domingo, 13 de dezembro de 2009

"A Arte de Negociar "


Postado por Kamadon...

PAI - Escolhi uma ótima moça para você casar.
FILHO - Mas, pai, eu prefiro escolher a minha mulher.
PAI - Meu filho, ela é filha do Bill Gates...
FILHO - Bem, neste caso, eu aceito.

Então, o pai negociador vai encontrar o Bill Gates.

PAI - Bill, eu tenho o marido para a sua filha!
BILL GATES - Mas a minha filha é muito jovem para casar!
PAI - Mas este jovem é vice-presidente do Banco Mundial...
BILL GATES - Neste caso, tudo bem.

Finalmente, o pai negociador vai ao Presidente do Banco Mundial.

PAI - Sr. Presidente, eu tenho um jovem recomendado para ser vice-presidente do Banco Mundial.
PRES. BANCO MUNDIAL - Mas eu já tenho muitos vice-presidentes, mais do que o necessário.
PAI - Mas, Sr., este jovem é genro do Bill Gates.
PRES. BANCO MUNDIAL - Neste caso ele pode começar amanhã mesmo!

Moral da estória: Não existe negociação perdida. Tudo depende da estratégia.

LENDAS URBANAS - "Pai-de-Santo Que Queria Ser Papai-Noel "


Postado por Kamadon...

:: O Pai-de-Santo Que Desejava Ser Papai–Noel Oswaldino era um pai–de–santo afro descendente e idoso que trabalhava em um terreiro de Umbanda . Ele costumava incorporar uma entidade chamada de Preto Velho , que dava conselhos aos seres aflitos . Certa noite de janeiro , um senhor moreno escuro , de barbas brancas apareceu para ele e disse : - Oswaldino , você abusou demais do seu poder ! - Por isto , a partir de amanhã o seu terreiro minguará pouco a pouco . O pai–de–santo acordou com o coração na boca e notou que aquilo tudo era um grande pesadelo . Porém a partir daquele sonho , o religioso foi perdendo seus fiéis pouco a pouco e teve que fechar o terreiro em novembro . Então ele pensou : - Onde poderei arranjar um emprego temporário neste final de ano ?! - Já estou velho e de barbas brancas ... - Quem dará um serviço para mim ?! De repente , surgiu uma idéia : - Já sei ! - Procurarei emprego de Papai-Noel ! - Afinal , idade e barriga eu tenho ... - Porém , há um problema : sou afro descendente e nunca vi um São Nicolau de pele morena escura . - Mas se até o Jesus da obra “O Auto da Compadecida” era afro descendente ... - Por que uma loja não contrataria um Papai–Noel moreno escuro ? Após isto Oswaldino colocou uma roupa de São Nicolau e em toda a loja que ele via a placa com os dizeres : - “Precisa-se de Papai–Noel” ele se oferecia para o emprego . Porém a resposta era sempre a mesma : - O senhor não tem o tipo físico para o cargo . Até que depois da décima quinta loja , ele foi entrevistado por uma senhora simpática , que ao final da entrevista disse : - O senhor está contratado e pode começar amanhã ! - Meu querido , você ficará sentado no trono , do Seu Nicolau , distribuindo balas às crianças ! Em sua casa Oswaldino pensou : - Eu deveria dar mais do que balas para os pequeninos ... De repente , ele teve uma idéia : - Já sei ! - Oferecerei as bonequinhas mágicas da sorte que a minha bisavó ensinou–me a fazer . Confeccionar um brinquedo destes é simples : basta um pedacinho de pano e muita habilidade . Reza a lenda que a criança que ganha esta boneca , de um idoso , tem o seu sonho realizado . Sem falar que a tradição deste brinquedo é antiga , pois veio dos meus ancestrais da África . Assim Oswaldinho passou a noite inteira fazendo estas bonecas e depois colocou todas num saco . No dia seguinte ele começou a trabalhar . De repente , uma menina de quatro anos , sentou–se em seu colo e disse chorando : - Papai–Noel , meu nome é Daniele e o único presente de Natal que eu desejo é que minha mãe consiga um emprego . Desta maneira o bom velhinho mostrou a bonequinha para a garota e exclamou : - Este brinquedo ajudará a sua mãe a encontrar um serviço ! Depois da visita desta criança , apareceu um menino , aos prantos , explicando : - Eu só queria que minha vovó saísse da UTI . Deste jeito Oswaldino deu a boneca para o garoto e afirmou : - Este brinquedo ajudará a sua avó a sair do hospital . Então muitas crianças vieram fazer pedidos ao ex–pai–de–santo . Porém estes dois pequeninos , citados acima , foram os que mais marcaram o idoso . Alguns dias depois , no dia 24 de dezembro , Daniele apareceu correndo , deu um abraço no Papai–Noel e falou : - Obrigada , bom velhinho ! - Pois minha mãe conseguiu um emprego . Naquele mesmo instante , o menino , que estava com a sua avó doente , surgiu na frente da loja , abraçou o São Nicolau e exclamou : - Viva ! - Minha vovó saiu da UTI ! - Agora ela poderá passar o Natal com toda a família ! Assim Oswaldino explicou : - Não é a mim que vocês devem agradecer e sim à bonequinha mágica . De repente o bom velhinho sentiu muito sono , dormiu e avistou uma moça de vermelho que gritou : - Oswaldino , levarei você para um lugar muito bonito ! Deste jeito o idoso falou: - Quem é você , dama de vermelho ?! - Já sei : - Você é a Mamãe Noel ! Desta forma a moça explicou : - Não sou Mamãe Noel porcaria nenhuma ! - Não se lembra mais de mim ?! - Eu sou a Pomba–Gira! - Mas não levarei você ao inferno . Pois você está com o espírito de Natal incorporado no seu corpo . Como um raio o corpo do velhinho caiu do trono e as crianças gritaram . Naquele mesmo instante a dona da loja veio socorrê–lo , sentiu os seus pulsos e exclamou : - Acho que ele está morto ! - Por favor , chamem a ambulância ! Após o socorrista examinar o idoso , ele comentou : - Com certeza este senhor morreu em paz . Pois desencarnou vestido de Papai–Noel e fazendo os pequenos felizes . Oswaldino faleceu e o tempo passou . Alguns anos depois , um senhor nissei de barbas brancas , olhou–se no espelho e pensou : - Todos os dias do ano faço serviço voluntário e participo das atividades da minha religião : o Budismo ... - Mas neste final de ano eu gostaria de exercer uma atividade que fosse remunerada e que , ao mesmo tempo , fizesse as pessoas felizes ... - Já sei : - Eu poderia ser Papai–Noel de loja ! - Porém , tem um problema : - Eu sou nissei ... - E eu nunca vi um Papai–Noel descendente de japoneses ! - Sem falar que eu sou budista e nunca freqüentei a igreja católica ... Naquele instante , o oriental escutou um barulho de trovão e viu a imagem de um Papai–Noel moreno escuro no espelho , dizendo : - Pare com isto ! - Ás vezes o preconceito está dentro de nós mesmos ! - Enquanto eu morava aí na Terra era afro descendente , praticante de Umbanda e mesmo assim consegui um serviço de Papai–Noel no comércio . - Foi o melhor emprego que eu tive ! - Não importa a sua cor e muito menos a sua religião ... - Afinal , o essencial é que o espírito de Natal baixe em você ! Após falar estas palavras o São Nicolau moreno escuro desapareceu e o senhor nissei resolveu procurar emprego de Papai–Noel de loja

