juntas militares às administrações civis; dos períodos de privatizações às campanhas de nacionalização; do protecionismo à abertura; dos governos de esquerda aos de direita; ou do "socialismo" (ao estilo latino-americano) ao capitalismo.
Nos 200 anos transcorridos desde que a maioria destes países declararam a sua independência da Espanha e Portugal, a região se viu oscilando entre extremos. É por isso que não é aconselhável alimentar muitas esperanças pelo atual rumo dos acontecimentos, nem colocar muito alta a barra das expectativas. Naturalmente, a China deve aproveitar a oportunidade em tudo o que lhe for conveniente.
Entre os 12 países sob a liderança da esquerda, há um grupo que pode ser considerado "radical" (Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua, em certa medida, que formaram uma "aliança contra os EUA") e outro de "moderados". Estes últimos não têm diferenças essenciais com os não-esquerdistas, pois tendem mais para o nacionalismo e o populismo com peculiaridades latino-americanas, e inclusive evidenciam certas posturas do socialismo cristão. A esses países se deve render um tratamento igual ao dado aos não-esquerdistas, partindo de iguais princípios diplomáticos e leis econômicas. Não há necessidade de diferenciá-los atendendo a suas tons ideológicos.
O autor deste artigo acredita que se pode persistir no princípio de "separar a política da economia", ao tratar com os países de esquerda "radicais". No terreno econômico, a China pode desenvolver os intercâmbios econômicos e comerciais sobre a base da igualdade e o benefício mútuo com estes países. Inclusive se pode passar por alto a habitual ojeriza estadunidense quando nota que outros fomentam atividades econômicas nos países da zona. Não se deve esquecer que, no passado, os EUA recorreram a táticas semelhantes para competir primeiro e, depois, expulsar do jogo uma Europa empobrecida.
Ao abordar os problemas políticos (incluindo o tema militar), a China deve começar a levar em conta suas relações com os EUA e suas ligações com a América Latina, ou seja, não porque prejudicar uns e desafiar outros. Na hora de desenhar sua diplomacia para a América Latina, a premissa da China deve, em todos os momentos, pensar com a cabeça fria.
"É outubro em Pequim: o primeiro aniversário da Revolução Chinesa"
Postado por Attman e Kamadon
Mencius, discípulo de Confúcio e que nasceu no ano 390 antes da nossa era, escreveu: "Em primeiro lugar, está o povo; em seguida, o país. O rei é o de menos...". Pois ali estávamos nós — 72 delegações de convidados vindos de todas as partes do mundo — para vermos passar, no 1º de outubro de 1960, o grande desfile comemorativo do 11º aniversário da República Popular da Nova China.
Por Lygia Fagundes Telles, na Folha de S.Paulo
A manhã é azul. Bandeiras vermelhas com as cinco estrelas estão desfraldadas ao vento.
Estandartes também vermelhos, com os caracteres chineses, em dourado desdobram-se nos pontos mais altos da vasta praça do Povo, defronte da famosa Porta da Paz Celestial e onde estão os balcões dos convidados.
Entre o Museu Nacional e a Assembleia, defronte de nós, gigantescos retratos de Karl Marx, Friedrich Engels, Lênin e Mao Tse-tung.
É belo de se ver a variedade incrível dos trajes dos representantes de cada país; os altos africanos, com ares assim de reis negros, ostentam túnicas e adornos singulares, contrastando na sua simplicidade com os trajes asiáticos e que em geral são suntuosos, cheios de pedrarias e dourados e tudo isso de mistura com os trajes chineses — as discretas fardas de brim azul-, que por sua vez contrastam com as nossas roupas europeias. Ouvem-se em redor as mais variadas línguas. O quadro é de um colorido vivo e raro.
Uma chinesinha debruça-se num balcão ao meu lado. Observo-a. E concluo, nesse instante, que sem dúvida alguma os chineses são bonitos, assim altos e esguios. Têm a gesticulação elegante. Pernas longas. E grandes olhos seguindo aquela linha oblíqua.
Volto minha máquina fotográfica na direção da jovem. Ela inclina a cabeça para o lado, segura delicadamente a ponta da trancinha negra e sorri um tímido sorriso fresco e claro como a manhã outonal. Diz-me, em seguida, um "merci".
Aproximo-me animada: a ponte da língua estabeleceu-se entre nós. Ocorre-me fazer-lhe perguntas simples, bem femininas. Ainda não vi nenhuma chinesa pintada, digo-lhe. Nem as jovens nem as mulheres maduras usam batom ou mesmo pó de arroz. Eis que a mulher na China abriu mão das mais elementares vaidades. Nem brincos, nem anéis, nem unhas esmaltadas...
Ela ficou séria. "O nosso povo acaba de sair de uma fase terrível e que durou dezenas e dezenas de anos", respondeu-me ela. "Não podemos nos preocupar com ninharias quando ainda há coisas tão importantes a serem cuidadas. Principalmente nós, as mulheres, nunca tivemos sequer o essencial. Então não podemos agora nos dar ao luxo de pensar no acessório, no supérfluo. Temos que trabalhar. O resto fica para depois."
Não pude deixar de sorrir. Ah! Como a jovem era parecida com o Mister Wang, nosso intérprete, de topetinho no cocuruto e fronte pensativa, a expressão tão carregada de responsabilidades! Como eram graves e compenetrados os jovens da China! Lembrei-me de uma peruana ou colombiana, que após algumas semanas de permanência em Pequim, teria se queixado certa noite ao nosso teatrólogo Guilherme Figueiredo: "Sí, sí, todo es muy bueno... ¡Pero, caramba! ¡Es preciso un poco de corrupción!...".
Desatei a rir enquanto a chinesinha, sem saber por que, riu também. Tive então vontade de dizer-lhe que aprimorar a beleza do rosto era também uma causa importante. Mas pensei: para quê? Afinal, ela era tão bonita assim mesmo com a carinha lavada, singela! Pensei nas nossas brasileirinhas adolescentes e já com os olhos bistrados.
