Postado por Attman e Kamadon
Antônio Elcio Carvalho Cavalcante *
"Seja a mudança que queres ver no mundo".
(Mahatma Gandhi)
Diante da apatia, acomodação, conformismo e da inércia política dos meus jovens aluno(a)s perante a realidade da vida, diante do destino de suas vidas particulares e profissionais, resolvi escrever algumas considerações sobre este comportamento assaz estático, letárgico, alienante, conservador e às vezes reacionário desses jovens e velhos estudantes. Entretanto, alerto-os que a participação e as decisões políticas influenciam o cotidiano da coletividade em que vivemos, pois é evidente que há uma carência de agentes transformadores na sociedade.
Primeiramente devemos nos indagar "Onde estamos" e para "onde pretendemos chegar ou irmos", destarte, saberemos o que realmente queremos da nossa vida. O filósofo romano Sêneca nos legou: "Se você não sabe a direção a que porto ir, nenhum vento lhe será favorável".
Tracem objetivos de curto e longo prazo em seu cotidiano. Organização é vida. E tudo na vida é preciso planejamento, organização e disciplina. Depois do planejamento tudo será mais fácil, mesmo com os óbices, intempéries e tempestades que surgirão e que não são poucos em suas vidas, tenho certeza de que saberão se adaptar às dificuldades e tomarão novos rumos e rotas baseadas em seu planejamento. A vida é repleta de alegrias e dores que são inerentes à arte de viver. Carpe diem, caro(a)s estudantes!
Estudem e lutem, pois somente através dos estudos é que teremos a chance de mudarmos está adversa e hostil realidade, possibilitando a transformação da nossa rotina, todavia, só será possível em contato eterno com os livros e com a prática política: "Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma", assim nos ensinou o poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht.
Lembrem-se amiúde de que no Brasil, os vários pobres, que são milhões, são muito pobres e os poucos ricos são excessivamente muito ricos. Nunca se esqueçam que vivemos em uma sociedade capitalista que é profundamente injusta, cruel, inexorável e que vivemos em classes sociais antagônicas, onde a grande maioria dos trabalhadores vive na escassez, em plenas dificuldades, fome e miséria para 90% da população mundial, enquanto 10% das pessoas vivem no excesso do luxo, na opulência, no desperdício e no supérfluo. "Oh! Mundo tão desigual! Tudo é tão desigual! De um lado este carnaval! De outro a fome total!".
Pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revela que no Brasil mais de 14 milhões de brasileiros passam fome, é o país com o maior número de pessoas com fome no mundo, que paradoxalmente não se explica pela falta de alimentos. O problema alimentar reside no descompasso entre o poder aquisitivo de um amplo segmento da população e o custo de aquisição de uma quantidade de alimentos compatível com a necessidade de alimentação do trabalhador e de sua família que se defrontam diariamente com o problema da fome; a renda mensal desses trabalhadores lhes garante, na melhor das hipóteses, apenas a aquisição de uma cesta básica de alimentos.
Após a exposição deste quadro assustador, revoltem-se, indignem-se contra toda forma de injustiça, opressão e exploração contra qualquer indivíduo. Coloquem-se ao lado dos mais fracos e pobres. E, quando galgarem cargos, funções e estiverem "por cima", é imprescindível não perder o bom senso. Sejam honestos, éticos, generosos e gentis com as pessoas que cruzarem os seus caminhos. Respeitem os mais humildes, os menos capazes, os mais velhos, os animais, a natureza e todas as formas de vida possíveis e imagináveis, dê ouvidos aos que discordam do que pensamos. Tudo na natureza e na vida muda. "A única coisa permanente é a mudança". A grande sapiência é ter consciência de que nada na vida é eterno e perpétuo: nem as coisas boas e nem as coisas más, ruins. Não sejam egoístas e nada de ostentação. A simplicidade é o segredo e a chave do bem viver. Eu sempre digo que o meu egoísmo é altruísta. Lembrem-se e pratiquem a solidariedade. Como disse com muita propriedade o profeta Gentileza: "gentileza gera gentileza".