O capitalismo depois da crise - Perspectivas e temores sobre o futuro do sistema

Postado por Attman e Kamadon...

Artigo de Roberto Amaral pronunciado no SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE A CRISE MUNDIAL

Queridas amigas, queridos amigos, companheiras e companheiros militantes, faço inicialmente, de coração, um agradecimento necessário ao Partido dos Trabalhadores, ao Partido Comunista do Brasil, à Fundação Perseu Abramo e à Fundação Maurício Grabois por haverem convidado o meu partido, o Partido Socialista Brasileiro, para participar deste Seminário estar e assim desfrutar da oportunidade de falar a este auditório.
No curso dos debates até aqui travados, exorcizamos o capitalismo — ele foi revolvido como um cadáver exposto na pedra de mármore de um Instituto Médico Legal. Reviramos todas as suas vísceras, caminhamos pela sua biografia, fomos a seus antepassados. Alguns de nós ousaram e outros ousarão ainda falar de suas descendências. Concluída a diagnose, porém, coloca-se uma questão crucial para nós: o velho desafio que é 'O que fazer?'.
Que o capitalismo era tudo o que foi dito neste encontro, desculpem, nós já sabíamos. O que se coloca para nós — partidos de esquerda, partidos socialistas, partidos comunistas — é outra demanda: no mesmo momento em que se instala crise do capitalismo, registra-se (sugerindo uma contradição) a inflexão do movimento social e da força revolucionária de nossos partidos. A social-democracia caminha para a direita, enquanto tradicionais partidos socialistas transitam para o campo correspondente às sociais-democracias atrasadas. Ou padecemos, a esquerda, pela ausência de referência política e doutrinária, ou mesmo programática a oferecer como contrapartida, ou carecemos de uma alternativa concreta. De uma forma ou de outra, coloca-se o desafio reclamando enquanto arde a crise: ‘O que fazer?
O capitalismo não funciona. Está aí, batizada de 'crise', sua disfunção. Mas nada estaria resolvido se ele 'funcionasse', pois, permaneceria padecendo mal incurável: o capitalismo é incurável, porque é fundamentalmente aético. Ele não tem cura porque é imoral. Podem os bancos centrais fazer o que quiserem, mas o capitalismo continuará inaceitável — porque ele se baseia na exploração do homem pelo homem. Há uma alternativa — a construção socialista —, mas esta promessa não está no nosso horizonte. Temos de trabalhar como quem se apega a uma utopia, perseguir a construção do socialismo sabendo que o capitalismo não cairá de podre, nem que haverá a transição do capitalismo para o socialismo simplesmente via crise após crise.
Independentemente da crise do capitalismo, o socialismo só vingará como resultado da ação revolucionária. É esta a questão que se recoloca para nossos Partidos — particularmente para aqueles, como os partidos brasileiros de esquerda, os quais, hoje, têm hoje funções e responsabilidades de Estado. Não podemos confundir o Estado com o Partido, nem vice-e-versa, mas não podemos renunciar aos nossos princípios socialistas e revolucionários, revolucionários porque socialistas.
Estou convencido de que, finda esta crise — como ao final das crises anteriores —, o capitalismo emergirá fortalecido com correções de curso, ou, como dizem os economistas, vacinado, através de regulações, contra novas e futuras alucinações de mercado, isto é, preparando-se para produzir novas crises e conjurá-las.. Às vezes, tendo a dizer que não há crise do capitalismo. Se ela é constante e hodierna, se é uma característica funcional, não é crise. Talvez não seja inevitável que o capitalismo saia fortalecido, mas será inevitável o seu fortalecimento se permanecermos pura e simplesmente, analisando suas ‘crises’ e procurando as soluções tradicionais para ‘salvar’ o capitalismo, em nome do bom propósito de salvar nossos países.. E é isso, tão-só isso o que o mundo tem feito, e nele nossas administrações, as administrações socialistas dos países capitalistas, e nos países capitalistas os partidos socialistas for a do poder.. Desconheço qualquer experiência contemporânea que signifique o enfrentamento da crise s aprofundando a contradições do capitalismo.
Estamos nós, inclusive, muito satisfeitos quando desmoralizamos o neoliberalismo ( e implicitamente estamos dizendo que a crise não ‘;e do capitalismo mas de uma exacerbação sua, o neoliberalismo) e dizemos que o capitalismo, para se salvar, teve de lançar mão do intervencionismo estatal, e com isso dizemos que esse intervencionismo é vitória nossa. Mas intervencionismo estatal não se confunde com o Socialismo!. A presença do Estado na economia é uma característica do capitalismo mundial. Do ponto de vista político o cenário de hoje está a nos convencer de que, ao fim da crise, emergirá a mesma hegemonia, a mesma hegemonia econômica e política das grandes potências capitalistas, Estados unidos à frente, simplesmente porque a crise capitalista, isolada, não implicou crise de hegemonia.. Não há outra hegemonia se contrapondo ou se oferecendo como alternativa à hegemonia norte-americana. Os Estados Unidos sairão da crise ainda como maior potência militar, técnico-científica e econômica.
