sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O SENTIDO DA VIDA

Postado por Kamadon

EXTRAÍDO DO ESTUDO DA CARTA DE PAULO AOS CORÍNTIOS 1



Se você acredita que exista uma vida depois da vida, pergunto: o que você espera dessa outra vida? Esse é um ponto fundamental para se pensar...

Se você já tem a consciência dessa nova existência, o que espera desta outra vida? Espera continuar morando na casa que tem hoje? Espera continuar vivendo no mesmo núcleo familiar de agora? Espera continuar tendo o seu carro para andar? Doce ilusão... Tudo que é material permanece aqui...

Conscientizando- se de que existe uma vida ativa depois da vida e que ela não é vivenciada com os mesmos elementos da que tem hoje, lhe pergunto: será que você está preparado para a outra vida? Será que você pode viver nessa outra vida?

Veja bem: se você está apegado a sua casa, como é que você vai viver a outra vida onde ela não existirá? Se você está apegado ao seu filho, depende dele estar por perto para sentir-se vivo, como é que vai viver essa outra vida se ele vai ficar aqui?

Portanto, não adianta só se dizer espírita, dizer que acredita no espírito, em re-encarnação. .. Tudo isso é muito bonito, mas de adianta dizer isso, se você não vivencia na vida de hoje o que diz acreditar...

Sabem como vocês vivem? 'Eu sou espírita, acredito nos ensinamentos do espiritismo, mas só quando eu morrer vou me preocupar em colocá-los em prática. Agora vou me preocupar em viver essa vida material'.

Veja, se você vai viver a eternidade como espírito, para que se preocupar em viver a vida material se ela vai acabar daqui a pouco? Não seria mais lógico, não seria mais inteligente usar essa vida para aprender a viver na outra?

O acordo de Jesus Cristo é que você vai ter uma nova vida. Se você acredita nessa nova vida, tem que começar hoje a se preparar para ela. Eu diria assim, usando palavras de vocês: você tem que aprender a morrer...

Você tem que usar esta vida para se preparar para morrer. Aliás, é para isso que serve essa vida: para você aprender a se preparar para morrer...

Mas, não uma morte qualquer: é preciso aprender a morrer como Jesus Cristo morreu. Isso porque se não morrer como Jesus Cristo morreu não alcança a ressurreição.. . Como ele morreu? Feliz e dizendo: 'Pai, afasta de mim esse cálice mas se não for possível que seja feita a Vossa vontade'.

É assim que você tem que aprender a morrer... A cada dia, minuto ou segundo, a cada acontecimento, a cada decepção, dizer: Pai, afasta de mim esse cálice mas se não for possível, que se faça a Vossa vontade.

Esse é o sentido da vida. Isso é o sentido da ressurreição, do acordo... Esse é o sentido do Evangelho, do acordo de Jesus Cristo com a humanidade: ame a Deus acima de todas as coisas, ou seja, Louve a Deus por tudo o que Ele lhe dá, mesmo que você quisesse outra coisa...

Aliás, há um ensinamento de Krishna que diz que você tem que sacrificar sua intenção a Deus... Aliás, há um ensinamento de Buda que diz que você não deve se apegar aos seus desejos e paixões... Aliás, em todos os ensinamentos dos mestres há apenas uma verdade: ame a Deus acima de todas as coisas...

Conhece a verdade e ela vos salvará...

Participante: Cristo é Cristo e eu sou eu...

Grande fala: Cristo é Cristo e eu sou eu.

Cristo é filho de Deus e você também. Os dois foram criados à imagem e semelhança de Deus. Portanto, você é tão filho Dele quanto Cristo. Se ele conseguiu, porque você não pode conseguir?

A resposta é porque não quer, porque não está disposto a abrir mão das suas paixões, dos seus desejos e das suas intenções.

Participante: na verdade falei desse jeito porque as pessoas veem Jesus como um mágico, um homem que fez milagres. Quando se entende Jesus como um instrumento de Deus fica mais fácil.

Não é só isso. As pessoas veem Cristo como já pronto, como se já tivesse nascido pronto. Ele não nasceu pronto...