Eis aí uma jovem, edição chinesa da nossa "Inocência", de Taunay. Ela quis saber quem era "Inocência" e expliquei-lhe então que era a heroína de um romance e que nunca houve na nossa literatura uma personagem mais doce, mais delicada, mais pura.
Sons festivos de uma marcha romperam dos alto-falantes. Palmas, vivas da multidão acenando bandeirinhas: o presidente Mao Tse-tung acabara de aparecer no palanque oficial.
Começou o desfile, um desfile sem militares, sem soldados ou armas, mas apenas com colegiais e jovens, dezenas e dezenas de jovens levando bandeiras, arcos floridos, lanternas, balões, estandartes. Enfim, um mar de flores e sedas vindo em ondas a transbordar na praça.
Jamais meus olhos viram desfile igual, verdadeira demonstração do mais alto senso estético de um povo que há cinco mil anos cultiva a beleza.
Mencius, discípulo de Confúcio e que nasceu no ano 390 antes da nossa era, escreveu: "Em primeiro lugar, está o povo; em seguida, o país. O rei é o de menos...". Pois ali estávamos nós — 72 delegações de convidados vindos de todas as partes do mundo — para vermos passar, no 1º de outubro de 1960, o grande desfile comemorativo do 11º aniversário da República Popular da Nova China.
Por Lygia Fagundes Telles, na Folha de S.Paulo
A manhã é azul. Bandeiras vermelhas com as cinco estrelas estão desfraldadas ao vento.
Estandartes também vermelhos, com os caracteres chineses, em dourado desdobram-se nos pontos mais altos da vasta praça do Povo, defronte da famosa Porta da Paz Celestial e onde estão os balcões dos convidados.
Entre o Museu Nacional e a Assembleia, defronte de nós, gigantescos retratos de Karl Marx, Friedrich Engels, Lênin e Mao Tse-tung.
É belo de se ver a variedade incrível dos trajes dos representantes de cada país; os altos africanos, com ares assim de reis negros, ostentam túnicas e adornos singulares, contrastando na sua simplicidade com os trajes asiáticos e que em geral são suntuosos, cheios de pedrarias e dourados e tudo isso de mistura com os trajes chineses — as discretas fardas de brim azul-, que por sua vez contrastam com as nossas roupas europeias. Ouvem-se em redor as mais variadas línguas. O quadro é de um colorido vivo e raro.
Uma chinesinha debruça-se num balcão ao meu lado. Observo-a. E concluo, nesse instante, que sem dúvida alguma os chineses são bonitos, assim altos e esguios. Têm a gesticulação elegante. Pernas longas. E grandes olhos seguindo aquela linha oblíqua.
Volto minha máquina fotográfica na direção da jovem. Ela inclina a cabeça para o lado, segura delicadamente a ponta da trancinha negra e sorri um tímido sorriso fresco e claro como a manhã outonal. Diz-me, em seguida, um "merci".
Aproximo-me animada: a ponte da língua estabeleceu-se entre nós. Ocorre-me fazer-lhe perguntas simples, bem femininas. Ainda não vi nenhuma chinesa pintada, digo-lhe. Nem as jovens nem as mulheres maduras usam batom ou mesmo pó de arroz. Eis que a mulher na China abriu mão das mais elementares vaidades. Nem brincos, nem anéis, nem unhas esmaltadas...
Ela ficou séria. "O nosso povo acaba de sair de uma fase terrível e que durou dezenas e dezenas de anos", respondeu-me ela. "Não podemos nos preocupar com ninharias quando ainda há coisas tão importantes a serem cuidadas. Principalmente nós, as mulheres, nunca tivemos sequer o essencial. Então não podemos agora nos dar ao luxo de pensar no acessório, no supérfluo. Temos que trabalhar. O resto fica para depois."
Não pude deixar de sorrir. Ah! Como a jovem era parecida com o Mister Wang, nosso intérprete, de topetinho no cocuruto e fronte pensativa, a expressão tão carregada de responsabilidades! Como eram graves e compenetrados os jovens da China! Lembrei-me de uma peruana ou colombiana, que após algumas semanas de permanência em Pequim, teria se queixado certa noite ao nosso teatrólogo Guilherme Figueiredo: "Sí, sí, todo es muy bueno... ¡Pero, caramba! ¡Es preciso un poco de corrupción!...".
Desatei a rir enquanto a chinesinha, sem saber por que, riu também. Tive então vontade de dizer-lhe que aprimorar a beleza do rosto era também uma causa importante. Mas pensei: para quê? Afinal, ela era tão bonita assim mesmo com a carinha lavada, singela! Pensei nas nossas brasileirinhas adolescentes e já com os olhos bistrados.
Eis aí uma jovem, edição chinesa da nossa "Inocência", de Taunay. Ela quis saber quem era "Inocência" e expliquei-lhe então que era a heroína de um romance e que nunca houve na nossa literatura uma personagem mais doce, mais delicada, mais pura.
Sons festivos de uma marcha romperam dos alto-falantes. Palmas, vivas da multidão acenando bandeirinhas: o presidente Mao Tse-tung acabara de aparecer no palanque oficial.
Começou o desfile, um desfile sem militares, sem soldados ou armas, mas apenas com colegiais e jovens, dezenas e dezenas de jovens levando bandeiras, arcos floridos, lanternas, balões, estandartes. Enfim, um mar de flores e sedas vindo em ondas a transbordar na praça.
Jamais meus olhos viram desfile igual, verdadeira demonstração do mais alto senso estético de um povo que há cinco mil anos cultiva a beleza.
"Europeus, uni-vos! A luta de classes volta á Europa"
Postado por Attman e Kamadon
Boaventura de Souza Santos
A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os atores sociais estão perplexos e paralisados. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital ou o futuro é o fascismo. O artigo é de Boaventura de Sousa Santos
Boaventura de Sousa Santos
Os dados estão lançados, o jogo é claro e quanto mais tarde identificarmos as novas regras mais elevado será o custo para os cidadãos europeus. A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os atores sociais estão perplexos e paralisados. Enquanto prática política, a luta de classes entre o trabalho e o capital nasceu na Europa e, depois de muitos anos de confrontação violenta, foi na Europa que ela foi travada com mais equilíbrio e onde deu frutos mais auspiciosos.