O que há, do ponto de vista da hegemonia, é uma tentativa de associação paralela. O que querem os outros países? O que querem os emergentes? O que desejam os BRICs? Serem ouvidos, serem considerados, mas jamais substituírem a força hegemônica. Quero dizer que temos de nos preparar para conviver ainda por muitos anos com o enfrentamento do imperialismo. Do meu ponto de vista, não haverá mudança do modo de produção em escala mundial, nem tampouco podemos esperar uma superação hegeliana do sistema interestatal capitalista. Não estão dadas as condições objetivas, nem as subjetivas. As condições subjetivas nós podemos construir, pela perspectiva de uma alternativa socialista a médio prazo.
O que pode ocorrer, o que, talvez, pode ser uma tendência histórica, é que a agudização da crise leve — como levou no passado — a alternativas totalitárias, xenófobas, aos nacionalismos, aos protecionismos, à discriminação étnica, dentro do capitalismo. Por inexistência de atores e impossibilidade da guerra mundial, as guerras localizadas podem substituir a necessidade de produção do capitalismo. Este quadro se oferece em momento de crise do modo de produção industrial em todo o mundo. Quando falo em crise de produção industrial, estou falando em tendência mundial ao desemprego e ao enfraquecimento do proletariado, obrigado a transitar das reivindicações políticas para as reivindicações econômicas ou assistencialistas. Conservar o emprego, quase a qualquer custo, passa a ser a palavra de ordem.
Falando com a responsabilidade de presidente da República, o maior líder sindical que este país já teve, hoje nosso maior líder popular, há pouco, disse o Presidente Luis Inácio Lula da Silva que, em tempos de crise, o que cabe ao sindicalismo é defender seus postos de trabalho. Ele não falou nada mais que a verdade. Isso significa um retorno da luta sindical para as postulações econômicas, afastando-se cada vez mais da lide política. É outro desafio que a realidade concreta coloca ao nosso enfrentamento e aos nossos deveres como militantes revolucionários.
Temos, no Brasil, uma conquista importante a preservar, entre muitas outras: nossa integridade territorial, que ressalta quando olhamos — o que raramente os brasileiros fazem — na direção dos Andes, na direção do Oeste. Aqui, em contraposição à divisão de Estados da América hispânica, construímos uma América portuguesa com uma área de 8,5 milhões km² — o que nos condena a sermos um grande país. O Brasil não tem o direito de fracassar, de não conhecer o desenvolvimento, de não construir aqui uma sociedade sadia e igualitária, sob o reino da liberdade.
Mas o Brasil tem também uma característica que contrasta com a tradição hispânica, que é nosso horror à ruptura, à revolução. Getúlio Vargas entrou na Revolução de 30 quase coagido, levado pelos seus companheiros de aventura comedida. Ele não queria a Revolução— seu projeto era simplesmente e ser reconhecido como presidente-eleito, no lugar de Júlio Prestes o ungido nas eleições defraudadas, e assim, simplesmente assumir a Presidência da República. Mais de cem anos antes, nossa Independência ( a ruptura colonial de Portugal) não resultou de luta social nem de revolução civil, nem de guerra de independência. Consumou-se como fruto de negociação da classe dominante, uma associação de portugueses e latifundiários brasileiros, negociando o financiamento da dívida portuguesa com a Inglaterra. O marechal Deodoro da Fonseca, o militar que proclamou nossa República, saiu de casa para depor o gabinete conservador que lhe era hostil. Assumiu a Presidência e ficou o tempo todo sem saber por que não o tratavam de “Vossa majestade”, como chamavam a seu padrinho, D. Pedro II, o monarca deposto.
Enquanto vários países tiveram de enfrentar a guerra civil — os Estados Unidos se dilaceraram na Guerra da Secessão —, construímos a Abolição da Escravatura em doses homeopáticas. No dia 13 de maio de 1888, o que se consagrou, fundamentalmente, foi o pleito dos conservadores que tudo podiam ceder contanto que não se fizesse, com a abolição, a reforma agrária, pleiteada por Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. Esta marca da alma brasileira, a negociação, o compromisso, os descompromissos ideológicos, se se reivindica o mérito de haver contribuído para a querida unidade territorial do país, pode ser acusada de constituir-se em empecilho a qualquer avanço ou progresso social que exija ruptura. Daí a placidez de nossa história comungando com o longo processo exigido pelas transformações sociais.
Evidentemente, quaisquer que sejam as características de nossos países, de nossos povos e de cada um de nossos processos revolucionário, a luta política contra a crise (suponhamos que ela esteja sendo travada em algum lugar) implica acumulação de forças. Mas a acumulação de forças não é um processo em si, autônomo, que se justifica por si: acumular forças para quê? Não podemos guardá-las como se preservam informações em um banco de dados… No momento, a correlação de forças em nosso país é desfavorável à esquerda. Não nos iludamos com o quadro brasileiro. Estamos dependendo da liderança popular extraordinária, anormal e desconhecida em toda a História do país, que é a liderança pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua liderança pessoal é maior que a reunião das forças dos partidos de esquerda que integram a base de seu governo! Isto por si só, é um desafio que fala de sua potência e de nossa fragilidade. Harmonizar esses elementos é desafio importantíssimo, principalmente quando nos aproximamos de uma nova eleição presidencial. No caso brasileiro, eleição importantíssima, pois renovará todos os parlamentos estaduais, o parlamento federal Câmara e Senado federais) e todos os governos de estado. Não está distante de nós a possibilidade de um retrocesso, que seria a eleição de qualquer representante do núcleo de poder derrotado em 2002 e 2006.