IV Internacional: nascimento, divisão e reconstrução

Postado por Attman e Kamadon

Prefácio do livro Documentos de Fundação da IV Internacional, publicado pela Editora Sundermann


Eduardo Almeida Neto
da Direção Nacional do PSTU e editor do Opinião Socialista


• Neste ano, comemoramos 160 anos do Manifesto Comunista e 70 anos da fundação da IV Internacional. Duas datas históricas, uma mesma tradição. Existe um fio de continuidade entre o Manifesto Comunista e o Programa de Transição votado na Conferência de Fundação da IV.

O Manifesto foi a primeiro programa do movimento operário moderno, o primeiro programa da revolução socialista. É a referência que se mantém até hoje de um movimento operário consciente que aponta suas tarefas imediatas e históricas. Encomendado a Marx pela Liga dos Comunistas (que antecedeu a I Internacional) em 1848, refletia o primeiro programa de um movimento operário que já assumia posturas revolucionárias em um momento em que o capitalismo ainda vivia a transição de sua fase ascendente para a etapa imperialista.

A I Internacional desapareceu em conseqüência da derrota do primeiro ensaio de luta pelo poder do proletariado, a comuna de Paris. Mas o Manifesto Comunista seguiu como a referência programática mais importante de toda a histõria do movimento revolucionário mundial.

O Programa de Transição é o Manifesto Comunista da fase imperialista do capitalismo. Compreendendo o significado de um programa como “a compreensão comum dos acontecimentos e tarefas”, o Programa de transição segue sendo o guia programático de nossa época. É a síntese dos primeiros quatro congressos da II Internacional –antes da burocratização estalinista- e da estratégia da revolução contra o domínio burocrático do estado operário russo pela burocracia stalinista.

A IV internacional se dividiu e dispersou em distintas correntes, mas o Programa de transição continuou como o guia programático para o movimento operário revolucionário sob o imperialismo.

O século XXI traz um novo desafio. Com novas levas de lutas revolucionárias não só ficou para trás a situação reacionária da década de 90, como começam a aparecer com mais clareza os benefícios da queda do aparato mundial do stalinismo. Podemos afirmar que estão se abrindo as melhores condições em muitos e muitos anos para dar passos concretos para a reconstrução da IV.

A palavra-de-ordem do Manifesto “Proletários de todos os países, uni-vos!” tem hoje uma concretização na reconstrução da IV Internacional.

A principal contribuição de Trotsky a revolução
Falar da fundação da IV Internacional é falar de Trotsky, seu inspirador e maior dirigente. León Davidovich Trotsky foi um dos poucos revolucionários que tiveram um papel qualitativo na história, seja por sua presença ou pela falta causada por sua morte. A sua visão estratégica tinha uma amplitude e profundidade que chegava a genialidade. Há momentos em que a história faz curvas, apresentando situações completamente novas, que exigem dos revolucionários a capacidade de dar uma nova resposta, sob a ameaça de graves derrotas.

A primeira revolução russa de 1905 foi um desses momentos. Uma nova realidade social contrapunha um proletariado concentrado, uma monarquia decadente, uma burguesia incapaz de se colocar á frente de uma revolução burguesa. O marxismo até então estava prisioneiro de uma concepção que apontava a perspectiva da revolução socialista em países avançados como Alemanha, Inglaterra e França, e não em países atrasados como a Rússia.

Trotsky foi o único dirigente da socialdemocracia russa a apontar a perspectiva de uma revolução socialista. Os mencheviques defendiam uma revolução burguesa, com o proletariado em aliança e subordinado á burguesia. Lênin não aceitava a subordinação á burguesia, mas também apontava para uma limitação da revolução aos limites da democracia burguesa. Trotsky dizia que uma vez no poder, o proletariado não se limitaria as tarefas democráticas, e avançaria para um programa de transição ao socialismo. A evolução da realidade concreta iria fazer com depois Lênin chegasse às mesmas conclusões de Trotsky. As “Cartas de longe” e depois as famosas “Teses de Abril”, escritas por Lênin, reorientaram o partido bolchevique em 1917, e possibilitaram a primeira revolução proletária vitoriosa da historia.

Outra situação nova na história se deu com a burocratização do estado operário soviético. A esquerda se dividia entre a capitulação aberta a Stalin e a posição da pequeno burguesia democrática que, horrorizada com os crimes de Stalin, passou a negar o caráter operário do estado russo.

