quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

"OS DIATADORES DA FÉ"

Postado por Kamadon

RETIRADO DA CARTA DE PAULO AOS ROMANOS



Já que sou apóstolo para os não judeus, tenho orgulho do meu trabalho. Talvez eu possa fazer que os da minha própria raça fiquem com ciúme, e assim seja possível salvar alguns deles.
Capítulo 11 – versículo 13 a 14





Deixe-me contar uma história e interessante. Já a contei muitas vezes, mas quando se fala de religioso e não religioso, de fé e não fé, ela é muito importante. Por isso vou contar novamente.

Havia uma moça na China que era prostituta e recebia todos os homens na sua casa. Um dia, um monge que tinha sua casa em frente à dela, descobriu que ela era prostituta e foi lá e brigou com ela. 'Você não pode fazer isso, pois é contra a lei de Deus; está dormindo com os homens dos outros'. O monge a ofendeu a vontade.

Ela disse: 'desculpa monge, não sabia disso. Se soubesse que era contra a lei de Deus, jamais teria feito, pois amo a Deus. Vou me consertar'.

Ela parou de receber os homens mas aí ficou sem dinheiro para comer. Não arrumava mais nada para fazer na vida e ninguém lhe dava um tostão. Por isso, quando estava quase morrendo de fome, não teve jeito: voltou a receber homens. Só que quando cada homem saia, ela ia para o altar e conversava com Deus. Explicava a ele da sua necessidade e pedia perdão.

O monge sabendo que ela tinha voltado a receber homens, foi lá e novamente a humilhou. Ela se explicou: 'mas monge, eu não consigo outra forma de ganhar dinheiro, o senhor pode me ajudar? Ele disse: 'não, nós já temos muitas despesas no templo... Temos que comer, que fazer as oferendas para Deus, que comprar incenso, fazer velas... Por isso não posso lhe ajudar'.

Além de negar o auxílio, o monge disse: 'mas sua situação não justifica seu ato. Você não pode receber homens'. Mas, mais do que lhe dar o código legal, como todo legislador, decretou uma sentença: 'vou colocar na porta da sua casa uma pedra para cada homem que entrar. Assim, ao olhar essa pedra, terá consciência do que está fazendo'.

Isso não mudou a realidade da prostitua, pois não tinha outra forma de viver. Ela continuou recebendo homens e pedindo desculpas a Deus...

Um dia, os monge e a prostitua morreram na mesma hora. Neste momento, o monte de pedras na porta da casa da prostituta estava mais alto que a própria casa....

Na hora em que os dois morreram, foram atendidos por anjos. Enquanto o anjo que carregava o monge descia para o inferno, o com a prostituta era levada para o Céu. Aí o monge contestou: 'não, isso é impossível! Eu sou um monge. Levei minha vida dedicada a oferecer sacrifícios a Deus. Porque ela está subindo e estou descendo'?

E o anjo disse à ele: porque o seu coração está muito pesado com todas aquelas pedras.

É isso que Paulo está nos ensinando. Deus não quer sacrifícios, não quer religiosidade; Ele quer corações leves...

Deus não quer ditadores que em nome Dele imponham ao próximo ações. O que Ele quer, na realidade, é que cada um ame o próximo como a si mesmo.

"Saudades do comunismo"

Postado por Attman e Kamadon

Leandro Fortes *

Não deixa de ser engraçado - e emblemático - o pavor físico que a presença de Hugo Chávez na presidência da Venezuela provoca numa quantidade razoável de colunistas e analistas de aleatoriedades políticas que abundam na imprensa brasileira. De certa forma, o chavismo veio suprir a lacuna deixada pelo comunismo como doutrina do medo, expediente muito caro à direita no mundo todo, mas que no Brasil sempre oscilou entre o infantilismo ideológico e o mau caratismo. Antes do fim dos regimes comunistas da União Soviética e de seus países satélites, no final dos anos 1980, era fácil compor um bicho-papão guloso por criancinhas, ateu e cruel, prestes a ocupar condomínios de luxo com gente grosseira e sem modos, a mijar nas piscinas e sujar o mármore dos lavabos com graxa e estrume roubado a latifúndios expropriados. Ao longo dos anos 1990, muita gente ainda conseguiu sobreviver falando disso, embora fosse um discurso maluco sobre um mundo que não mais existia. Entende-se: certos vícios, sobretudo os bem remunerados, são difíceis de largar.