Mas, ao contrário do que está ocorrendo na Europa — onde nos ameaça o avanço das forças reacionárias, retrogradas -- assistimos na América do Sul a fenômeno absolutamente novo em nossa história: a emergência das massas. Estou falando em “emergência das massas” com todos os riscos, pois, em muitos casos, não se trata de massas organizadas, e emergência com a qual poucos de nossos partidos podem se considerar protagonistas. É fato inédito na história dos nossos países que um índio governe a Bolívia, que um crioulo governe a Venezuela. As novas lideranças desses países são originárias e não representantes da burguesia. Não são europeizadas. São índios, são camponeses, são crioulos. E ninguém pode mais chamar a isso de populismo, como sempre o fez a direita brasileira, reproduzindo a direita internacional. Os originários desses países é que estão fazendo sua política, sem intermediação. E isso incomoda, sobremodo, nossas classes dominantes.
Em meio ao crescimento dos movimentos sociais e à emergência popular no Paraguai, no Equador, na Bolívia e na Venezuela, porém, registra-se a quase irrelevância da presença dos partidos de esquerda. Pode ser que desse espontaneísmo das massas e do voluntarismo de seus líderes resulte, ameaçando-o, a fragilidade ideológica do processo. E eis uma preocupação a mais. Precisamos entender — e pelo menos o Brasil de Lula entende — que o processo social, seu avanço, seu bom êxito, está diretamente vinculado ao sucesso das experiências progressistas da América do Sul, vale dizer, do sucesso político e administrativo dos governos que estão protagonizando. Eis por que nossa solidariedade internacional deve ter seu primeiro ensaio na América do Sul, fortalecendo, protegendo e aprofundando essas experiências. Já tivemos exemplos de que isso é possível, caso que é o da concertação de países em torno da manutenção do regime constitucional boliviano.
Entre nós, no Brasil, assistimos, principalmente em 2006, à mais espetacular manifestação popular deste país.O presidente Lula, depois de enfrentar — e agora pode-se dizer isso — uma tentativa de golpe em 2005, enfrentou uma eleição verdadeiramente plebiscitária contra todas as forças conservadoras do país e toda, repito: toda, a imprensa brasileira. O resultado do processo eleitoral questiona o papel da imprensa como manipuladora da opinião pública e construtora do pensamento da classe média e dessa influir na formação da opinião das grandes massas. Essas, nada obstante o ataque ideológico unilateral, entenderam que Lula e sua política se identificavam com os interesses do povo, do homem comum e pobre. Sem o presidente na disputa, esse fenômeno brasileiro particularíssimo de emergência das massas se repetirá em 2010?
Não sei e não posso apostar como serão as eleições de 2010, mas o último processo eleitoral destruiu aquele poder que a imprensa se supunha ter: o papel de conduzir, através da classe média, a chamada opinião pública nacional — que não é opinião pública, mas opinião publicada. O presidente Lula foi eleito e consagrado em processo eleitoral democrático e universal. Antes desse fenômeno chamado Lula, e mesmo nas suas primeiras campanhas, as esquerdas não tinham acesso às grandes massas, às massas desorganizadas, aos desabrigados, aos sem teto e sem terra, aos ‘descamisados’.. Tratava-se de privilégio do populismo, do assistencialismo, da influência do poder econômico nas eleições. Em São Paulo, nossa principal província, reinava populismo o mais reacionário, como o ademarismo, o janismo, e, mais recentemente,. Mas em 2006 o povo brasileiro fez uma opção política, dando às costas ao apelo populista, ao papel da classe-média, ao papel da imprensa, resistiu mesmo à pregação do moralismo anacronicamente udenista, que vitorioso e derrotado com os militares, renascia na cruzada na imprensa. . Com toda a crise do moralismo e ação dos meios de comunicação de massa, das forças conservadoras, das federações da indústria e do comércio, o povo identificou um ponto de apoio, nosso lado, e um adversários: nossos adversários.
Caberá agora saber ( e quem saberá?) se teremos competência para conservar essa aliança, em cuja construção as massas foram mais sujeito-ativo do que nossos partidos. Mas seremos nós os responsáveis pela manutenção desse pacto. Este desafio já está colocado para a esquerda brasileira.
Para alcançar tal objetivo será necessária a construção de um projeto de desenvolvimento nacional. Falta à esquerda brasileira construir um projeto de nação.
Que nação queremos?
Como construir essa nação?
Quais são os passos necessários para essa construção?
Temos um objetivo estratégico que nos une — e que é a construção do socialismo. De um socialismo que nós ainda não definimos. Sabemos apenas que ele não pode ser a reprodução do socialismo que nos foi dado conhecer e que não será construído através de nenhum assalto a nenhum símbolo de poder, seja uma reinventada Bastilha, seja um renovado ‘Palácio de inverno’. Dependerá, essa construção, da mobilização das grandes massas, de seu papel de sujeito, de sua consciência coletiva, do papel de suas lideranças, é verdade, sem espaço para os ‘guias geniais’. Muito obrigado!