Trotsky fez a análise genial da nova formação social como um Estado operário burocratizado. Daí tirou a conclusão programática da necessidade de defendê-lo contra a contra-revolução burguesa (o “defensismo”), e, ao mesmo tempo, apontar a necessidade de uma revolução política nesse estado.

Defendia também a inviabilidade histórica do projeto da burocracia de chegar ao “socialismo num só país”. Fez seu prognõstico que ou a URSS caminharia para uma nova revolução política ou para a restauração do capitalismo, o que acabou se comprovando no final do século XX.

Trotsky aliou essa amplitude de visão a uma capacidade dirigente notável. Foi o presidente do soviete de Petrogrado em 1905 e em 1917 (a partir de setembro daquele ano). Foi o orador mais popular da revolução russa e um dos principais dirigentes do partido bolchevique em 1917 (depois da fusão de seu grupo com os bolcheviques em agosto). Organizou a Guarda Vermelha e o Comitê Militar Revolucionário que comandou a tomada do poder.

Depois de tomado o poder, explodiu a guerra civil. A revolução estava seriamente ameaçada: a contra revolução não se apoiava só nos Guardas Brancos da burguesia derrotada, mas na invasão dos 17 exércitos imperialistas que invadiram a Rússia e chegaram a ocupar um milhão de quilômetros quadrados. Trotsky organizou em tempo recorde o Exercito Vermelho, que chegou a ter cinco milhões de membros, e derrotou as tropas da contra revolução. Máximo Gorki narra uma entrevista com Lênin, em que ele comentava o feito de Trotsky: “Então citem um homem que seja capaz de construir em um ano um exército modelo e que, além disso, tenha conseguido conquistar o respeito de especialistas militares! Nós temos esse homem!”.

Mesmo assim, como afirma nas páginas do Diário do Exílio em 1935, Trotsky opinava que nenhuma dessas tarefas se equiparava a que ele considerava a principal de toda sua vida: a construção da IV. “Continuo pensando que trabalho no qual estou empenhado, apesar de seu caráter extremamente insuficiente e fragmentário, é o mais importante de minha vida; mais que o de 1917, o da guerra civil ou qualquer outro... Se eu não estivesse em Petrogrado em 1917, a Revolução de Outubro se produziria de qualquer forma, com a condição de que Lenin estivesse presente e na direção... Por isso, não posso dizer que meu trabalho foi “indispensável” nem sequer no período entre 1917 e 1921. Mas agora meu trabalho é indispensável em todos os sentidos. Nesta afirmação não há nenhuma soberba. O desmoronamento das duas internacionais colocou um problema que nenhum de seus dirigentes está capacitado para resolver... não fica ninguém senão eu para levar a cabo a missão de armar uma nova geração com o método revolucionário, sobre as cabeças dos dirigentes da Segunda e Terceira internacionais...”. Graças à fundação da IV Internacional, apesar de todas suas debilidades, foi possível a continuidade orgânica do marxismo revolucionário, que havia sido derrotado nos grandes embates da luta de classes tanto na URSS como em toda a Europa.

O momento de retrocesso em que foi fundada a IV
A Revolução Russa foi um marco para toda a história da humanidade. Pela primeira vez na história, o proletariado enquanto classe tomou o poder e expropriou a burguesia.

Os sete primeiros anos dessa revolução continuam sendo o maior exemplo de que a superação do capitalismo é possível. A III Internacional foi um exemplo único na história de uma Internacional revolucionária com influência de massas voltada para a ação revolucionária. Não foi uma frente ou federação como a I e a II internacionais, mas um partido mundial da revolução com um funcionamento centralista democrático.

A burocratização do primeiro estado operário se deveu a uma combinação de fatores, com peso decisivo para a derrota da revolução européia, que deixou isolada a URSS revolucionária. O isolamento se combinou com a exaustão das forças do proletariado na duríssima guerra civil e o atraso econômico do país, possibilitando o surgimento de uma burocracia, cuja maior liderança foi Stalin.

Essa burocracia se apropriou do estado em benefício próprio e promoveu uma contra-revolução política: acabou com a democracia soviética e assassinou toda a geração que dirigiu a revolução, para assegurar seu poder.