No vasto império da América do Norte, onde o fim do comunismo também foi comemorado como o fim da História, os falcões republicanos perceberam de cara que seria inviável continuar a assustar os eleitores com o fantasma débil e inacabado da ditadura de Fidel Castro, esse sujeito que, incrivelmente, ainda faz sujar as calças dos ruralistas brasileiros e de suas penas de aluguel. Por essa razão, e para manter azeitado o bilionário negócio de venda de armas, os americanos inventaram a tal guerra contra as drogas, cujo resultado prático, duas décadas depois, vem a ser o aumento planetário da produção e do consumo de todo tipo de entorpecente, da maconha às super anfetaminas. O Brasil, claro, embarcou na mesma canoa furada, quando, assim como no resto da América Latina de então, o presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu militarizar o comando do combate às drogas no país - o que, aliás, não mudou muito. Na Secretaria Nacional de Políticas Antidrogas (Senad), da Presidência da República, reina soberano, desde o governo FHC, o general Paulo Roberto Uchoa.

Georg W. Bush usou o medo do terrorismo para também suprir a ausência da ameaça comunista, embora não tenha sequer tido o cuidado de mudar os métodos, baseados na mentira e na tortura, nem sempre nessa ordem. Assim foi, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, com as invencionices sobre as armas de destruição de massa do Iraque e a prisão de Guantánamo, em Cuba, uma espécie de Auschwitz hightech. Ao sul do Equador, consolidou o tal Plano Colômbia, um desaguadouro de dólares cujo pretexto é o combate às drogas, embora qualquer índio isolado da fronteira saiba que o país de Gabriel García Márquez se tornou um estado preposto dos EUA, um Israel sulamericano. No fim das contas, uma estratégia para se opor ao "perigo chavista", embora não haja nenhum argumento realmente sério que sustente essa novíssima e encomendada paranóia tão bem nutrida pelas elites locais.

O mote agora, replicado aqui e acolá por analistas apavorados, é a sombra de Hugo Chávez sobre Honduras, onde um golpe de Estado passou a ser descaradamente justificado nesse contexto. Graças aos golpistas, visivelmente uma elite branca e desesperada, como aquela que faz manifestações trajando jogging em Caracas, o chavismo teria sido abortado em Honduras, antes que virasse coisa como a Bolívia, o Equador e o Paraguai - ou seja, repúblicas perigosamente dominadas por governos populares. São os novos comunistas, revolucionários da pior espécie porque, justamente, abriram mão das revoluções para tomar o poder pela via do voto, da democracia. E, pior, muitos são cristãos.

Quando tucanos e pefelistas se mobilizaram, inclusive à custa de compra de votos, para aprovar o projeto de reeleição de FHC, em 1997, os editoriais e colunas da mídia nacional se desmancharam em elogios e rapapés. Saudaram a quebra da regra eleitoral como um alento à democracia e condição essencial à continuidade do desmonte do Estado e à privatização dos setores estratégicos da economia, a qualquer custo. Quando o assunto é Chávez, no entanto, qualquer movimento institucional, todos previstos nas regras constitucionais da Venezuela, é golpe. Reeleição? É golpe. Plebiscito? É golpe. TV pública? É golpe. Usar o dinheiro do petróleo em projetos populares? Isso, então nem se fala: é mais do que golpe, é covardia.