* Roberto Amaral é cientista político, professor universitário, vice-presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ex-ministro de Ciência e Tecnologia (2003-2004) no governo do presidente Lula.

O povo boliviano consolida uma mudança histórica

Postado por Attman e Kamadon...

SERPAL *

Tradução: ADITAL
Por Carlos Iaquinandi Castro
redação de SERPAL.



O povo boliviano, que nos anos 90 livrou múltiplas batalhas contra as expressões das políticas neoliberais, foi construindo uma organização e uma consciência popular que derrubou tentativas como as da privatização da água ou a entrega de sua riqueza em gás natural. No início desse novo século, ficou evidenciada uma confrontação aberta entre dois modelos antagônicos: um baseado na continuidade do controle político por uma elite minoritária para assegurar os controles no econômico e social. Isso supunha manter a injusta distribuição da riqueza e das oportunidades. O outro modelo se apresentava como uma forma imprecisa de mudança e transformação, que apontava para o controle dos recursos nacionais e para o nivelamento das desigualdades, outorgando participação e direitos sociais básicos, como educação e saúde às massas indígenas e camponesas, até então ignoradas e marginalizadas pelas classes dominantes.


Nasce o "instrumento político"

A expressão política que conseguiu dotar esses setores sociais majoritários com organização e consciência foi liderada por um sindicalista de origem indígena e camponesa. Simples e elementar para a direita e para os analistas políticos, Evo Morales começou sua incansável tarefa de somar vontades e explicar com as palavras justas, porém compreensíveis para seu povo, a necessidade de unir-se para mudar esse injusto estado de coisas herdado desde tempos da Conquista. Assim nasceu o que eles denominaram "o instrumento político".

A fundação do MAS (Movimento Al Socialismo) afrontou a risco de transformar-se, como outras experiências bolivianas, em um partido cuja ação política pouco ou nada tivesse com suas siglas, como é o caso do histórico Movimento Nacionalista Revolucionário ou do Movimento de Esquerda revolucionária. Porém, nesse caso, a experiência de luta popular encontrou uma liderança firme e clara, surgida de suas próprias filas que partilhou avanços e retrocessos e acompanhou bloqueios e mobilizações. Evo, ao referir-se aos processos eleitorais, advertiu que qualquer possibilidade de mudança através do voto não significava uma aposta ou um cheque em branco. Tratava-se de exercer essa possibilidade democrática com todas as limitações existentes e sem ‘baixar a guarda’; sem desmobilizar-se; sem abandonar o envolvimento cidadão após votar. Porém, não somente advertiu; uma vez ganhas as eleições há exatamente quatro anos, colocou tudo em prática. E foi cumprindo seus compromissos: a nacionalização dos hidrocarbonetos; a convocação para a Assembleia Constituinte; o reconhecimento dos direitos indígenas; o bônus ‘Juancito Pinto’, para todos os estudantes; a ‘Renda Dignidade’, para os idosos/as; ou a ampliação dos serviços em educação e saúde.