Uma das primeiras conseqüências da burocratização da URSS foi na política internacional do estado. A burocracia assumiu o discurso do “socialismo num só país”, abandonando uma perspectiva revolucionária internacional. As conseqüências foram trágicas.

A política da III Internacional, no início, teve um caráter centrista, oscilando de uma postura ultra-esquerdista (no chamado terceiro período) ao oportunismo, que depois se oficializou e eternizou com a política das Frentes Populares (apoio a governos de colaboração de classes com partidos burgueses e operários), definida no congresso de 1935. A III se transformou no principal aparato contrarevolucionário do movimento de massas, tendo a autoridade da revolução russa vitoriosa e os meios materiais de um estado operário.

O ultra-esquerdismo do terceiro período teve conseqüências diretas na revolução alemã. O Partido Comunista se negou a fazer uma frente única com a socialdemocracia contra a ascensão de Hitler, que chegou ao poder praticamente sem resistência.

A política de apoio às frentes populares teve conseqüências diretas na França e na Espanha.

“A política da Frente Popular levou a derrota aos processos de França e Espanha, que poderiam deter o avanço nazista, caso tivessem triunfado. Na revolução alemã de 1923, a política equivocada da ‘troika’ Stalin, Zinoviev, Kamenev, impediu que o partido alemão disputasse o poder e se perdeu a revolução. Na China de 1925-28, Stalin queria o triunfo da revolução, mas preso a sua concepção etapista, verdadeiramente acreditava que só se tratava de uma revolução democrático-burguesa e que a força revolucionária estava no Kuomintang, e conseqüentemente com isso deu uma política que levou a derrota da revolução e a destruição do partido chinês.

Mas na Espanha houve uma mudança de qualidade, aqui se tratou de uma política conscientemente contra-revolucionária, de unidade com a burguesia republicana para enfrentar as forças da revolução operária. E o stalinismo recorreu a todos os métodos para conseguir seu objetivo contra revolucionário. Desde boicotar o envio de armas às milícias anarquistas e do POUM até organizar a caça dos opositores, anarquistas, trotsquistas e poumistas. Entre muitos outros, durante a guerra civil espanhola morrem assassinados, provavelmente pelo estalinismo o dirigente anarquista Durruti, Andrés Nin, Erwin Wolf, Camilo Berneri. A partir da atuação do estalinismo na Espanha, Trotsky começa a defini-lo como contra revolucionário, abandonando a antiga definição de ‘centrismo burocrático’” (A Internacional, Alicia Sagra, p. 122-123).

Como a revolução não avançou para a liquidação da burguesia, ficando presa na armadilha da frente popular, se abriu o caminho para a contra revolução franquista que acabou vitoriosa.

Neste período, Stalin montou uma de suas maiores monstruosidades, os processos de Moscou. Através desses três processos foram julgados os principais dirigentes da revolução russa que poderiam se opor a Stalin, acusados como contra-revolucionários. Trotsky, que estava no exílio, foi condenado a morte como “agente do imperialismo”.

Uma campanha violenta se armou contra os seus apoiadores em todo o mundo, obrigando os trotsquistas a defender-se das acusações feitas pelos “herdeiros da revolução russa”. O stalinismo oficializou assim a calúnia como arma de estado.

Toda uma farsa repugnante foi montada com depoimentos falsos, “confissões”, para justificar o fuzilamento dos dirigentes da revolução. No primeiro processo, em agosto de 1936, Zinoviev, Kamenev, Smirnov e mais dez dirigentes foram “julgados” e assassinados. No segundo, em janeiro de 1937, mais treze executados. Em fevereiro de 38 começou o terceiro processo, que levou à morte de Bukharin, Rikov e outros dirigentes bolcheviques.

Entre o segundo e o terceiro processo, são fuzilados o marechal Tukhachevsky e sete dos mais importantes generais do Exército Vermelho. Milhares de oposicionistas são levados ao campo de concentração de Vorkuta e executados.

No exterior, agentes da GPU (polícia secreta russa) perseguiam e assassinavam os opositores. Na Espanha, no início de 1937, André Nin, dirigente do POUM foi assassinado e seu corpo jamais foi encontrado.