Os adversários verificaram que a institucionalização da luta seria mutuamente vantajosa: o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista. Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de proteção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de
futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.
Todo este sistema está à beira do colapso e os resultados são imprevisíveis. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra: o acúmulo histórico das lutas sociais, de tantas e tão laboriosas negociações e de equilíbrios tão duramente obtidos, é lançado por terra com inaudita arrogância e a
Espanha é mandada recuar décadas na sua história: reduzir drasticamente os salários, destruir o sistema de pensões, eliminar direitos trabalhistas (facilitar demissões, reduzir indenizações). A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul.
A Europa está sendo vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da
devastação social. O senso comum neoliberal diz-nos que a culpa é da crise, que vivemos acima das nossas posses e que não há dinheiro para tanto bem-estar. Mas qualquer cidadão comum entende isto: se a FAO calcula que 30 bilhões de dólares seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo e os governos insistem em dizer que não há
dinheiro para isso, como se explica que, de repente, tenham surgido 900 bilhões para salvar o sistema financeiro europeu?
A luta de classes está voltando sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho. O que fazer? Haverá resistência mas esta, para ser eficaz, tem de ter em conta dois fatos novos. Primeiro, a fragmentação do trabalho e a sociedade de consumo ditaram a crise dos sindicatos. Nunca os que trabalham trabalharam tanto e nunca lhes foi tão difícil identificarem-se como trabalhadores. A resistência terá nos sindicatos um pilar mas ele
será bem frágil se a luta não for partilhada em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia. A crise atinge todos porque todos são trabalhadores.
Segundo, não há economias nacionais na Europa e, por isso, a resistência ou é europeia ou não existe. As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital financeiro ou o futuro é o fascismo e terá que ser combatido por todos os meios.
Boaventura de Souza Santos
A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os atores sociais estão perplexos e paralisados. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital ou o futuro é o fascismo. O artigo é de Boaventura de Sousa Santos
Boaventura de Sousa Santos
Os dados estão lançados, o jogo é claro e quanto mais tarde identificarmos as novas regras mais elevado será o custo para os cidadãos europeus. A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os atores sociais estão perplexos e paralisados. Enquanto prática política, a luta de classes entre o trabalho e o capital nasceu na Europa e, depois de muitos anos de confrontação violenta, foi na Europa que ela foi travada com mais equilíbrio e onde deu frutos mais auspiciosos.
Os adversários verificaram que a institucionalização da luta seria mutuamente vantajosa: o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista. Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de proteção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de
futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.
Todo este sistema está à beira do colapso e os resultados são imprevisíveis. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra: o acúmulo histórico das lutas sociais, de tantas e tão laboriosas negociações e de equilíbrios tão duramente obtidos, é lançado por terra com inaudita arrogância e a
Espanha é mandada recuar décadas na sua história: reduzir drasticamente os salários, destruir o sistema de pensões, eliminar direitos trabalhistas (facilitar demissões, reduzir indenizações). A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul.
A Europa está sendo vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da
devastação social. O senso comum neoliberal diz-nos que a culpa é da crise, que vivemos acima das nossas posses e que não há dinheiro para tanto bem-estar. Mas qualquer cidadão comum entende isto: se a FAO calcula que 30 bilhões de dólares seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo e os governos insistem em dizer que não há
dinheiro para isso, como se explica que, de repente, tenham surgido 900 bilhões para salvar o sistema financeiro europeu?
A luta de classes está voltando sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho. O que fazer? Haverá resistência mas esta, para ser eficaz, tem de ter em conta dois fatos novos. Primeiro, a fragmentação do trabalho e a sociedade de consumo ditaram a crise dos sindicatos. Nunca os que trabalham trabalharam tanto e nunca lhes foi tão difícil identificarem-se como trabalhadores. A resistência terá nos sindicatos um pilar mas ele
será bem frágil se a luta não for partilhada em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia. A crise atinge todos porque todos são trabalhadores.
Segundo, não há economias nacionais na Europa e, por isso, a resistência ou é europeia ou não existe. As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital financeiro ou o futuro é o fascismo e terá que ser combatido por todos os meios.
"Espiritualidade de Prosperidade"
Postado por Attman e Kamadon
J. B. Libanio *
Os sistemas políticos e econômicos não vivem só de ideologia e dinheiro. Política e economia satisfazem as necessidades básicas do ser humano. Mas deixam em descoberto seu lado espiritual, religioso. Por isso, todo sistema econômico cria sua espiritualidade ou encampa algo já existente, imprimindo-lhe sua marca.
Os ideais socialistas casavam muito bem com a teologia da libertação, assim como com a luta das comunidades eclesiais de base nas suas reivindicações fundamentais. Sem transformar-se em ideologia socialista, a espiritualidade da libertação alimentava e alimenta até hoje as pessoas que se envolvem com as práticas transformadoras da realidade na linha da emancipação e promoção dos pobres.
E agora, que espiritualidade está a responder ao triunfo do neoliberalismo? Onde ele busca apoio espiritual para preencher o vazio que o puro consumismo e o materialismo deixam atrás de si?
Muitas igrejas pentecostais e neopentecostais têm elaborado a espiritualidade da prosperidade e com isso mantido as pessoas nas redes do neoliberalismo, respaldadas por uma visão religiosa da realidade. Em que consiste tal espiritualidade?
Na base está o individualismo neoliberal com sua concepção de concorrência e competição de modo que vencem os mais fortes, os mais sabidos, os mais "vivos". Daí resulta o progresso. Pior para quem fica fora dele. Dito desta maneira rude poderia doer aos ouvidos cristãos. Aí entra uma pitada de espiritualidade que tudo tempera.
Deus quer a felicidade, a riqueza, os bens materiais, a felicidade, a saúde, aqui e agora, para seus filhos. Quem são eles se não os cristãos? Pensar de maneira diferente é cair na alienação tradicional. Esta prometia os bens somente para a vida eterna que se obtinha com os sofrimentos aqui na terra.