Sempre recordou que a força está no povo unido e consciente de seus direitos e de seus objetivos. Evo Morales e seu vice-presidente, Álvaro García Linera, explicaram que a fortaleza de uma possibilidade de mudança estava na acumulação social, na base ativa dessa mudança. Por isso, não ficaram somente em consignas e em ações dirigidas unicamente aos indígenas ou aos camponeses; mas, nessa segunda fase do processo, intensificaram seu trabalho com setores médios e profissionais e entraram nos bastiões da oposição, como Pando ou Santa Cruz de la Sierra. O resultado está à vista. Em quatro anos não somente obtiveram uma histórica reeleição; mas, o significativo apoio de 53,7% dos votantes se transformou em um estrondoso 63,3% dos votos e na obtenção da maioria necessária na Assembleia Legislativa, o que permitirá impulsionar as leis e as normas que permitam desenvolver os princípios da Nova Constituição Política do Estado (CPE), aprovada em referendo no início deste ano.

Um caminho minado

O que foi conseguido nesses primeiros quatro anos superou as previsões mais otimistas. No caminho foram derrotadas as conspirações urdidas pelas correntes que se alternaram e se beneficiaram do poder. Conservadores, neoliberais; autoritários nostálgicos das ditaduras militares; e capatazes das multinacionais estrangeiras ensaiaram boicotes; algazarras violentas, matanças de camponeses, como em Pando; tramas golpistas, como em Santa Cruz de la Sierra, com sicários contratados no exterior; subornos; difamações ou mentiras; e manipulação constante através do controle dos principais meios de comunicação. Tudo isso e mais deveriam enfrentar as correntes populares que reconhecem a liderança de Evo Morales. Essas investidas que, às vezes, pareciam definitivas foram fortalecendo o movimento popular, que soube tirar lições de cada choque com aqueles que pretendiam deter as mudanças. Cada erro teve que ser corrigido; cada acerto, multiplicado.

Aprendendo a construir

Esta experiência exige uma profunda reflexão a todos os que lutamos por essas mudanças necessárias em nosso continente. Aos que livramos essa velha batalha pela justiça social; por eliminar desigualdades; por recuperar a soberania sobre nossos próprios recursos. Não para estimular torpes tentativas de "copiar" modelos; mas, para resgatar os princípios básicos da luta do povo boliviano. Entre eles, a construção de baixo para cima; desde a base social, que é o sustentáculo e a força natural da mudança. A perseverança e a paciência na tarefa política. A simplicidade e a humildade exercida a partir da liderança, acompanhadas por uma conduta honesta que se converte em exemplo a seguir.

A mudança em mãos do povo

O povo boliviano celebra sua vitória. Como disse Evo Morales, este triunfo eleitoral "quer dizer que a revolução democrática cultural e social deixou de ser uma bandeira de um partido e se converteu no projeto político do povo boliviano". Será difícil que essas massas indígenas e camponesas, que, com sua própria luta, ganharam espaços de participação e dignidade, aceitem um retrocesso. O fatalismo histórico e seus mentores intelectuais e dos meios de comunicação foram derrotados pela consciência e pela vontade popular. Porém, seria errôneo supor que este é o ponto de chegada. Ao contrário, é um ponto de partida, no qual se multiplicarão os riscos. Riscos internos para controlar a burocratização e a soberba; ou a corrupção a partir dos cargos públicos; ou para manter a firmeza em encaminhar as mudanças imprescindíveis.

Porém, também existem riscos externos desse conglomerado de resíduos do antigo sistema que continua controlando o poder econômico e midiático e são os ‘testa de ferro’ de multinacionais acostumadas a "comprar" governos e legisladores. Sempre rechaçaram a possibilidade de perder seus privilégios e seu controle político, econômico e social. Agora sabem que esta não é uma conjuntura, mas uma virada histórica. Gravemente feridos, são mais perigosos. Têm sido capazes de recorrer à violência quando esta não era imprescindível. Agora pode ser que a considerem como o único caminho para evitar seu definitivo derrocamento. Certamente, os que bem sabem disso são os irmãos bolivianos que souberam chegar a este memorável seis de dezembro. Eles demonstraram o mais difícil: que tudo é possível quando há consciência e organização popular. Resta-nos apoiá-los, conscientes de que sua vitória também é nossa; é a vitória de todos os povos da América Latina. E colocar em prática que esse potencial do povo boliviano está na força coletiva, isto é, na vontade ativa de cada um de nós.


* Serviço de Prensa Alternativa

A Páscoa de Thiago

Postado por Attman e Kamadon...

Fr. Marcos Sassatelli *

"Todas as vezes que vocês fizeram isso
a um dos menores dos meus irmãos,
foi a mim que o fizeram!" (Mt 25, 40)

Thiago - um adolescente de 17 anos, que já tem um filhinho de nove meses, Paulo Henrique - foi barbaramente assassinado na noite do dia 18 deste mês de novembro. O fato aconteceu justamente - parece até uma ironia - na Avenida chamada Vale dos Sonhos e em frente à Igreja chamada Nossa Senhora da Paz, no Bairro São Domingos, na região noroeste de Goiânia.

