quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

"Pós-FSM: celebração e futuro"

Postado por Attman e Kamadon

Selvino Heck *

Olívio Dutra, governador do Estado do Rio Grande quando da realização do 1º Fórum Social Mundial (FSM) em 2001, contou uma história no painel de abertura dos 10 anos: "Estes dias, quando veraneava na colônia de férias dos bancários do BANRISUL, fiz uma caminhada pela praia com meu neto de cinco anos. Toda vez que encontrava um papel no chão, eu o ajuntava para colocá-lo na cesta do lixo. Quando chegamos em casa, meu neto perguntou: ‘Mas vô, por que só o senhor ajunta coisas na praia e os outros não fazem isso?’ Respondi que era para dar o exemplo a todos e que a gente sempre precisa fazer as coisas certas. Aí, no dia seguinte, encontrei um companheiro, destes de longa data, petista de carteirinha, que estava comendo uma bala. Daqui a pouco ele larga o papel da bala no chão. Aí eu disse: ‘Mas meu companheiro, se a gente não cuida das pequenas coisas, como é que a gente vai cuidar das grandes e mudar o mundo?’ E ajuntei o papel do chão, ele todo envergonhado".

O Fórum Social Mundial 10 anos, realizado no final de janeiro em Porto Alegre, foi mesmo uma celebração. Da mesa de abertura, com personalidades que em 2001 estiveram na linha de frente de sua realização, passando pela caminhada cheia de energia que partiu do centro da capital gaúcha, com milhares de pessoas, até a Usina do Gasômetro, os debates descentralizados em diferentes cidades da Região Metropolitana, foi um grande encontrar-se de pessoas, culturas e histórias de vida, com grande animação e entusiasmo.

Como disse a ativista uruguaia Lílian Celiberti, nem sempre as agendas dos movimentos coincidem com as agendas dos governos conquistados; é necessário cuidarmo-nos mutuamente e cuidar da esperança. Rafaela Bollini, da Itália, contou que o primeiro Fórum mudou sua vida, ajudou-a a ter uma visão de mundo, e que há hoje uma grande responsabilidade da América Latina e do Brasil. "Em 2001 éramos todos considerados subversivos, agora o próprio sistema dominante sabe que é preciso mudar." Cândido Gribowsky falou que é preciso pôr em questão o Estado-Nação e o modo como se pensam as relações sociais. O diálogo inter-movimentos ainda precisa ser desenvolvido. "Como construir novos movimentos sociais para construir novas hegemonias?" Para Olívio Dutra, o Estado deve ser controlado pela sociedade com uma democracia participativa e não o Estado controlando os movimentos. João Pedro Stédile disse que o FSM nasceu de forma coletiva, uma verdadeira feira de debates, sem exclusões e que ele contribuiu na derrota ideológica co neoliberalismo. Por outro lado, diz Stédile, o Fórum não conseguiu acumular programa mais positivo, assim como promover ações de massa em nível internacional. Faltou capacidade de aglutinar forças para propostas anti-imperialistas. A conjuntura internacional é difícil. Continua a hegemonia do capital, que com sua experiência histórica usa o Estado para readequar-se na crise.

Márcio Pochmann, presidente do IPEA, em oficina com o Movimento dos Trabalhadores Desempregados, afirmou que o Brasil não fez a revolução burguesa. Nunca foi uma sociedade de rupturas. Os acertos sempre se dão por cima. Temos apenas 25 anos de experiência democrática continuada, numa democracia representativa, pouco participativa. As elites brasileiras têm dificuldade de aceitar o povo brasileiro.

Cláudio Nascimento, da Rede TALHER de Educação Cidadã, disse que é preciso construir a utopia concreta, com os pés no chão, o que Paulo Freire chamou de inédito viável. É preciso ser radicalmente contra o pragmatismo e pensar uma comunidade latinoamericana. A utopia concreta precisa: ser assentada na socialização e no controle do processo produtivo; deve haver a socialização do poder político, com a construção de um Estado ético, político, democrático; e haver uma libertação ético-cultural, um reencantamento. O caminho é um método democrático com articulação da educação popular com as políticas públicas, a construção de uma esfera pública articulada com a esfera popular.

Foram incontáveis mesas, debates, painéis sobre todos os temas possíveis e imagináveis. E aconteceu o Acampamento da Juventude em Novo Hamburgo, com milhares de participantes, as Feiras da Economia Solidária em Santa Maria, Bento Gonçalves e Canoas. E os shows em todos os municípios, sempre com grande presença de povo e muita alegria.

As palavras de Olívio Dutra foram ao mesmo tempo simbólicas e proféticas. Simbólicas, porque fazem do pequeno gesto um grande gesto e um aprendizado a todas as crianças e jovens. Não basta fazer belos discursos ou ter intenções planetárias. É ligar o local ao global, o regional ao nacional e mundial. Proféticas, porque trazem a urgência de todos e todas termos atitudes em relação ao clima, à natureza e ao meio ambiente, a consciência transformada em prática concreta e diária: cidadãos e cidadãs, governantes e militantes. O futuro do planeta e a sobrevivência da humanidade estão em jogo.

Pode-se dizer que o FSM-10 anos renovou a esperança. Todos estão atentos aos acontecimentos de Honduras, do Haiti, à necessidade da consolidação da democracia, à construção de um outro projeto de desenvolvimento e de sociedade, um outro mundo possível. Há uma sociedade vigilante, há movimentos sociais que se (re)organizam. O próximo Fórum, no Senegal em 2011, poderá avançar. Porque nos primeiros 10 anos o Fórum passou pelo teste e foi aprovado.


* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política

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