As tentativas de re-reeleição de Álvaro Uribe, na Colômbia, contudo, ainda passeiam no noticiário brasileiro como "nova reeleição" do corajoso cruzado contra os narcoguerrilheiros das Farc. No Brasil, a simples insinuação de que Lula pudesse querer o mesmo virou o "golpe do terceiro mandato". Em Honduras, as multidões contrárias ao golpe contra o presidente Zelaya são chamadas de "manifestantes contrários ao governo interino". Mais ou menos o que acontece com a resistência iraquiana à invasão das tropas americanas, cujos membros foram singelamente apelidados de "insurgentes" pelo jornalismo nacional.

Os tempos do anticomunismo eram estúpidos, mas pelo menos a gente sabia do que os idiotas tinham medo, de verdade.

[Autor dos livros Jornalismo Investigativo, Cayman: o dossiê do medo e Fragmentos da Grande Guerra, entre outros. Mantém um blog chamado ‘Brasília, eu vi’].


* Jornalista, professor e escritor

"Pós-FSM: celebração e futuro"

Postado por Attman e Kamadon

Selvino Heck *

Olívio Dutra, governador do Estado do Rio Grande quando da realização do 1º Fórum Social Mundial (FSM) em 2001, contou uma história no painel de abertura dos 10 anos: "Estes dias, quando veraneava na colônia de férias dos bancários do BANRISUL, fiz uma caminhada pela praia com meu neto de cinco anos. Toda vez que encontrava um papel no chão, eu o ajuntava para colocá-lo na cesta do lixo. Quando chegamos em casa, meu neto perguntou: ‘Mas vô, por que só o senhor ajunta coisas na praia e os outros não fazem isso?’ Respondi que era para dar o exemplo a todos e que a gente sempre precisa fazer as coisas certas. Aí, no dia seguinte, encontrei um companheiro, destes de longa data, petista de carteirinha, que estava comendo uma bala. Daqui a pouco ele larga o papel da bala no chão. Aí eu disse: ‘Mas meu companheiro, se a gente não cuida das pequenas coisas, como é que a gente vai cuidar das grandes e mudar o mundo?’ E ajuntei o papel do chão, ele todo envergonhado".

O Fórum Social Mundial 10 anos, realizado no final de janeiro em Porto Alegre, foi mesmo uma celebração. Da mesa de abertura, com personalidades que em 2001 estiveram na linha de frente de sua realização, passando pela caminhada cheia de energia que partiu do centro da capital gaúcha, com milhares de pessoas, até a Usina do Gasômetro, os debates descentralizados em diferentes cidades da Região Metropolitana, foi um grande encontrar-se de pessoas, culturas e histórias de vida, com grande animação e entusiasmo.

Como disse a ativista uruguaia Lílian Celiberti, nem sempre as agendas dos movimentos coincidem com as agendas dos governos conquistados; é necessário cuidarmo-nos mutuamente e cuidar da esperança. Rafaela Bollini, da Itália, contou que o primeiro Fórum mudou sua vida, ajudou-a a ter uma visão de mundo, e que há hoje uma grande responsabilidade da América Latina e do Brasil. "Em 2001 éramos todos considerados subversivos, agora o próprio sistema dominante sabe que é preciso mudar." Cândido Gribowsky falou que é preciso pôr em questão o Estado-Nação e o modo como se pensam as relações sociais. O diálogo inter-movimentos ainda precisa ser desenvolvido. "Como construir novos movimentos sociais para construir novas hegemonias?" Para Olívio Dutra, o Estado deve ser controlado pela sociedade com uma democracia participativa e não o Estado controlando os movimentos. João Pedro Stédile disse que o FSM nasceu de forma coletiva, uma verdadeira feira de debates, sem exclusões e que ele contribuiu na derrota ideológica co neoliberalismo. Por outro lado, diz Stédile, o Fórum não conseguiu acumular programa mais positivo, assim como promover ações de massa em nível internacional. Faltou capacidade de aglutinar forças para propostas anti-imperialistas. A conjuntura internacional é difícil. Continua a hegemonia do capital, que com sua experiência histórica usa o Estado para readequar-se na crise.