Pois bem caro(a)s estudantes, o poeta Chacal nos alertou: "a vida é curta, mas não deve ser pequena".
Desejo-lhes que encontrem alguma coisa útil para as suas vidas e façam à diferença em suas existências e na realidade que nos cerca. Animem-se: "agarre o livro".
* Professor de História
domingo, 11 de abril de 2010
"As duras batalhas que se aproximam"
Postado por Attman e Kamadon"
Brasil de Fato *
1. Estamos nos aproximando do período eleitoral que definirá os rumos do país no espaço institucional, pela eleição de um novo Congresso Nacional, governadores estaduais, assembleias legislativas e a Presidência da República.
No início deste mês, venceu o primeiro prazo de desincompatibilização de cargos públicos para quem vai disputar as eleições. Do governo Lula, saíram onze ministros. E, nos governos estaduais foi uma debandada geral.
De agora em diante, todos os pretendentes a cargos se jogarão de corpo e alma em suas campanhas.
2. No plano da disputa de projetos, parece não haver grandes novidades no front. A sociedade está anestesiada pelo controle absoluto da mídia e pela falta de debate sobre os verdadeiros problemas da sociedade brasileira. Eles são simplesmente ignorados. A pauta da mídia burguesa é a violência nas cidades, acidente de trânsito, grandes júris ou, no máximo, o confronto de declarações, ora entre Lula e FHC, ora entre Dilma e Serra. Os movimentos de massa continuam em refluxo e as organizações de esquerda ainda não saíram da crise ideológica dos últimos anos.
3. Mas, quando tudo parecia uma pasmaceira, eis que a burguesia brasileira, que não dorme de toca, entra em cena. E já está sinalizando sua disposição de ir para a batalha.
As elites dominantes jogam claro: o ideal seria eleger Serra e garantir um governo sem intermediários, totalmente a serviço de uma burguesia subalterna aos interesses do capitalismo internacional. Mas, caso isso não seja possível, querem, pelo menos, transformar a vitória de Dilma numa meia vitória, comprometendo-a a não avançar o sinal e, sobretudo, controlando as organizações sociais para que não cheguem ao reascenso do movimento de massas. E nem avancem em conquistas reais para a classe trabalhadora.
4. Para alcançar esses objetivos, seu principal campo de batalha será a luta ideológica, utilizando-se, basicamente, dos meios de comunicação, sobre os quais possuem controle total, e, subsidiariamente, de setores do poder judiciário, para lhes dar argumentos, cobertura ou pauta.
Assim sendo, realizaram, em março, um importante evento num hotel de luxo de São Paulo, sob os auspícios de um fantasmagórico Instituto Millenium, que reúne a tropa de choque, não só do Brasil, mas de toda a América Latina, encarregada de fazer a luta ideológica. Farão essa batalha em todos os campos e, com isso, tentarão barrar as pequenas mudanças institucionais. Mesmo quando perdem alguma eleição, tentam transformar os governos em reféns de sua política.
Nesse evento, estava a fina flor do pensamento reacionário e conservador, porém hegemônico na grande imprensa brasileira, como os Arnaldos Jabores, Rosenfields, Reinaldos Azevedos e outros aprendizes da escola de Goebels.
As conclusões foram claras: fazer uma luta ideológica para acuar candidaturas progressistas e atacar, sistematicamente, governos progressistas e populares do continente. Além disso, tentar desmoralizar qualquer luta social, seus movimentos, e justificar, perante o Judiciário, a polícia e a sociedade, a necessidade de sua criminalização. Ou seja, repressão.
5. É nesse contexto que se encontra a campanha permanente contra o governo venezuelano de Hugo Chávez, contra o governo de Cuba, contra a jornada de 40 horas e contra qualquer ocupação de terra ou de terrenos na cidade.