Cristo já sofreu no nosso lugar. Agora vem-nos a bênção de Deus. Somos "filhos do Rei". Se vamos para o céu, por que não antecipar um pouco dele nesta vida?
E os pobres? Sempre os haverá entre nós, como diz o Senhor. Eles são os perdidos. São preguiçosos, viciados, idólatras. Se vão mesmo para o inferno, por que não ensaiar um pouco aqui na terra? "O Terceiro Mundo é pobre porque idólatra", pregava Luiz Palau, evangelista argentino, americano naturalizado. Dois irmãos nordestinos sentenciavam, em São Paulo, que a culpa da pobreza do Nordeste é a devoção idólatra ao Padre Cícero.
Se os cristãos não ficarem ricos, isto é falta de fé. Vem de algum pecado oculto. Confessando-os, conhecerão a prosperidade. Mas se mesmo assim, não ficarem ricos, então a culpa é de algum antepassado.
Nessa espiritualidade, não há lugar para a solidariedade nem para a opção pelos pobres. É estritamente individualista. É uma espiritualidade dos resultados. Os ricos já estão abençoados. Encontram nela paz interior, uma vez que já possuem os bens materiais. Os pobres devem buscá-la para si e seus familiares, recorrendo a ritos religiosos, como o de abençoar ou ungir de óleo santo as carteiras profissionais.
Para a Igreja Universal do Reino de Deus a vida espiritual é uma transação financeira com o céu. Quanto maior a oferta, tanto maior a bênção. A espiritualidade da prosperidade é o coração dessa Igreja. Ela incentiva mais que ter carteira assinada é a criação de microempresas. Um bispo seu, trafegando em luxuoso carro do ano, dizia: "Eu ensino a prosperidade e vivo a prosperidade".
Apela-se então para um "poder" nas palavras o qual libera "energias positivas" e combate o baixo astral com efeito sobre as coisas, doenças. A realização dessa espiritualidade é "vida longa e próspera".
Outra expressão é a idéia de que Deus não fez seu povo para ser "cauda" do mundo, mas sua "cabeça". Incentivam-se os cristãos a ambicionar postos de mando na Terra. Aos "perdidos" cabe impor obediência e evitar que façam males maiores.
A participação na política não visa a uma transformação social, mas a travar a luta do bem contra o mal, sem lugar para o pluralismo. O bem se identifica com os ideais e interesses da própria igreja e de seus dirigentes. Volta-se à velha idéia da batalha espiritual que transforma em inimigo tudo com o que essa espiritualidade não concorda. Divide o mundo em dois campos: o lado de Deus (o lado da igreja) e o lado do mal, do demônio: todas as forças que divergem de sua maneira de ver a realidade.
A espiritualidade da prosperidade é uma resposta ao momento atual. Corresponde muito bem ao clima dominante da cultura pós-moderna a serviço do neoliberalismo. Daí sua sedução. Oferece o caminho rápido do sucesso sem passar pelo trabalho, pela renúncia, pelo esforço. O êxito econômico se faz até mesmo por vias suspeitas. Ele é sinal da bênção de Deus. A riqueza é vista no seu valor em si mesmo, sem nenhuma responsabilidade social. Muito distante da doutrina social da Igreja que defende a hipoteca social sobre toda posse. Os bens materiais são vistos como privilégio e bênção para alguns escolhidos de Deus e não destinados a todos. Produz-se uma identificação rápida entre a bênção de Deus e os bens materiais dos ricos.
Atém-se a uma interpretação literal e unilateral do Antigo Testamento. Esquece-se de que Jesus veio dar-lhe o verdadeiro sentido. Não se tem a mínima sensibilidade pela dimensão social nem pelo amor predileto de Deus pelo pobre. Os verdadeiros bens para o cristão encontram-se retratados por Jesus no sermão da montanha e na sua vida.
Jesus proclama bem-aventurados os pobres e não aqueles que nadam em riqueza e a ambicionam para si. Jesus invectiva aquele rico que só pensava em armazenar ainda mais seus bens. "Insensato! Esta noite mesmo a tua vida ser-te-á reclamada e o que tu preparaste, quem é o que o terá?" E conclui com um dito lapidar: "Eis o que acontece a quem reúne um tesouro para si mesmo, em vez de enriquecer junto a Deus" (Lc 12, 16-21)
Como se vê, é exatamente o oposto da espiritualidade da prosperidade que só pensa em entesourar para si e quanto mais, melhor. Esquece da condição mortal.
Mais ainda. Jesus refere-se diretamente à fragilidade dos bens terrestres que as traças e os vermes corroem; que os ladrões roubam. Conclui: "acumulai para vós tesouros no céu, onde nem as traças nem os vermes causam estragos, onde os ladrões não arrombam nem roubam". E termina com um dito de sabedoria: "onde está o teu tesouro, aí também estará o teu coração" (Mt 6, 19-21).
O ensinamento de Jesus sobre o seguimento situa-se em posição diametralmente oposta à espiritualidade da prosperidade. Na base está o desprendimento e não a acumulação. "Qualquer um de nós que não renuncia a tudo o que lhe pertence não pode ser meu discípulo" (Lc 14, 33).
Precisa ser de uma absoluta cegueira a respeito do evangelho de Jesus para propor uma espiritualidade da prosperidade como expressão do projeto de Deus. Este se manifestou em sua plenitude na pregação e pessoa de Jesus. As passagens do Antigo Testamento, que parecem identificar a bênção de Deus com a abundância dos bens, revelam um aspecto de seu projeto criador. Os bens criados estão destinados a todos os seres humanos e não a serem privilégio de alguns que se engolfam neles enquanto outros carecem de tudo. O Novo Testamento avança. Relativiza os bens materiais na perspectiva do irmão, do serviço aos outros, da própria missão.
A espiritualidade da prosperidade inverte o sentido cristão. É materialista, pagã. Nada cristã. Não se opondo ao canto de sereia do neoliberalismo, capitula. É a espiritualidade que justifica a injustiça social, tranqüilizando a consciência com tintura religiosa. Camufla a verdade da injustiça social, transferindo para Deus - bênção e maldição - a diferença social entre os humanos, fruto do sistema econômico, ao menos, na forma atual.