Os dirigentes do Movimento pró IV Internacional foram os alvos centrais da perseguição. Em fevereiro de 37, Lev Sedov, 29 anos, filho mais velho de Trotsky, foi internado para uma cirurgia simples de apendicite em Paris e morreu em circunstancias misteriosas, depois de operado por um médico russo. Em julho deste ano, Erwin Wolf, que tinha sido secretário de Trotsky na Noruega, foi seqüestrado e morto em Barcelona. Algumas semanas antes da Conferência de fundação da IV, em julho de 38, Rudolf Klement, secretário do birô da internacional foi assassinado em Paris. No mesmo período, se iniciava a operação com o agente da GPU Ramón Mercader que assassinaria Trotsky no México em 1940.

As derrotas da revolução em todo o mundo se somaram a uma profunda desmoralização causada pelo stalinismo. Era difícil apostar em um programa revolucionário vendo o pesadelo em que tinha se transformara a revolução russa, com a política das frentes populares, os processos de Moscou, os assassinatos dos revolucionários opositores.

Os militantes que viveram o retrocesso da década de 90 do século passado, em que ocorreu a restauração do capitalismo no leste junto com o auge do neoliberalismo, sabem o que significa atuar em uma situação reacionária. Junto com as inúmeras derrotas das lutas, os ativistas se restringem as mobilizações imediatas, rejeitando uma alternativa estratégica socialista. Os quadros mais provados desertam da revolução, parando de militar ou se bandeando para as fileiras dos inimigos reformistas.

Mas a década de 90 foi só uma pálida comparação com a profundidade do retrocesso da década de 30 na qual foi fundada a IV Internacional.

Os movimentos de Trotsky para fundar a IV
A oposição de esquerda internacional se organizou abertamente depois da expulsão de Trotsky da URSS em 1929. Nesse período Trotsky defendia uma política de reformas tanto para a URSS, como para os partidos comunistas em todo o mundo.

O ano de 1933 muda tudo. A ascensão de Hitler teve um profundo significado de derrota para o movimento operário. Desde o poder, logo tratou de acabar com os sindicatos e partidos operários. O PC alemão facilitou a vitória de Hitler ao recusar uma política de frente única com a social democracia.

Em março de 1933, Trotsky declara que o PC alemão está morto para a revolução e que era necessário construir um novo partido. Em julho, constata que a III Internacional não fez qualquer autocrítica pelo episódio alemão, e chama a uma nova internacional. Em outubro, chega à conclusão de que era necessário um programa de revolução e não só de reformas na URSS.

Desde então busca desenvolver discussões com grupos, dirigentes e partidos no sentido de fundar novos partidos revolucionários e uma nova internacional, a IV. Esta será sua principal tarefa nos próximos cinco anos, de 1933 a 38.

Trotsky nunca pensou numa IV “trotsquista”, por vários motivos. Em primeiro lugar, entendia a corrente de revolucionários reunida na Oposição de Esquerda Internacional como a continuidade do leninismo. Em segundo lugar, a IV devia ser construída como a III, ao redor de um programa claro, e não da identidade na origem de suas correntes. Trotsky esperava que a nova internacional agrupasse distintos setores de vanguarda, como primeiro passo para chegar a dirigir multidões. Os que eram parte da Oposição de esquerda seriam minoritários, porque o que daria a unidade a nova internacional seria o mesmo cimento da III, um programa revolucionário claro, que pudesse agrupar setores das mais diversas origens.

A década de 30 é conhecida como um período de enormes derrotas do movimento operário. Mas em 1933, isto não estava determinado de antemão, mesmo com a vitória do nazismo. Ao contrário, se abriu o que Trotsky chamou de um “novo ascenso revolucionário”, ao redor da França e Espanha, que viveram governos de frente popular. As discussões com os grupos e partidos tinham então como pano de fundo a trágica experiência alemã, mas também as possibilidades abertas com o ascenso nos outros países europeus.

O início das articulações alentou a perspectiva de um desenvolvimento da IV como imaginado por Trotsky. Existiam em 1933 vários grupos centristas, que saíam da III em função da política ultra- esquerdista e aventureira do terceiro período, e outros que rompiam pela esquerda com a social democracia. Existia toda uma tendência natural de aproximação desses grupos de origens distintas.