6. O governo Lula passou oito anos pregando a conciliação de classes, se iludindo com a possibilidade de apaziguar os ânimos das elites reacionárias. Ledo engano. Virão delas, as principais iniciativas de ataque.
Aos movimentos sociais e às forças populares não cabem ilusões. A luta de classes continuará mais dinâmica do que nunca e a burguesia optou por priorizar a luta no campo ideológico. Afinal, no campo econômico, ela continua ganhando muito dinheiro e, no campo político, continua dividindo parcelas importantes do poder, seja no Executivo, mas sobretudo no Judiciário e no Legislativo.
7. Assim, nos próximos meses, as batalhas ideológicas no campo das ideias e dos projetos e as disputas ao redor de qualquer tema ganharão relevância. E os meios de comunicação terão um papel importantíssimo.
Esperamos que as forças populares entendam esse momento para fortalecer ainda mais as lutas sociais e os veículos de comunicação autônomos da classe trabalhadora.
8. A CUT e a CTB já decidiram - e os movimentos da Via Campesina Brasil se somarão a elas - fazer uma grande jornada de paralisação nacional em todo país, no dia 18 de maio, como forma de pressão pela aprovação do projeto de lei que reduz a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. Será um belo teste para os avanços da luta de classes e a disputa ideológica na sociedade brasileira. Afinal, a "maioria parlamentar", construída pelo governo a peso de ouro, não foi suficiente para avançar nas questões fundamentais para a classe trabalhadora, como a redução da jornada de trabalho, o projeto que determina a expropriação das fazendas com trabalho escravo e a manutenção do código florestal para proteger nosso meio ambiente.
Serão boas lutas nos próximos meses. Preparem-se e participem!
[Editorial - Brasil de Fato - edição 371 - de 8 a 14 de abril de 2010].
* Agência Brasil de Fato. Uma visão popular do Brasil e do Mundo
Brasil de Fato *
1. Estamos nos aproximando do período eleitoral que definirá os rumos do país no espaço institucional, pela eleição de um novo Congresso Nacional, governadores estaduais, assembleias legislativas e a Presidência da República.
No início deste mês, venceu o primeiro prazo de desincompatibilização de cargos públicos para quem vai disputar as eleições. Do governo Lula, saíram onze ministros. E, nos governos estaduais foi uma debandada geral.
De agora em diante, todos os pretendentes a cargos se jogarão de corpo e alma em suas campanhas.
2. No plano da disputa de projetos, parece não haver grandes novidades no front. A sociedade está anestesiada pelo controle absoluto da mídia e pela falta de debate sobre os verdadeiros problemas da sociedade brasileira. Eles são simplesmente ignorados. A pauta da mídia burguesa é a violência nas cidades, acidente de trânsito, grandes júris ou, no máximo, o confronto de declarações, ora entre Lula e FHC, ora entre Dilma e Serra. Os movimentos de massa continuam em refluxo e as organizações de esquerda ainda não saíram da crise ideológica dos últimos anos.
3. Mas, quando tudo parecia uma pasmaceira, eis que a burguesia brasileira, que não dorme de toca, entra em cena. E já está sinalizando sua disposição de ir para a batalha.
As elites dominantes jogam claro: o ideal seria eleger Serra e garantir um governo sem intermediários, totalmente a serviço de uma burguesia subalterna aos interesses do capitalismo internacional. Mas, caso isso não seja possível, querem, pelo menos, transformar a vitória de Dilma numa meia vitória, comprometendo-a a não avançar o sinal e, sobretudo, controlando as organizações sociais para que não cheguem ao reascenso do movimento de massas. E nem avancem em conquistas reais para a classe trabalhadora.
4. Para alcançar esses objetivos, seu principal campo de batalha será a luta ideológica, utilizando-se, basicamente, dos meios de comunicação, sobre os quais possuem controle total, e, subsidiariamente, de setores do poder judiciário, para lhes dar argumentos, cobertura ou pauta.