[www.jblibanio.com.br (site organizado pelo grupo de amigos e admiradores de JB Libanio. Confira desse autor o livro: Qual o futuro do Cristianismo? São Paulo, Paulus, 2006; 2ª. Ed. 2008)].
* Padre jesuíta, escritor e teólogo. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, e é vice-pároco em Vespasiano
J. B. Libanio *
Os sistemas políticos e econômicos não vivem só de ideologia e dinheiro. Política e economia satisfazem as necessidades básicas do ser humano. Mas deixam em descoberto seu lado espiritual, religioso. Por isso, todo sistema econômico cria sua espiritualidade ou encampa algo já existente, imprimindo-lhe sua marca.
Os ideais socialistas casavam muito bem com a teologia da libertação, assim como com a luta das comunidades eclesiais de base nas suas reivindicações fundamentais. Sem transformar-se em ideologia socialista, a espiritualidade da libertação alimentava e alimenta até hoje as pessoas que se envolvem com as práticas transformadoras da realidade na linha da emancipação e promoção dos pobres.
E agora, que espiritualidade está a responder ao triunfo do neoliberalismo? Onde ele busca apoio espiritual para preencher o vazio que o puro consumismo e o materialismo deixam atrás de si?
Muitas igrejas pentecostais e neopentecostais têm elaborado a espiritualidade da prosperidade e com isso mantido as pessoas nas redes do neoliberalismo, respaldadas por uma visão religiosa da realidade. Em que consiste tal espiritualidade?
Na base está o individualismo neoliberal com sua concepção de concorrência e competição de modo que vencem os mais fortes, os mais sabidos, os mais "vivos". Daí resulta o progresso. Pior para quem fica fora dele. Dito desta maneira rude poderia doer aos ouvidos cristãos. Aí entra uma pitada de espiritualidade que tudo tempera.
Deus quer a felicidade, a riqueza, os bens materiais, a felicidade, a saúde, aqui e agora, para seus filhos. Quem são eles se não os cristãos? Pensar de maneira diferente é cair na alienação tradicional. Esta prometia os bens somente para a vida eterna que se obtinha com os sofrimentos aqui na terra.
Cristo já sofreu no nosso lugar. Agora vem-nos a bênção de Deus. Somos "filhos do Rei". Se vamos para o céu, por que não antecipar um pouco dele nesta vida?
E os pobres? Sempre os haverá entre nós, como diz o Senhor. Eles são os perdidos. São preguiçosos, viciados, idólatras. Se vão mesmo para o inferno, por que não ensaiar um pouco aqui na terra? "O Terceiro Mundo é pobre porque idólatra", pregava Luiz Palau, evangelista argentino, americano naturalizado. Dois irmãos nordestinos sentenciavam, em São Paulo, que a culpa da pobreza do Nordeste é a devoção idólatra ao Padre Cícero.
Se os cristãos não ficarem ricos, isto é falta de fé. Vem de algum pecado oculto. Confessando-os, conhecerão a prosperidade. Mas se mesmo assim, não ficarem ricos, então a culpa é de algum antepassado.
Nessa espiritualidade, não há lugar para a solidariedade nem para a opção pelos pobres. É estritamente individualista. É uma espiritualidade dos resultados. Os ricos já estão abençoados. Encontram nela paz interior, uma vez que já possuem os bens materiais. Os pobres devem buscá-la para si e seus familiares, recorrendo a ritos religiosos, como o de abençoar ou ungir de óleo santo as carteiras profissionais.
Para a Igreja Universal do Reino de Deus a vida espiritual é uma transação financeira com o céu. Quanto maior a oferta, tanto maior a bênção. A espiritualidade da prosperidade é o coração dessa Igreja. Ela incentiva mais que ter carteira assinada é a criação de microempresas. Um bispo seu, trafegando em luxuoso carro do ano, dizia: "Eu ensino a prosperidade e vivo a prosperidade".
Apela-se então para um "poder" nas palavras o qual libera "energias positivas" e combate o baixo astral com efeito sobre as coisas, doenças. A realização dessa espiritualidade é "vida longa e próspera".
Outra expressão é a idéia de que Deus não fez seu povo para ser "cauda" do mundo, mas sua "cabeça". Incentivam-se os cristãos a ambicionar postos de mando na Terra. Aos "perdidos" cabe impor obediência e evitar que façam males maiores.
A participação na política não visa a uma transformação social, mas a travar a luta do bem contra o mal, sem lugar para o pluralismo. O bem se identifica com os ideais e interesses da própria igreja e de seus dirigentes. Volta-se à velha idéia da batalha espiritual que transforma em inimigo tudo com o que essa espiritualidade não concorda. Divide o mundo em dois campos: o lado de Deus (o lado da igreja) e o lado do mal, do demônio: todas as forças que divergem de sua maneira de ver a realidade.
A espiritualidade da prosperidade é uma resposta ao momento atual. Corresponde muito bem ao clima dominante da cultura pós-moderna a serviço do neoliberalismo. Daí sua sedução. Oferece o caminho rápido do sucesso sem passar pelo trabalho, pela renúncia, pelo esforço. O êxito econômico se faz até mesmo por vias suspeitas. Ele é sinal da bênção de Deus. A riqueza é vista no seu valor em si mesmo, sem nenhuma responsabilidade social. Muito distante da doutrina social da Igreja que defende a hipoteca social sobre toda posse. Os bens materiais são vistos como privilégio e bênção para alguns escolhidos de Deus e não destinados a todos. Produz-se uma identificação rápida entre a bênção de Deus e os bens materiais dos ricos.
Atém-se a uma interpretação literal e unilateral do Antigo Testamento. Esquece-se de que Jesus veio dar-lhe o verdadeiro sentido. Não se tem a mínima sensibilidade pela dimensão social nem pelo amor predileto de Deus pelo pobre. Os verdadeiros bens para o cristão encontram-se retratados por Jesus no sermão da montanha e na sua vida.