Márcio Pochmann, presidente do IPEA, em oficina com o Movimento dos Trabalhadores Desempregados, afirmou que o Brasil não fez a revolução burguesa. Nunca foi uma sociedade de rupturas. Os acertos sempre se dão por cima. Temos apenas 25 anos de experiência democrática continuada, numa democracia representativa, pouco participativa. As elites brasileiras têm dificuldade de aceitar o povo brasileiro.

Cláudio Nascimento, da Rede TALHER de Educação Cidadã, disse que é preciso construir a utopia concreta, com os pés no chão, o que Paulo Freire chamou de inédito viável. É preciso ser radicalmente contra o pragmatismo e pensar uma comunidade latinoamericana. A utopia concreta precisa: ser assentada na socialização e no controle do processo produtivo; deve haver a socialização do poder político, com a construção de um Estado ético, político, democrático; e haver uma libertação ético-cultural, um reencantamento. O caminho é um método democrático com articulação da educação popular com as políticas públicas, a construção de uma esfera pública articulada com a esfera popular.

Foram incontáveis mesas, debates, painéis sobre todos os temas possíveis e imagináveis. E aconteceu o Acampamento da Juventude em Novo Hamburgo, com milhares de participantes, as Feiras da Economia Solidária em Santa Maria, Bento Gonçalves e Canoas. E os shows em todos os municípios, sempre com grande presença de povo e muita alegria.

As palavras de Olívio Dutra foram ao mesmo tempo simbólicas e proféticas. Simbólicas, porque fazem do pequeno gesto um grande gesto e um aprendizado a todas as crianças e jovens. Não basta fazer belos discursos ou ter intenções planetárias. É ligar o local ao global, o regional ao nacional e mundial. Proféticas, porque trazem a urgência de todos e todas termos atitudes em relação ao clima, à natureza e ao meio ambiente, a consciência transformada em prática concreta e diária: cidadãos e cidadãs, governantes e militantes. O futuro do planeta e a sobrevivência da humanidade estão em jogo.

Pode-se dizer que o FSM-10 anos renovou a esperança. Todos estão atentos aos acontecimentos de Honduras, do Haiti, à necessidade da consolidação da democracia, à construção de um outro projeto de desenvolvimento e de sociedade, um outro mundo possível. Há uma sociedade vigilante, há movimentos sociais que se (re)organizam. O próximo Fórum, no Senegal em 2011, poderá avançar. Porque nos primeiros 10 anos o Fórum passou pelo teste e foi aprovado.


* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política

"Economia e Vida (I): a missão"

Postado por Attman e Kamadon

Jung Mo Sung *

Nas próximas semanas, uma boa parte das comunidades católicas e de outras Igrejas que participam da Campanha da Fraternidade Ecumênica vai começar a debater sobre "economia e vida". Eu gostaria de contribuir nessa discussão com uma série de artigos (espero que eu possa manter o ritmo semanal) sobre o tema da CF.
Quero começar com a pergunta: qual é o assunto central da CF? Muitos poderão responder rapidamente que é a economia. Respostas rápidas assim podem nos levar a repetir os velhos esquemas mentais e nos fazer a reduzir a CF a discussões sobre temas e questões econômicas, como por ex., o desemprego, pobreza, economia solidária etc.

Entretanto, o tema proposta pela CF não é economia, mas sim a relação entre "economia e vida", vista na perspectiva da fé cristã. Eu gostaria de destacar aqui duas dimensões dessa relação: a) a materialidade da vida; b) o aspecto teológico-espiritual da economia.


Há em muitas tradições religiosas, seja do Ocidente ou do Oriente, uma tendência de "espiritualizar" a noção de vida. Por exemplo, quando cristãos falam da salvação, uma grande parte pensa na salvação da alma. Isto é, estão preocupados com a vida eterna da alma. A vida que interessa realmente é a eterna de um "ser incorpóreo" (sem corpo). Com isso, a noção de vida vai se "espiritualizando" (no mal sentido), perdendo a sua dimensão corpóreo-material. Por isso, a missão das igrejas se concentra na evangelização ou na Pregação da Palavra entendidas como não tendo relação com aspectos materiais e econômicos da vida humana. A ação ou preocupação social em favor das pessoas pobres ou em necessidade se torna um complemento secundário à missão. O mais importante seria a salvação da alma.

