Enviado por Kamadon e Attman:
Entrevista especial com Ahmad Ali
Naturalizado brasileiro, o palestino nascido em Asira Eshamaleya e fundador da Mesquita de Porto Alegre, Ahmad Ali vive no Brasil desde 1955 e afirma amar e defender a sua religião. Para ele, o Islamismo tem o projeto mais completo para a paz da humanidade, pois "o próprio profeta Mohamed buscou o entendimento entre todas as religiões existentes em sua época, na Arábia, e deu a liberdade para cada comunidade e para cada povo seguir a sua religião".
Ahmad Ali, que estará presente no IHU, nesta sexta-feira, 14, para o segundo encontro do programa Religiões do Mundo, sobre Islamismo, reconhece, nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone, porém, que hoje é necessário diferenciar entre o Islã e os muçulmanos, "lamentavelmente". "Já temos muçulmanos 'picaretas' e oportunistas o bastante", afirma. Mas defende que os muçulmanos, em sua história, mostraram "que são gente de paz, sempre reconhecendo os direitos dos outros". Nesse sentido, ressalta o valor do Alcorão, "que recomenda a igualdade racial e da humanidade e a liberdade do ser humano".
Com formação em Direito e advocacia, Ahmad Ali é fundador da Mesquita de Porto Alegre e da Sociedade Islâmica de Porto Alegre. Também é diretor-fundador do Centro Cultural Islâmico do Rio Grande do Sul. Militante da causa palestina desde 1948, sua atuação também abrange outras áreas. Foi idealizador e fundador do Grupo de Diálogo Inter-Religioso de Porto Alegre, fundado em 1996, sendo um dos pioneiros no mundo. Além disso, é um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul e ministra cursos e palestras sobre Islamismo e o povo palestino em diversas universidades do Estado.
O encontro sobre Islamismo, do programa Religiões do Mundo, com a presença de Ahmad Ali, ocorre nesta sexta-feira, 14 de agosto, das 16h às 18h, na sala 1G119, na Unisinos. Veja aqui mais detalhes.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Nesta sexta, o senhor estará presente no IHU para debater o papel do Islamismo na sociedade de hoje e a construção de uma possível ética mundial que perpassa todas elas. O senhor acha que é possível chegar a esse consenso entre as religiões?
Ahmad Ali - Se todas as religiões querem construir um caminho para a solução pacífica, para encontrar a paz, elas têm condições, já que as religiões têm milênios de anos e começaram a fazer política desde aquele tempo até o presente momento. O caminho delas, neste momento, é dialogar e encontrar soluções que estão em suas próprias mãos.
IHU On-Line - Que aspectos principais o senhor destacaria que caracterizam o Islamismo?
Ahmad Ali - O Islamismo, através de sua mensagem divina, falou em busca da paz. Isso está escrito letra por letra. Muitos muçulmanos diferem da religião islâmica, mas não dá para acusar nenhuma religião de violenta e massacrar o ser humano. A responsabilidade é do ser humano, e não da religião. O Islamismo acredita num ser maior, que é Deus, que para nós é Alá. Somos diferentes das demais religiões porque identificamos Deus como ser superior. O islamismo implanta, fortalece e se baseia nas suas mensagens divinas para encontrar o mais importante: valorizar o ser humano. A religião islâmica é uma coisa, enquanto o mundo, o povo islâmico é diferente.
IHU On-Line - Quem é Maomé para um muçulmano de hoje?
Ahmad Ali - Para nós, Mohamed foi quem recebeu as mensagens divinas pelo anjo Gabriel. As mensagens divinas são as palavras de Deus que estão escritas no Alcorão Sagrado. Para nós, Mohamed é um profeta e foi quem implantou a verdadeira mensagem divina para toda a humanidade. Essa é a diferença entre o Islamismo e as demais religiões. Porque o Judaísmo e o Cristianismo receberam a mensagem divina de Moisés, e Moisés vem diretamente só para o Judaísmo e o Cristianismo. Mohamed veio para toda a humanidade.
IHU On-Line - Que aspectos da vida de Mohamed são fundamentais para um fiel do século 21?
Ahmad Ali - O mais importante neste momento é que muitos muçulmanos continuam acreditando na mensagem divina conforme ela é. Mohamed recomendou a todos os muçulmanos, todos os religiosos e lideranças religiosas que busquem o mais importante: o conhecimento, a ciência, o progresso e a paz para toda a humanidade. Essa é a mais importante mensagem divina de Mohamed para o século XXI. Queremos a paz, queremos o progresso, queremos a humanidade toda em busca do mais importante: a fraternidade entre todas as nações e todos os povos, sejam eles cristãos, judeus, budistas ou hinduístas, pois queremos que todos eles convivam pacificamente ou que busquem aqueles que venham ao encontro de um dos anseios da humanidade, que é paz.
IHU On-Line - Como o Islamismo interpreta os grandes desafios da humanidade de hoje, as crises econômica, política, ambiental etc., a partir do Alcorão?
Ahmad Ali - Não podemos negar nunca que o Judaísmo é a primeira mensagem divina que veio. Em seguida, veio o Cristianismo, e ele tem as suas bases também na religião judaica. Agora, as bases do Islamismo vêm diretamente das mensagens divinas de Deus ao anjo Gabriel, que foram transmitidas a Mohamed. A diferença é que as mensagens divinas islâmicas são totalmente diferentes das mensagens divinas de judeus e de cristãos. Hoje em dia, o Islamismo busca o mais importante, que é a solução pacífica e o diálogo. A religião islâmica deve ser diferenciada dos muçulmanos, pois os países islâmicos, atualmente, enfrentam uma grande dificuldade para sobreviver, com a violência e a discriminação, sem qualquer perspectiva para os muçulmanos. O mais importante para os muçulmanos é viver em paz. O povo muçulmano, neste momento, busca a sua liberdade, sem violência e sem agressão. Queremos viver em paz. Os países islâmicos, neste momento, enfrentam agressões, perseguições e ignorância, mas a religião islâmica tem como bandeira mais importante a paz, a bandeira de entendimento entre todos os povos.