Jesus proclama bem-aventurados os pobres e não aqueles que nadam em riqueza e a ambicionam para si. Jesus invectiva aquele rico que só pensava em armazenar ainda mais seus bens. "Insensato! Esta noite mesmo a tua vida ser-te-á reclamada e o que tu preparaste, quem é o que o terá?" E conclui com um dito lapidar: "Eis o que acontece a quem reúne um tesouro para si mesmo, em vez de enriquecer junto a Deus" (Lc 12, 16-21)
Como se vê, é exatamente o oposto da espiritualidade da prosperidade que só pensa em entesourar para si e quanto mais, melhor. Esquece da condição mortal.
Mais ainda. Jesus refere-se diretamente à fragilidade dos bens terrestres que as traças e os vermes corroem; que os ladrões roubam. Conclui: "acumulai para vós tesouros no céu, onde nem as traças nem os vermes causam estragos, onde os ladrões não arrombam nem roubam". E termina com um dito de sabedoria: "onde está o teu tesouro, aí também estará o teu coração" (Mt 6, 19-21).
O ensinamento de Jesus sobre o seguimento situa-se em posição diametralmente oposta à espiritualidade da prosperidade. Na base está o desprendimento e não a acumulação. "Qualquer um de nós que não renuncia a tudo o que lhe pertence não pode ser meu discípulo" (Lc 14, 33).
Precisa ser de uma absoluta cegueira a respeito do evangelho de Jesus para propor uma espiritualidade da prosperidade como expressão do projeto de Deus. Este se manifestou em sua plenitude na pregação e pessoa de Jesus. As passagens do Antigo Testamento, que parecem identificar a bênção de Deus com a abundância dos bens, revelam um aspecto de seu projeto criador. Os bens criados estão destinados a todos os seres humanos e não a serem privilégio de alguns que se engolfam neles enquanto outros carecem de tudo. O Novo Testamento avança. Relativiza os bens materiais na perspectiva do irmão, do serviço aos outros, da própria missão.
A espiritualidade da prosperidade inverte o sentido cristão. É materialista, pagã. Nada cristã. Não se opondo ao canto de sereia do neoliberalismo, capitula. É a espiritualidade que justifica a injustiça social, tranqüilizando a consciência com tintura religiosa. Camufla a verdade da injustiça social, transferindo para Deus - bênção e maldição - a diferença social entre os humanos, fruto do sistema econômico, ao menos, na forma atual.
[www.jblibanio.com.br (site organizado pelo grupo de amigos e admiradores de JB Libanio. Confira desse autor o livro: Qual o futuro do Cristianismo? São Paulo, Paulus, 2006; 2ª. Ed. 2008)].
* Padre jesuíta, escritor e teólogo. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, e é vice-pároco em Vespasiano
"Algumas teses equivocadas sobre a América Latina (e o mundo)"
Postado por Attman e Kamadon
emir sader, blogueiro
1. A crise atual levou ao fim do neoliberalismo, da hegemonia norteamericana e levará ao fim do capitalismo.
- O maior equivoco desta visão é considerar que um modelo ou uma hegemonia ou um sistema social se termina sem que seja derrubado e/ou substituído por outro. Conforme o Sul do mundo ou outro bloco alternativo proponha alternativas e seja capaz de as construir. O neoliberalismo não terminou, se tempera com graus de apoio estatal.
2. Pode-se e deve-se “mudar o mundo sem tomar o poder”.
- O projeto de transformações profundas da sociedade “pela base” sem que desemboque na alteração das relações de poder não levou a nenhum processo real de transformação das sociedades latinoamericanas. Ao contrário, os movimentos sociais – como os bolivianos – que transformaram sua força social em força política, são os que protagonizam processos reais de mudança do mundo.
3. O Estado nacional se tornou um elemento conservador.
- Os governos progressistas da América Latina estão valendo-se do Estado, seja para regular a economia, para induzir o crescimento econômico, para desenvolver políticas sociais – entre outras funções -, enquanto os governo neoliberais são os que desdenham o Estado, transformam em mínimas suas funções e deixam espaço aberto para o mercado. Os processos de integração regional e de alianças no Sul do mundo também tem os Estados como protagonistas indispensáveis.
4. A política se tornou intranscendente.
Falsa afirmação. Os governos progressistas da América Latina resgataram o papel da política e do Estado. Se não tivessem feito isso, não poderiam reagir da forma como reagiram diante da crise.
5. Há milhões de “inimpregáveis” nas nossas sociedades.
- Esta afirmação, originalmente de Fernando Henrique Cardoso, tentava, buscava justificativas para os governos oligárquicos, que sempre governaram só para uma parte da sociedade,excluindo aos mais pobres, agora sob pretexto de um suposto “desemprego tecnológico”, que prescindiria de grande parte dos trabalhadores. Os governos progressistas associam retomada do desenvolvimento econômico com elevação constante do emprego formal e aumento do poder aquisitivo dos salários.
6. Os movimentos sociais devem se manter autônomos em relação à política.
- Os movimentos sociais que obedeceram a essa visão abandonaram a disputa pela construção de hegemonias alternativas, isolando-se, quando não desaparecendo da cena política, quando se passou da fase de resistência à de construção de alternativas. Enquanto que movimentos como os indígenas, na Bolivia, formaram um partido – o MAS -, disputaram e elegeram seu maior líder presidente da república. Em outros países, os movimentos sociais participam de blocos de forças dos governos progressistas, mantendo sua autonomia, mas participando diretamente da disputa pela construção de nova hegemonia política.
7. Só se sai do neoliberalismo para o socialismo.
- Houve quem afirmasse que o capitalismo tendo chegado a seu limite – seja pela mercantilização geral das sociedades, seja pela hegemonia do capital financeiro – com o modelo neoliberal, só se sairia para o socialismo. Sem levar em conta as regressões nos fatores de construção do socialismo nas ultimas décadas, não apenas o desprestigio do socialismo, do Estado, da política, das soluções coletivas, do mundo do trabalho, entre outros. As transformações introduzidas pelo neoliberalismo – entre elas, a fragmentação social, o “modo de vida norteamericano” como forma dominante de sociabilidade – representam obstáculos a ser vencidos em longa e profunda luta política e ideológica, para recolocar o socialismo na ordem do dia.