Sem negar a responsabilidade pessoal de quem o matou, podemos afirmar que Thiago é mais uma vítima do sistema capitalista neoliberal, que é um "sistema econômico iníquo" (Documento de Aparecida - DA, 385) ou - como afirma Paulo VI - um "sistema nefasto", porque considera "o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes" (Populorum Progressio - PP, 26).


O sistema capitalista neoliberal - que coloca o dinheiro como um deus, como um valor absoluto, a serviço do qual tudo pode e deve ser sacrificado, inclusive a vida de um adolescente - produz desigualdade social gritante, que é uma das causas principais da violência.

Há trinta e seis anos, em plena ditadura militar, Bispos do Centro-Oeste do Brasil definiam o capitalismo como sendo "o mal maior, o pecado acumulado, a raiz estragada, a árvore que produz esses frutos que nós conhecemos: a pobreza, a fome, a doença, a morte da grande maioria" (Marginalização de um Povo, 1973).

Há poucos meses - voltando da mesma Igreja Nossa Senhora da Paz depois da Missa dominical das 19,30h - já tinha me deparado com o corpo de outro jovem, estendido na mesma Avenida Vale dos Sonhos. O corpo estava rodeado de pessoas, aguardando o carro do IML. Quantos jovens marcados para morrer! Quanto desrespeito pela vida humana! Quanta maldade!

Precisamos dar um "basta" a tudo isso. Como nos lembra o lema do Grito dos Excluídos 2009, "a força da transformação está na organização popular". Não podemos perder a esperança de um mundo diferente, de um mundo novo.

Os poderes públicos, municipal, estadual e federal, não se preocupam com a realidade do nosso povo sofrido. Basta ver o espetáculo deprimente dos conchavos políticos ao qual assistimos todos os dias, sobretudo em época de eleições. Cada pessoa ou grupo visa seus próprios interesses da forma mais acintosa e despudorada possível.

Na nossa cidade de Goiânia não temos políticas públicas - que sejam realmente prioritárias - para crianças, adolescentes e jovens, sobretudo "em situação de rua". O motivo é sempre a "falta de verbas". Por que será que para grandes obras sempre tem verbas? O que falta realmente é vontade política e, sobretudo, amor ao povo.

A qualidade de ensino nas nossas escolas públicas deixa muito a desejar. Para ocupar o tempo livre, depois das aulas, não existem programas educativos que ajudem as crianças, os adolescentes e os jovens a crescer em sua autoestima, a desenvolver sua criatividade e a descobrir o verdadeiro sentido da vida.

Para os jovens, que já têm idade para trabalhar, não existem políticas públicas que ofereçam possibilidades de emprego. Quando os jovens conseguem algum trabalho, temporário ou permanente, ganham um salário de miséria. Os jovens não têm incentivo e não têm perspectiva de um futuro digno. Dai a tentação do dinheiro fácil, entrando no mundo da violência, da prostituição, do tráfico de drogas e do crime.

As crianças, os adolescentes e os jovens são, quase sempre, vítimas do descaso do poder público, de estruturas sociais injustas ou, em outras palavras, de uma sociedade assassina. É esta uma situação de pecado social, de pecado estrutural.

Apesar de tanta maldade humana, no velório de Thiago nós celebramos a vida, não a morte. Sabemos que Deus nos ama, quer o nosso bem e a nossa felicidade. Na sua breve existência terrena, Thiago foi batizado, fez a primeira eucaristia e recebeu o sacramento da crisma. À luz da fé, podemos dizer que Thiago, adolescente de 17 anos, "completou sua Páscoa" e se encontra agora na plenitude do Reino de Deus.

Os pais de Thiago, Zoroastro e Ivanete, e os irmãos, Bruno e Loraine, participam da Comunidade Nossa Senhora da Paz. A mãe deu um testemunho que nos emocionou a todos, e que revela uma sensibilidade humana profunda e uma fé em Deus inabalável. Mesmo sofrendo muito, juntamente com o esposo e os filhos, ela declarou, ao lado do caixão, que perdoava o assassino de seu filho Thiago e desejava que a mãe dele nunca passasse pela dor que ela estava passando.

A CNBB nos lembra que "crianças, adolescentes e jovens precisam ser reconhecidos como sujeitos na sociedade e, portanto, merecedores de cuidado, respeito, acolhida e principalmente oportunidades".

"A Igreja no Brasil - continua a CNBB - conclama os poderes públicos Executivo, Legislativo e Judiciário bem como a sociedade civil a debater o assunto. Urge a busca de soluções focadas nas políticas públicas que efetivem melhores condições de vida para todos, na implementação de medidas sócioeducativas previstas no ECA e no desenvolvimento de uma política nacional de combate ao narcotráfico, penalizando com maior rigor a manipulação e o aliciamento de crianças, adolescentes e jovens pelo crime organizado" (Declaração da CNBB contra a redução da maioridade penal, Indaiatuba, São Paulo, abril de 2009).