IHU On-Line - Que possíveis respostas esse livro sagrado pode oferecer?
Ahmad Ali - O Alcorão oferece todo o futuro do ser humano. O conteúdo do Alcorão Sagrado recomenda a construção de um futuro. Ele demonstra que temos que trabalhar hoje para colher amanhã. Não podemos ficar patinando atrás de falsos religiosos que recomendam X e Y, totalmente diferente do Alcorão Sagrado, que recomenda a igualdade racial e da humanidade e a liberdade do ser humano.
IHU On-Line - Vivemos em um país em que o respeito à liberdade religiosa é relativamente grande. Por isso, às vezes somos surpreendidos pelas disputas religiosas em outros países. Qual a sua opinião sobre a divisão existente entre sunitas e xiitas?
Ahmad Ali - O Islamismo busca a paz e vai mostrar para o mundo a verdadeira justiça. Condeno totalmente qualquer diferença. Se sou muçulmano e sou sunita, sou, porém, um muçulmano que acredita na valorização do ser humano. Acho que tanto sunitas quanto xiitas têm o direito de pensar diferente, pois as grandes diferenças entre eles são os conflitos. Mas eles estão desmoralizando o Islã e a caminhada do povo islâmico em busca de unidade, da liberdade. Um deve reconhecer o direito do outro, e não pode impor que o outro deva ser sunita ou xiita. Todos temos o direito de pensar diferente. Mas o mais importante é que eles sigam as palavras escritas no Alcorão Sagrado. E eu duvido que eles, até hoje, as estejam seguindo.
IHU On-Line - Hans Küng, idealizador do projeto de ética mundial, de onde surgiram os filmes do programa "Religiões do Mundo", defende que só haverá paz no mundo se houver paz entre as religiões. Que contribuições o Islamismo apresenta para que essa paz entre as religiões seja possível?
Ahmad Ali - O Islamismo tem o projeto mais completo para a paz da humanidade. O próprio profeta Mohamed buscou o entendimento entre todas as religiões existentes naquela época, na Arábia - havia o Cristianismo e o Judaísmo - e deu a liberdade para cada comunidade e para cada povo seguir a sua religião. Os judeus tinham a sua própria justiça separada, os cristãos tinham a própria justiça, o Islamismo também. E para não discriminar, se algum judeu ou cristão cometesse algum ato violento ou de discriminação, quem julgava não era muçulmano. Então, juízes judeus julgavam os judeus, quem julgava os cristãos eram juízes cristãos. Essa é a mensagem de Mohamed. Quando os muçulmanos ocuparam a Península Ibérica mostraram que são gente de paz, sempre reconhecendo os direitos dos outros. E, depois, quando os muçulmanos ocuparam Jerusalém, nosso segundo profeta deu garantias completas para todos os povos residentes na cidade de Jerusalém.
IHU On-Line - Mais especificamente, como é ser muçulmano no Brasil, terra de liberdade de costumes e de sincretismo religioso?
Ahmad Ali - Depende de cada muçulmano, porque nem todos os muçulmanos são iguais. Eu me considero convivendo em um país que deve respeitar seus costumes, a liberdade, e reconhecer o direito de cada um decidir o que fazer e o que não fazer, a partir do momento em que ele cumpre integralmente a constituição brasileira. Nós, muçulmanos, temos a obrigação de respeitar a constituição do Estado brasileiro conforme ela é. Não podemos nos impor diante de um país que tem quase 200 milhões de habitantes, com uma minoria islâmica. Temos que nos adaptar com a realidade das nossas comunidades, nossa cultura, educação e nossas tradições.
IHU On-Line - Uma pergunta mais pessoal: o que é o Islamismo para o senhor?
Ahmad Ali - O muçulmano é um ser humano igual ao outros, mas me refiro àquele verdadeiro crente, porque já temos muçulmanos "picaretas" o bastante. Temos muitos muçulmanos oportunistas. O verdadeiro muçulmano é aquele que olha para todos os lados e enxerga todos com igualdade e não pode discriminar X ou Y, se é muçulmano ou não, se é negro ou branco, amarelo ou vermelho. Esse é o verdadeiro muçulmano. Os muçulmanos têm seus defeitos. Estamos vivendo em países islâmicos que têm muita violência, não temos paz e liberdade em nenhum país. Ditaduras oportunistas exploram o homem muçulmano. Mas estamos falando sobre o Islã, e este eu respeito. Os muçulmanos, lamentavelmente, deixam a desejar.
IHU On-Line - Qual a sua história pessoal como fiel muçulmano?
Ahmad Ali - Sou palestino. Vim para o Brasil em 1955. Eu amo e defendo minha religião. A religião islâmica quer, antes de mais nada, mostrar ao mundo que a religião tem que estabelecer as bases da verdade, da seriedade, da educação, da tradição dentro dos países que são 90% muçulmanos, que sofrem, todos os dias, perseguição, violência, restrição da liberdade. Todos os meus cinco filhos seguem a religião islâmica, mas todos com uma visão diferente de muitos muçulmanos. Nós trabalhamos e buscamos as raízes da nossa educação, da nossa cultura no próprio Alcorão Sagrado, na própria religião islâmica. Não queremos ser melhores do que ninguém. Temos que mostrar que somos melhores se temos justiça, liberdade, senão temos violência, perseguição e ditaduras, que eu condeno totalmente.