8. A alternativa aos governos do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, está à esquerda e não à direita.
- O fracasso das tentativas de construção de alternativas radicais, à esquerda desses governos, confirma que a polarização política se dá entre os governos progressistas e as forças de direita. Esta situação tem levado a que, freqüentemente, setores ideologicamente situados à esquerda desses governos, tenham – objetivamente ou mesmo conscientemente – se aliado ao bloco de direita, terminando por definir, na prática, nem sequer uma eqüidistância dos dois blocos constituídos, mas até mesmo considerando ao bloco progressista como seu inimigo fundamental.
9. Os processos de integração atuais são de natureza “capitalista”.
- Esta visão desqualifica todos os processos de integração regional, porque não se dariam mediante uma ruptura com o mercado capitalista internacional, porque representariam integrações no marco de sociedades capitalistas. Se incluiriam não apenas Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, mas também Venezuela, Bolívia, Equador. Se deixa de compreender a importância da criação de espaços de intercambio alternativos aos Tratados de Livre Comércio. Não se entende a importância da luta por um mundo multipolar, debilitando a unipolaridade imperial norteamericana. Não se entende como a Alba promove formas de intercambio alternativas ao mercado, às regras da OMC, na direção do que o FSM chama de “comércio justo”, solidário, de complementaridade e não de competição.
10. Existe uma esquerda boa e uma esquerda ruim.
- Quem prega esta posição quer dividir a esquerda, tentando cooptar seus setores mais moderados e isolar os mais radicais. A esquerda é antineoliberal e não a favor dos TLCs, privilegia as políticas sociais e não os ajustes fiscais, com os matizes que tenha cada um dos governos progressistas.
11. O período atual é de retrocessos na América Latina.
- Alguns setores, com critérios desvinculados da realidade concreta, difundem visões pessimistas e desalentadoras sobre a América Latina. Às vezes usam o critério da posição dos movimentos sociais de cada país em relação à constituição dos governos, para definir se há avanços ou não, ao invés de definir a natureza desses movimentos em função da posição que tem em relação a esses governos. Subordinam o social ao político, sem se darem conta dos extraordinários avanços do continente, ainda mais se comparados com a década anterior e com o marco internacional, profundamente marcado pelo predomínio conservador. É um pessimismo produto do isolamento social, de quem está à margem das formas concretas pelas quais avança a história no continente.
12. Em eleições como a uruguaia, a brasileira e a argentina, para a esquerda, tanto faz quem ganhe.
- Há quem diga isso, como se a vitória de Lacalle ou de Mujica representassem a mesma coisa para o Uruguai e para a América Latina, como se o retorno dos tucanos ou a vitória de Dilma tivesse o mesmo sentido, como se a substituição dos Kirchner por Duhalde, Reuteman, Cobos ou algum outro prócer da direita argentina, significasse o mesmo para o país. Consideram que se tratariam de “contradições interburguesas”, sem maior incidência, desconhecendo o alinhamento das principais forças políticas e sociais de cada um dos dois lados, mas sobretudo as posições – de aprofundamento e extensão dos processos de integração regional ou de TLCs, de prioridade das políticas sociais ou de ajuste fiscal, do papel do Estado, da atitude em relação às lutas sociais, ao monopólio da mídia privada, ao capital financeiro, entre outro temas, que diferenciam claramente os dois campos.
13. O nacionalismo latinoamericano contemporâneo é de caráter “burguês”.
- Desde que ressurgiam ideologias nacionalistas na América Latina, com Hugo Chavez, houve gente que se apressou a comparar com Perón, a desqualificar como “nacionalismo burguês” ou simplesmente de nacionalismo, que nada teria a ver com luta anticapitalista, etc. Usaram, aqui também, clichês, sem fazer analises concretas das situações concretas. O nacionalismo de governos como os da Venezuela, da Bolívia, do Equador, que recuperam para o país os recursos naturais fundamentais de que dispõem, são parte integrante da plataforma antineoliberal e anticapitalista desses países. Cada fenômeno adquire natureza distinta, conforme o contexto que está inserido, cada reivindicação, conforme o governo, assume caráter diferente. No caso do nacionalismo atual na América Latina, ele promove, além disso, processos de integração regional, tendo assim um caráter não apenas nacional, mas latinoamericanista.
Postado por Emir Sader
emir sader, blogueiro
1. A crise atual levou ao fim do neoliberalismo, da hegemonia norteamericana e levará ao fim do capitalismo.
- O maior equivoco desta visão é considerar que um modelo ou uma hegemonia ou um sistema social se termina sem que seja derrubado e/ou substituído por outro. Conforme o Sul do mundo ou outro bloco alternativo proponha alternativas e seja capaz de as construir. O neoliberalismo não terminou, se tempera com graus de apoio estatal.
2. Pode-se e deve-se “mudar o mundo sem tomar o poder”.
- O projeto de transformações profundas da sociedade “pela base” sem que desemboque na alteração das relações de poder não levou a nenhum processo real de transformação das sociedades latinoamericanas. Ao contrário, os movimentos sociais – como os bolivianos – que transformaram sua força social em força política, são os que protagonizam processos reais de mudança do mundo.
3. O Estado nacional se tornou um elemento conservador.
- Os governos progressistas da América Latina estão valendo-se do Estado, seja para regular a economia, para induzir o crescimento econômico, para desenvolver políticas sociais – entre outras funções -, enquanto os governo neoliberais são os que desdenham o Estado, transformam em mínimas suas funções e deixam espaço aberto para o mercado. Os processos de integração regional e de alianças no Sul do mundo também tem os Estados como protagonistas indispensáveis.
4. A política se tornou intranscendente.
Falsa afirmação. Os governos progressistas da América Latina resgataram o papel da política e do Estado. Se não tivessem feito isso, não poderiam reagir da forma como reagiram diante da crise.