Assim sendo, realizaram, em março, um importante evento num hotel de luxo de São Paulo, sob os auspícios de um fantasmagórico Instituto Millenium, que reúne a tropa de choque, não só do Brasil, mas de toda a América Latina, encarregada de fazer a luta ideológica. Farão essa batalha em todos os campos e, com isso, tentarão barrar as pequenas mudanças institucionais. Mesmo quando perdem alguma eleição, tentam transformar os governos em reféns de sua política.
Nesse evento, estava a fina flor do pensamento reacionário e conservador, porém hegemônico na grande imprensa brasileira, como os Arnaldos Jabores, Rosenfields, Reinaldos Azevedos e outros aprendizes da escola de Goebels.
As conclusões foram claras: fazer uma luta ideológica para acuar candidaturas progressistas e atacar, sistematicamente, governos progressistas e populares do continente. Além disso, tentar desmoralizar qualquer luta social, seus movimentos, e justificar, perante o Judiciário, a polícia e a sociedade, a necessidade de sua criminalização. Ou seja, repressão.
5. É nesse contexto que se encontra a campanha permanente contra o governo venezuelano de Hugo Chávez, contra o governo de Cuba, contra a jornada de 40 horas e contra qualquer ocupação de terra ou de terrenos na cidade.
6. O governo Lula passou oito anos pregando a conciliação de classes, se iludindo com a possibilidade de apaziguar os ânimos das elites reacionárias. Ledo engano. Virão delas, as principais iniciativas de ataque.
Aos movimentos sociais e às forças populares não cabem ilusões. A luta de classes continuará mais dinâmica do que nunca e a burguesia optou por priorizar a luta no campo ideológico. Afinal, no campo econômico, ela continua ganhando muito dinheiro e, no campo político, continua dividindo parcelas importantes do poder, seja no Executivo, mas sobretudo no Judiciário e no Legislativo.
7. Assim, nos próximos meses, as batalhas ideológicas no campo das ideias e dos projetos e as disputas ao redor de qualquer tema ganharão relevância. E os meios de comunicação terão um papel importantíssimo.
Esperamos que as forças populares entendam esse momento para fortalecer ainda mais as lutas sociais e os veículos de comunicação autônomos da classe trabalhadora.
8. A CUT e a CTB já decidiram - e os movimentos da Via Campesina Brasil se somarão a elas - fazer uma grande jornada de paralisação nacional em todo país, no dia 18 de maio, como forma de pressão pela aprovação do projeto de lei que reduz a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. Será um belo teste para os avanços da luta de classes e a disputa ideológica na sociedade brasileira. Afinal, a "maioria parlamentar", construída pelo governo a peso de ouro, não foi suficiente para avançar nas questões fundamentais para a classe trabalhadora, como a redução da jornada de trabalho, o projeto que determina a expropriação das fazendas com trabalho escravo e a manutenção do código florestal para proteger nosso meio ambiente.
Serão boas lutas nos próximos meses. Preparem-se e participem!
[Editorial - Brasil de Fato - edição 371 - de 8 a 14 de abril de 2010].
* Agência Brasil de Fato. Uma visão popular do Brasil e do Mundo
"Seminário: IV Semana de Ciência e Cultura - Dia 30/04/2010 - 6ª feira "
Postado por Attman e Kamadon
“A esquerda tem o poder político, mas a direita continua com o poder econômico”
Por Tatiana Merlino
Nos últimos dez anos, a América Latina se transformou na vanguarda da luta anti-imperialista: “foi o continente onde o socialismo do século 21 entrou na agenda política”. A análise é do intelectual português Boaventura de Sousa Santos, que vê grandes avanços no domínio político e “alguns avanços sociais” durante a década passada no continente latinoamericano. No entanto, ele afirma estar receoso com início do novo decênio: “vejo sinais perturbadores”, diz, referindo-se à recente derrota eleitoral da “esquerda moderada” no Chile e ao crescimento da direita na Venezuela.
Doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale, Estados Unidos, e professor titular da Universidade de Coimbra, em Portugal, Boaventura é considerado um dos principais intelectuais da língua portuguesa na área de ciências sociais. Em conversa com a Caros Amigos, o português falou sobre a crise do capitalismo, o papel da China no novo cenário político-econômico mundial, as propostas de integração da América Latino, e criticou o primeiro ano do governo de Obama: “Agora, o que se vê é que cada presidente dos Estados Unidos tem a sua guerra”.
Diferentemente do que muitos analistas imaginavam, a crise financeira mundial não resultou no colapso do capitalismo. Como o senhor vê a situação daqui para a frente? O que podemos esperar?
Boaventura de Sousa Santos – Essa situação mostra duas coisas: uma, que o pensamento crítico e de esquerda deveria fazer uma moratória de uma ideia que anda sempre presente, que é a crise final do capitalismo. Quantas crises finais já vimos, quantas foram anunciadas? Meus amigos Immanuel Wallerstein e David Harvey já estão falando em crise final. É evidente que haverá um fim, mas é muito difícil imaginá-lo agora. Hoje, o capitalismo não é um modo de produção, e sim um modo de civilização. Temos hábitos que não se imagina que possam existir fora da sociedade capitalista. Portanto, essa é uma luta por uma nova hegemonia, uma nova cultura. São necessárias transformações civilizacionais, e é por meio de uma luta de civilização que o capitalismo vai, eventualmente, cair. Mas não será já. Por exemplo, a crise financeira mostrou exatamente a capacidade de fôlego e de renovação interna que o capitalismo tem. Ele não tem princípios – só tem um, o lucro. Por isso que o capitalismo é, por essência, antidemocrático. Ele tolera a democracia enquanto ela for irrelevante para a proteção dos seus interesses. No momento em que ela ameaçar o desenvolvimento dos seus interesses, o capitalismo pode se transformar em anti-democrático.
Mas o fatos dos bancos terem recorrido ao Estado não muda o cenário do capitalismo mundial?
A partir de uma leitura marxista de Estado não há nenhuma surpresa. O Estado está aí para segurar o capital, e obviamente o Estado americano sustentou o capital financeiro. É aí que podemos discutir em que fase do capitalismo estamos. Nesse ponto eu concordo com os meus colegas. Acho que estamos numa fase particularmente perdedora do capitalismo. E, historicamente, uma certa derrocada do capitalismo acontece fundamentalmente nos momentos em que o capital financeiro começa a dominar o capital produtivo. Foi assim no declínio da Inglaterra, e hoje cremos que pode vir a dar-se a crise desse sistema. A palavra mais demonizada dos últimos tempos foi a “nacionalização”. No entanto, os homens de Wall Street não
hesitaram em aceitar a nacionalização da grande empresa de seguros A&G e de alguns bancos. Foram salvos exatamente pelo Estado. Ou seja, não há princípios, há resultados, há lucros. Essa crise não foi superada, pois, agora, foi aparentemente resolvida pelo capital financeiro. O presidente Obama declara que tem que haver uma regulação do capital financeiro porque a situação não é admissível para os cidadãos. Isso, mesmo numa democracia tão limitada como a norte-americana, em que tantos trilhões de dólares foram injetados no sistema financeiro para obter lucros fabulosos e se distribuir bônus e subsídios aos seus executivos, como faziam antes. Então, nada mudou. Essa é a primeira razão para mostrarmos que temos que ter uma certa prudência quando declararmos as fases finais do capitalismo. Temos que continuar a lutar, mas sabendo que esse é um sistema que tem uma capacidade histórica de se renovar. A segunda razão pela qual nada mudou é que a esquerda nas duas últimas décadas comprou as teses neoliberais. Aquela esquerda que tem a pretensão de chegar ao governo em muitos países – com exceção de alguns países do continente, como Equador, Bolívia ou Venezuela – acabou por aceitar que o mercado é um princípio de eficiência fundamental, que é melhor que o Estado, que a desregulação é importante, que a iniciativa privada é importante. Ou seja, a esquerda ficou desarmada.