"CRIANÇA E ADOLESCENTE PRIORIDADE ABSOLUTA" (Constituição Federal, art. 227). Por que será que os nossos governantes e os nossos políticos, em sua grande maioria, não levam a sério esta "prioridade absoluta"? Nas próximas eleições votemos em políticos que queiram realmente servir ao povo e não se servir do povo, aproveitando sua boa fé e traindo sua causa, que é a causa de "um outro mundo possível".

"Basta de morte! Queremos vida!"
"A juventude quer viver"
"Diga sim aos direitos da juventude"!
(Campanha em Defesa da Vida, iniciada em 2004)


* Frade dominicano. Doutor em Filosofia e em Teologia Moral. Prof. Especialização em Direitos Humanos do Instit. Dominicano de Justiça e Paz "Frei Antônio Montesino". Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia

O encanto dos Orixás

Postado por Attman e Kamadon...

Leonardo Boff

Quando atinge grau elevado de complexidade, toda cultura encontra sua expressão artística, literária e espiritual. Mas ao criar uma religião a partir de uma experiência profunda do Mistério do mundo, ela alcança sua maturidade e aponta para valores universais. É o que representa a Umbanda, religião, nascida em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1908, bebendo das matrizes da mais genuína brasilidade, feita de europeus, de africanos e de indígenas. Num contexto de desamparo social, com milhares de pessoas desenraizadas, vindas da selva e dos grotões do Brasil profundo, desempregadas, doentes pela insalubridade notória do Rio nos inícios do século XX, irrompeu uma fortíssima experiência espiritual.

O interiorano Zélio Moraes atesta a comunicação da Divindade sob a figura do Caboclo das Sete Encruzilhadas da tradição indígena e do Preto Velho da dos escravos. Essa revelação tem como destinatários primordiais os humildes e destituídos de todo apoio material e espiritual. Ela quer reforçar neles a percepção da profunda igualdade entre todos, homens e mulheres, se propõe potenciar a caridade e o amor fraterno, mitigar as injustiças, consolar os aflitos e reintegrar o ser humano na natureza sob a égide do Evangelho e da figura sagrada do Divino Mestre Jesus.

O nome Umbanda é carregado de significação. É composto de OM (o som originário do universo nas tradições orientais) e de BANDHA (movimento incessante da força divina). Sincretiza de forma criativa elementos das várias tradições religiosas de nosso país criando um sistema coerente. Privilegia as tradições do Candomblé da Bahia por serem as mais populares e próximas aos seres humanos em suas necessidades. Mas não as considera como entidades, apenas como forças ou espíritos puros que através dos Guias espirituais se acercam das pessoas para ajudá-las. Os Orixás, a Mata Virgem, o Rompe Mato, o Sete Flechas, a Cachoeira, a Jurema e os Caboclos representam facetas arquetípicas da Divindade. Elas não multiplicam Deus num falso panteísmo, mas concretizam, sob os mais diversos nomes, o único e mesmo Deus. Este se sacramentaliza nos elementos da natureza como nas montanhas, nas cachoeiras, nas matas, no mar, no fogo e nas tempestades. Ao confrontar-se com estas realidades, o fiel entra em comunhão com Deus.

A Umbanda é uma religião profundamente ecológica. Devolve ao ser humano o sentido da reverência face às energias cósmicas. Renuncia aos sacrifícios de animais para restringir-se somente às flores e à luz, realidades sutis e espirituais.

Há um diplomata brasileiro, Flávio Perri, que serviu em embaixadas importantes como Paris, Roma, Genebra e Nova York que se deixou encantar pela religião da Umbanda. Com recursos das ciências comparadas das religiões e dos vários métodos hermenêuticos elaborou perspicazes reflexões que levam exatamente este título O Encanto dos Orixás, desvendando-nos a riqueza espiritual da Umbanda. Permeia seu trabalho com poemas próprios de fina percepção espiritual. Ele se inscreve no gênero dos poetas-pensadores e místicos como Álvaro Campos (Fernando Pessoa), Murilo Mendes, T. S. Elliot e o sufi Rumi. Mesmo sob o encanto, seu estilo é contido, sem qualquer exaltação, pois é esse rigor que a natureza do espiritual exige.

Além disso, ajuda a desmontar preconceitos que cercam a Umbanda, por causa de suas origens nos pobres da cultura popular, espontaneamente sincréticos. Que eles tenham produzido significativa espiritualidade e criado uma religião cujos meios de expressão são puros e singelos revela quão profunda e rica é a cultura desses humilhados e ofendidos, nossos irmãos e irmãs. Como se dizia nos primórdios do Cristianismo que, em sua origem também era uma religião de escravos e de marginalizados, "os pobres são nossos mestres, os humildes, nossos doutores".

Talvez algum leitor/a estranhe que um teólogo como eu diga tudo isso que escrevi. Apenas respondo: um teólogo que não consegue ver Deus para além dos limites de sua religião ou igreja não é um bom teólogo. É antes um erudito de doutrinas. Perde a ocasião de se encontrar com Deus que se comunica por outros caminhos e que fala por diferentes mensageiros, seus verdadeiros anjos. Deus desborda de nossas cabeças e dogmas.



* Teólogo, filósofo e escritor