Essa é uma das razões pela qual muitos grupos religiosos não se interessam pelo tema ou questões da economia nas suas discussões ou preocupações religiosas. Em grupos assim, o tema da CF deste ano não é importante para missão das Igrejas e será esquecido logo após a Campanha, se é que não será deixado de lado até mesmo no período da Campanha.

Essa separação é reforçada também, mesmo que inconsciente ou não intencionalmente, por grupos que assumem, em nome da sua fé, lutas econômicas e sociais, mas não conseguem elaborar um discurso religioso-espiritual capaz de articular de modo coerente a relação economia e fé. Esses grupos tendem a justificar as suas lutas e preocupações em nome da ética (bem-comum) ou da doutrina social da Igreja, mas não em relação à evangelização, salvação ou missão da Igreja. Infelizmente, muitos cristãos atuantes no campo econômico-social-político têm dificuldade em falar sobre evangelização, salvação ou missão, como se isso não fizesse parte do "cristianismo de libertação" ou como se "libertação" não tivesse muito a ver com salvação. (Provavelmente uma boa parte da responsabilidade disso cabe a teólogos, assessores e formadores).

A CF deste ano deve ajudar as comunidades a tomarem mais consciência da materialidade da vida e da íntima relação entre essa dimensão e a salvação. A Bíblia, diferentemente da filosofia grega que divide o ser humano em corpo X alma, nos ensina que, na criação, Deus insuflou nas narinas do ser humano "um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente" (Gn 2,7). Nós somos seres viventes e como tais lutamos contra a morte. E a imagem de "sopro de vida" nos lembra que a vida é o dom mais precioso que recebemos de Deus, que a vida vem de "dentro" de Deus (nosso Deus é Deus da Vida) e que, como sopro, a vida é algo frágil que precisa ser continuamente cuidada e preservada. Por isso, a Bíblia continua a narrativa dizendo que Deus fez brotar da terra "toda espécie de árvore formosa para ver e boas de comer". A vida humana é para ser vivida na formosura, beleza, e com boa comida partilhada.

É pela mesma razão que Jesus disse que veio para que todos nós tenhamos vida e a tenhamos em abundância (cf. Jo 1010), assim como nós celebramos na eucaristia a memória de Jesus, que viveu e lutou para que a mesa compartilhada fosse uma realidade para toda a humanidade e, por isso, deixou o seu corpo como comida e o seu sangue como bebida. E na missa católica apresentamos, na oferta, "o pão que é fruto da terra e do trabalho do homem".

A vida humana depende do trabalho e da "natureza", depende também de como funciona a economia. E salvar a vida contra as forças da morte e contra as mentiras (8º. mandamento, na versão da Igreja Católica e 9º na versão das Igrejas protestante) e idolatrias que justificam essas mortes em nome de falsos deuses das (2º/3o. mandamento) é a missão do cristianismo e das igrejas.

Se perdermos de vista a dimensão material-econômica da vida, perdemos de vista o ser humano real e concreto e, assim, perdemos o núcleo da missão cristã e o que faz valer a pena sermos cristãos hoje, apesar de tudo. (No próximo artigo, o aspecto teológico-espiritual da economia).

(Autor, entre outros, de "Se Deus existe, por que há pobreza?", Ed., Reflexão).


* Professor de pós-graduação em Ciências da Religião

"A crise em desdobramento e a relevância de Marx"

Postado por Attman e Kamadon

por István Mészáros



Alguns de vocês talvez tenham estado presentes na nossa reunião de Maio

deste ano neste edifício, quando recordei o que havia dito a Lucien Goldman,

em Paris, poucos meses antes do histórico Maio de 1968 francês. Em contraste

com a perspectiva então prevalecente do "capitalismo organizado", que se

supunha ter deixado para trás com êxito o estágio da "crise do capitalismo"

uma visão fortemente asseverada por Marcuse e nessa época também

partilhada pelo meu querido amigo Lucien Goldman insisti no facto de que, em

comparação com a crise em que estamos realmente a entrar, "a Grande Crise

Económica Mundial de 1929-1933" se parecer com "uma festa no salão de chá

do vigário".