5. Há milhões de “inimpregáveis” nas nossas sociedades.
- Esta afirmação, originalmente de Fernando Henrique Cardoso, tentava, buscava justificativas para os governos oligárquicos, que sempre governaram só para uma parte da sociedade,excluindo aos mais pobres, agora sob pretexto de um suposto “desemprego tecnológico”, que prescindiria de grande parte dos trabalhadores. Os governos progressistas associam retomada do desenvolvimento econômico com elevação constante do emprego formal e aumento do poder aquisitivo dos salários.
6. Os movimentos sociais devem se manter autônomos em relação à política.
- Os movimentos sociais que obedeceram a essa visão abandonaram a disputa pela construção de hegemonias alternativas, isolando-se, quando não desaparecendo da cena política, quando se passou da fase de resistência à de construção de alternativas. Enquanto que movimentos como os indígenas, na Bolivia, formaram um partido – o MAS -, disputaram e elegeram seu maior líder presidente da república. Em outros países, os movimentos sociais participam de blocos de forças dos governos progressistas, mantendo sua autonomia, mas participando diretamente da disputa pela construção de nova hegemonia política.
7. Só se sai do neoliberalismo para o socialismo.
- Houve quem afirmasse que o capitalismo tendo chegado a seu limite – seja pela mercantilização geral das sociedades, seja pela hegemonia do capital financeiro – com o modelo neoliberal, só se sairia para o socialismo. Sem levar em conta as regressões nos fatores de construção do socialismo nas ultimas décadas, não apenas o desprestigio do socialismo, do Estado, da política, das soluções coletivas, do mundo do trabalho, entre outros. As transformações introduzidas pelo neoliberalismo – entre elas, a fragmentação social, o “modo de vida norteamericano” como forma dominante de sociabilidade – representam obstáculos a ser vencidos em longa e profunda luta política e ideológica, para recolocar o socialismo na ordem do dia.
8. A alternativa aos governos do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, está à esquerda e não à direita.
- O fracasso das tentativas de construção de alternativas radicais, à esquerda desses governos, confirma que a polarização política se dá entre os governos progressistas e as forças de direita. Esta situação tem levado a que, freqüentemente, setores ideologicamente situados à esquerda desses governos, tenham – objetivamente ou mesmo conscientemente – se aliado ao bloco de direita, terminando por definir, na prática, nem sequer uma eqüidistância dos dois blocos constituídos, mas até mesmo considerando ao bloco progressista como seu inimigo fundamental.
9. Os processos de integração atuais são de natureza “capitalista”.
- Esta visão desqualifica todos os processos de integração regional, porque não se dariam mediante uma ruptura com o mercado capitalista internacional, porque representariam integrações no marco de sociedades capitalistas. Se incluiriam não apenas Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, mas também Venezuela, Bolívia, Equador. Se deixa de compreender a importância da criação de espaços de intercambio alternativos aos Tratados de Livre Comércio. Não se entende a importância da luta por um mundo multipolar, debilitando a unipolaridade imperial norteamericana. Não se entende como a Alba promove formas de intercambio alternativas ao mercado, às regras da OMC, na direção do que o FSM chama de “comércio justo”, solidário, de complementaridade e não de competição.
10. Existe uma esquerda boa e uma esquerda ruim.
- Quem prega esta posição quer dividir a esquerda, tentando cooptar seus setores mais moderados e isolar os mais radicais. A esquerda é antineoliberal e não a favor dos TLCs, privilegia as políticas sociais e não os ajustes fiscais, com os matizes que tenha cada um dos governos progressistas.
11. O período atual é de retrocessos na América Latina.
- Alguns setores, com critérios desvinculados da realidade concreta, difundem visões pessimistas e desalentadoras sobre a América Latina. Às vezes usam o critério da posição dos movimentos sociais de cada país em relação à constituição dos governos, para definir se há avanços ou não, ao invés de definir a natureza desses movimentos em função da posição que tem em relação a esses governos. Subordinam o social ao político, sem se darem conta dos extraordinários avanços do continente, ainda mais se comparados com a década anterior e com o marco internacional, profundamente marcado pelo predomínio conservador. É um pessimismo produto do isolamento social, de quem está à margem das formas concretas pelas quais avança a história no continente.
12. Em eleições como a uruguaia, a brasileira e a argentina, para a esquerda, tanto faz quem ganhe.
- Há quem diga isso, como se a vitória de Lacalle ou de Mujica representassem a mesma coisa para o Uruguai e para a América Latina, como se o retorno dos tucanos ou a vitória de Dilma tivesse o mesmo sentido, como se a substituição dos Kirchner por Duhalde, Reuteman, Cobos ou algum outro prócer da direita argentina, significasse o mesmo para o país. Consideram que se tratariam de “contradições interburguesas”, sem maior incidência, desconhecendo o alinhamento das principais forças políticas e sociais de cada um dos dois lados, mas sobretudo as posições – de aprofundamento e extensão dos processos de integração regional ou de TLCs, de prioridade das políticas sociais ou de ajuste fiscal, do papel do Estado, da atitude em relação às lutas sociais, ao monopólio da mídia privada, ao capital financeiro, entre outro temas, que diferenciam claramente os dois campos.
13. O nacionalismo latinoamericano contemporâneo é de caráter “burguês”.
- Desde que ressurgiam ideologias nacionalistas na América Latina, com Hugo Chavez, houve gente que se apressou a comparar com Perón, a desqualificar como “nacionalismo burguês” ou simplesmente de nacionalismo, que nada teria a ver com luta anticapitalista, etc. Usaram, aqui também, clichês, sem fazer analises concretas das situações concretas. O nacionalismo de governos como os da Venezuela, da Bolívia, do Equador, que recuperam para o país os recursos naturais fundamentais de que dispõem, são parte integrante da plataforma antineoliberal e anticapitalista desses países. Cada fenômeno adquire natureza distinta, conforme o contexto que está inserido, cada reivindicação, conforme o governo, assume caráter diferente. No caso do nacionalismo atual na América Latina, ele promove, além disso, processos de integração regional, tendo assim um caráter não apenas nacional, mas latinoamericanista.
Postado por Emir Sader
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