Como o senhor vê o papel da China nessa nova conjuntura político-econômica? Ela tem potencial para redefinir a geopolítica mundial?
Tem, sim, e estamos a falar de mais de um quinto da população mundial, com uma parcela significativa da humanidade. Esse país tem uma grande capacidade de ser uma força internacional. Ao contrário dos países ocidentais, injetou dinheiro na economia produtiva e, portanto, é o primeiro país a sair da crise. Com um crescimento que, calcula-se, será de 9% neste ano. Entre suas limitações está a disjunção entre o sistema político e econômico. É um sistema do lucro, do egoísmo, governado por um partido único autoritário que tem outras lógicas de funcionamento. Por quanto tempo essa disjunção vai existir? A China vai ser uma influência boa e má. Boa no sentido de moderar os instintos imperialistas dos Estados Unidos. Mas isso não é garantia que não possa vir a prejudicar outros interesses da humanidade.
Quando Barack Obama ganhou as eleições presidenciais, o senhor escreveu um artigo falando do valor simbólico da vitória. Passado um ano de governo, recém-completado, qual é o balanço que o senhor faz, tanto da política interna quanto externa?
Nesse artigo eu já mostrava alguma distância em relação ao Obama. É curioso que fui talvez uma das primeiras pessoas a escrever colunas internacionais que não “embandeiraram arco”, como a gente diz em Portugal, com a eleição de Obama. É claro que simbolicamente há um poder enorme, porque, não ele, mas sua mulher, é descendente de escravos, e, assim, entra na Casa Branca uma descendente dos escravos que construíram a mesma Casa Branca. E isso é de um valor simbólico notável, do mesmo modo que é chegar um operário ao governo no Brasil. Mas um ano depois, o que vemos é que, por mais inteligente que seja um homem – e ele é o melhor aluno de Harvard até hoje –, por mais que ele tenha uma capacidade retórica impressionante, quando chega ao poder fica totalmente enredado a esse poder. Ao fim desse primeiro ano de mandato só temos desilusões. De fato, não há nada de positivo. Quando da crise financeira, o Obama ainda era candidato e o vi na televisão rodeado pelos grandes homens do Goldman Sachs [um dos maiores bancos de investimento do mundo], que são hoje seus consultores. Portanto, ainda como candidato ele deu sinais de que não ia mudar a política do país. Mas foi pior do que aquilo que se esperava, na medida em que ele tinha um perfil de luta contra a guerra. Agora, o que se vê é que cada presidente dos Estados Unidos tem a sua guerra. O Obama também tem a sua. E esta, todavia, é quiçá mais perigosa que a guerra do Bush contra o Iraque. Porque é uma guerra no Afeganistão, onde historicamente ninguém ganha. E é uma guerra que se estende a um país que antes era amigo, o Paquistão, que está a ser desagregado devido à influencia dos EUA. Portanto, a desilusão no campo da guerra é total. A segunda desilusão é o comportamento em relação à América Latina. Não é desilusão porque eu não estava iludido, mas é evidente que muita gente ficou, porque Obama veio com um discurso completamente distinto, de estender a mão aos colegas latino-americanos. Mas a verdade é que a Quarta Frota continua e vieram as sete bases militares na Colômbia, que não têm nada a ver com a droga, nem sequer com a guerrilha. Elas estão orientadas basicamente para a biodiversidade desse continente, área estratégica para os Estados Unidos. Portanto, não pode ocorrer nada nesse continente que ponha em risco os seus interesses estratégicos ou o seu acesso aos recursos naturais.
Tatiana Merlino é jornalista
“A esquerda tem o poder político, mas a direita continua com o poder econômico”
Por Tatiana Merlino
Nos últimos dez anos, a América Latina se transformou na vanguarda da luta anti-imperialista: “foi o continente onde o socialismo do século 21 entrou na agenda política”. A análise é do intelectual português Boaventura de Sousa Santos, que vê grandes avanços no domínio político e “alguns avanços sociais” durante a década passada no continente latinoamericano. No entanto, ele afirma estar receoso com início do novo decênio: “vejo sinais perturbadores”, diz, referindo-se à recente derrota eleitoral da “esquerda moderada” no Chile e ao crescimento da direita na Venezuela.
Doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale, Estados Unidos, e professor titular da Universidade de Coimbra, em Portugal, Boaventura é considerado um dos principais intelectuais da língua portuguesa na área de ciências sociais. Em conversa com a Caros Amigos, o português falou sobre a crise do capitalismo, o papel da China no novo cenário político-econômico mundial, as propostas de integração da América Latino, e criticou o primeiro ano do governo de Obama: “Agora, o que se vê é que cada presidente dos Estados Unidos tem a sua guerra”.
Diferentemente do que muitos analistas imaginavam, a crise financeira mundial não resultou no colapso do capitalismo. Como o senhor vê a situação daqui para a frente? O que podemos esperar?
Boaventura de Sousa Santos – Essa situação mostra duas coisas: uma, que o pensamento crítico e de esquerda deveria fazer uma moratória de uma ideia que anda sempre presente, que é a crise final do capitalismo. Quantas crises finais já vimos, quantas foram anunciadas? Meus amigos Immanuel Wallerstein e David Harvey já estão falando em crise final. É evidente que haverá um fim, mas é muito difícil imaginá-lo agora. Hoje, o capitalismo não é um modo de produção, e sim um modo de civilização. Temos hábitos que não se imagina que possam existir fora da sociedade capitalista. Portanto, essa é uma luta por uma nova hegemonia, uma nova cultura. São necessárias transformações civilizacionais, e é por meio de uma luta de civilização que o capitalismo vai, eventualmente, cair. Mas não será já. Por exemplo, a crise financeira mostrou exatamente a capacidade de fôlego e de renovação interna que o capitalismo tem. Ele não tem princípios – só tem um, o lucro. Por isso que o capitalismo é, por essência, antidemocrático. Ele tolera a democracia enquanto ela for irrelevante para a proteção dos seus interesses. No momento em que ela ameaçar o desenvolvimento dos seus interesses, o capitalismo pode se transformar em anti-democrático.
Mas o fatos dos bancos terem recorrido ao Estado não muda o cenário do capitalismo mundial?
A partir de uma leitura marxista de Estado não há nenhuma surpresa. O Estado está aí para segurar o capital, e obviamente o Estado americano sustentou o capital financeiro. É aí que podemos discutir em que fase do capitalismo estamos. Nesse ponto eu concordo com os meus colegas. Acho que estamos numa fase particularmente perdedora do capitalismo. E, historicamente, uma certa derrocada do capitalismo acontece fundamentalmente nos momentos em que o capital financeiro começa a dominar o capital produtivo. Foi assim no declínio da Inglaterra, e hoje cremos que pode vir a dar-se a crise desse sistema. A palavra mais demonizada dos últimos tempos foi a “nacionalização”. No entanto, os homens de Wall Street não
hesitaram em aceitar a nacionalização da grande empresa de seguros A&G e de alguns bancos. Foram salvos exatamente pelo Estado. Ou seja, não há princípios, há resultados, há lucros. Essa crise não foi superada, pois, agora, foi aparentemente resolvida pelo capital financeiro. O presidente Obama declara que tem que haver uma regulação do capital financeiro porque a situação não é admissível para os cidadãos. Isso, mesmo numa democracia tão limitada como a norte-americana, em que tantos trilhões de dólares foram injetados no sistema financeiro para obter lucros fabulosos e se distribuir bônus e subsídios aos seus executivos, como faziam antes. Então, nada mudou. Essa é a primeira razão para mostrarmos que temos que ter uma certa prudência quando declararmos as fases finais do capitalismo. Temos que continuar a lutar, mas sabendo que esse é um sistema que tem uma capacidade histórica de se renovar. A segunda razão pela qual nada mudou é que a esquerda nas duas últimas décadas comprou as teses neoliberais. Aquela esquerda que tem a pretensão de chegar ao governo em muitos países – com exceção de alguns países do continente, como Equador, Bolívia ou Venezuela – acabou por aceitar que o mercado é um princípio de eficiência fundamental, que é melhor que o Estado, que a desregulação é importante, que a iniciativa privada é importante. Ou seja, a esquerda ficou desarmada.