Nas últimas semanas vocês tiveram uma antevisão do que eu tinha em mente.

Mas apenas uma antevisão, porque a crise estrutural do sistema do capital

como um todo, a qual estamos a experimentar na nossa época numa escala de

era, está destinada a ficar consideravelmente pior. Ela tornar-se-á na devida

altura muito mais profunda, no sentido de invadir não apenas o mundo das

finanças globais mais ou menos parasitárias como todos os domínios da nossa

vida social, económica e cultural.

A questão óbvia que devemos agora tratar refere-se à natureza da crise global

em desdobramento e as condições necessárias para a sua solução factível.

A CONFIANÇA E A FALTA DELA

Se tentarem recordar o que foi infindavelmente repetido nas últimas duas

semanas acerca da crise actual, há uma palavra que se destaca, ensombrando

todos os demais diagnósticos apregoados e os remédios correspondentes. Essa

palavra é confiança. Se ganhássemos uma nota de dez libras por cada vez que

esta palavra mágica foi oferecida para consumo público nas últimas duas

semanas em todo o mundo, sem mencionar a sua continuada reafirmação

desde então, estaríamos todos milionários. O nosso único problema seria então

o que fazer com os nossos milhões subitamente adquiridos. Pois nenhum dos

nossos bancos, nem mesmo os nossos bancos nacionalizados recentemente

nacionalizados ao custo considerável de não menos do que dois terços dos

seus activos de capital poderia fornecer a lendária "confiança" necessária ao

depósito ou ao investimento seguro.

Até o nosso primeiro-ministro, Gordon Brown, nos apresentou na semana

passada a frase memorável "Confiança é a coisa mais preciosa". Conheço a

cantiga e provavelmente a maioria de nós também a conhece que nos diz

que: "O amor é a coisa mais preciosa". Mas a confiança no sistema bancário

capitalista ser a coisa mais preciosa?! Tal sugestão é absolutamente perversa!

No entanto, a advocacia deste remédio mágico parece agora ser universal. A

palavra é repetida com tamanha convicção como se a "confiança" pudesse

simplesmente chover do céu ou crescer em grande abundância em árvores

financeiras "capitalistamente" bem adubadas.

Há três dias atrás (a 18 de Outubro) o programa da BBC das manhãs de

domingo o programa Andrew Marr entrevistou um eminente cavalheiro idoso,

Sir Brian Pitman, o qual foi apresentado como o antigo Chefe do negócio

bancário do Lloyd's. Eles não disseram quando ele liderou aquela organização,

mas o modo como falou logo o tornou claro. Pois transpirou através das suas

respostas respeitosamente recebidas que ele deve ter sido o Chefe do Lloyd's

Bank bem antes da Crise Económica Mundial de 1929-33. Consequentemente,

para encorajar os telespectadores, ele apresentou uma grande inovação

conceptual no discurso da confiança ao dizer que as nossas perturbações eram

todas elas devidas a alguma "Super-confiança". E imediatamente demonstrou

também o significado de "Super-confiança", ao afirmar, mais de uma vez

naquela curta entrevista, que não pode haver problemas sérios hoje, porque o

mercado sempre toma conta de tudo, mesmo que por vezes ele vá

inesperadamente muito abaixo. Posteriormente ele sempre sobe outra vez. De

modo que ele também fará isso desta vez, e subirá infalivelmente repetidas

vezes no futuro. A crise actual não deveria ser exagerada, disse ele, porque é

muito menos séria hoje do que a que experimentámos em 1974. Pois em 1974

tivemos uma semana de três dias de trabalho na Grã-Bretanha [ainda que em

nenhum outro lugar] e agora não temos isso. Temos? E quem poderia

argumentar contra aquele facto irrefutável?