Como o senhor vê o papel da China nessa nova conjuntura político-econômica? Ela tem potencial para redefinir a geopolítica mundial?
Tem, sim, e estamos a falar de mais de um quinto da população mundial, com uma parcela significativa da humanidade. Esse país tem uma grande capacidade de ser uma força internacional. Ao contrário dos países ocidentais, injetou dinheiro na economia produtiva e, portanto, é o primeiro país a sair da crise. Com um crescimento que, calcula-se, será de 9% neste ano. Entre suas limitações está a disjunção entre o sistema político e econômico. É um sistema do lucro, do egoísmo, governado por um partido único autoritário que tem outras lógicas de funcionamento. Por quanto tempo essa disjunção vai existir? A China vai ser uma influência boa e má. Boa no sentido de moderar os instintos imperialistas dos Estados Unidos. Mas isso não é garantia que não possa vir a prejudicar outros interesses da humanidade.
Quando Barack Obama ganhou as eleições presidenciais, o senhor escreveu um artigo falando do valor simbólico da vitória. Passado um ano de governo, recém-completado, qual é o balanço que o senhor faz, tanto da política interna quanto externa?
Nesse artigo eu já mostrava alguma distância em relação ao Obama. É curioso que fui talvez uma das primeiras pessoas a escrever colunas internacionais que não “embandeiraram arco”, como a gente diz em Portugal, com a eleição de Obama. É claro que simbolicamente há um poder enorme, porque, não ele, mas sua mulher, é descendente de escravos, e, assim, entra na Casa Branca uma descendente dos escravos que construíram a mesma Casa Branca. E isso é de um valor simbólico notável, do mesmo modo que é chegar um operário ao governo no Brasil. Mas um ano depois, o que vemos é que, por mais inteligente que seja um homem – e ele é o melhor aluno de Harvard até hoje –, por mais que ele tenha uma capacidade retórica impressionante, quando chega ao poder fica totalmente enredado a esse poder. Ao fim desse primeiro ano de mandato só temos desilusões. De fato, não há nada de positivo. Quando da crise financeira, o Obama ainda era candidato e o vi na televisão rodeado pelos grandes homens do Goldman Sachs [um dos maiores bancos de investimento do mundo], que são hoje seus consultores. Portanto, ainda como candidato ele deu sinais de que não ia mudar a política do país. Mas foi pior do que aquilo que se esperava, na medida em que ele tinha um perfil de luta contra a guerra. Agora, o que se vê é que cada presidente dos Estados Unidos tem a sua guerra. O Obama também tem a sua. E esta, todavia, é quiçá mais perigosa que a guerra do Bush contra o Iraque. Porque é uma guerra no Afeganistão, onde historicamente ninguém ganha. E é uma guerra que se estende a um país que antes era amigo, o Paquistão, que está a ser desagregado devido à influencia dos EUA. Portanto, a desilusão no campo da guerra é total. A segunda desilusão é o comportamento em relação à América Latina. Não é desilusão porque eu não estava iludido, mas é evidente que muita gente ficou, porque Obama veio com um discurso completamente distinto, de estender a mão aos colegas latino-americanos. Mas a verdade é que a Quarta Frota continua e vieram as sete bases militares na Colômbia, que não têm nada a ver com a droga, nem sequer com a guerrilha. Elas estão orientadas basicamente para a biodiversidade desse continente, área estratégica para os Estados Unidos. Portanto, não pode ocorrer nada nesse continente que ponha em risco os seus interesses estratégicos ou o seu acesso aos recursos naturais.
Tatiana Merlino é jornalista
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