Trotsky buscou desenvolver toda uma série de discussões programáticas para desenvolver relações com os grupos que se originavam dessas rupturas e se dispunham a avançar para um programa revolucionário.

Um primeiro marco nesse sentido foi a “Declaração dos Quatro”, assinada pela Oposição de Esquerda Internacional, o SAP ( grupo alemão, produto da fusão de um ruptura pela esquerda da socialdemocracia com alguns quadros que romperam com o PC), o OSP (grupo holandês, vindo da socialdemocracia) e o RSP (grupo holandês, vindo do PC).

Essa “Declaração sobre a necessidade e os princípios de uma nova internacional”, estabelecia com clareza a diferenciação com a IIª e a IIª Internacional, a defesa da URSS contra os ataques do imperialismo, uma concepção de partido baseado no centralismo democrático e a necessidade de construção de uma nova internacional. Além disso, determinou a formação de uma comissão para preparar um manifesto programático que servisse de base para a nova internacional.

Nos EUA, em base a essa estratégia, houve uma aproximação com uma organização operária (American Workers Party) dirigido por um ex-pastor Abraham Muste. Em 1934, surgia da fusão um novo partido (Workers Party of the United State), de dois mil militantes.

O entrismo na socialdemocracia – tática definida por Trotsky – deu frutos importantes na França, com a captação de centenas de militantes, incluindo quadros dirigentes da juventude, como Fred Zeller. Na Bélgica, outro êxito importante do entrismo na socialdemocracia, com a captação de todo um setor operário e de quadros dirigentes como Walter Dauge.

Uma oportunidade incrível se perdeu na Espanha, em que a juventude socialista, em plena radicalização política chama “aos trotskistas, que são os melhores revolucionários e os melhores teóricos de Espanha” a unir-se a sua organização para “precipitar sua bolchevização”. Mas o grupo ligado a oposição de esquerda internacional não aceita o conselho de Trotsky do entrismo. As juventudes socialistas terminam por se unificar com as juventudes comunistas e foram rapidamente absorvidas pelos estalinistas.

A realidade se tornava cada vez mais difícil. A pressão do aparato stalinista era violenta, e se fortalecia com cada derrota do movimento de massas. Por outro lado, não existia ainda uma organização formada, com capacidade de manobras táticas. Todas as discussões vão se tornando cada vez mais complicadas.

As organizações que assinaram a “Declaração dos quatro” logo se dividiram. O OSP e o SAP recuaram, enquanto o RSP se integrou a Oposição Esquerda Internacional. A polêmica sobre a tática do entrismo levou à ruptura de seções como a grega, a polonesa e a maioria da inglesa. A direção do RSP, a única que sobrou do bloco dos Quatro, também se posicionou violentamente contra a tática.

Apesar dos problemas que se acumulavam, em 1936, a Conferência de Genebra, definiu a formação do Movimento pro IV Internacional, designando uma comissão para redigir o programa e uma direção, que incluía um secretariado, um Burô e um Conselho Geral.

O historiador Pierre Broue mostra bem as conquistas desta conferencia e como as pressões da realidade se abatem sobre o movimento.

“A composição deste ùltimo (o conselho geral) é interessante porque constitui uma síntese da história do movimento: junto a velhos comunistas, fundadores da oposição de esquerda, como Vctor Serge, Chen Duxiu, Gryewicz, Leonetti e Lesoil, figuravam homens de outras gerações, chagados mais tarde de outros horizontes, tais como o ex-pastor A. J. Muste, que vinha do sindicalismo, Peter J. Schmidt, da socialdemocracia, e alguns jovens como o belga Walter Dauge, e o francês Fred Zeller, que ingressaram no movimento encabeçando jovens socialistas.”

Essa descrição, por si só expressa como a IV foi pensada, unindo correntes distintas do movimento operário, das mais diversas origens ao redor de um programa claro. Não se formava só ao redor dos “trotsquistas” da Oposição de Esquerda Internacional, que aspiravam ser minoria na IV. Mas as derrotas e a desmoralização causadas pelo aparato stalinista, junto com as perseguições e os assassinatos tiveram sérias consequências. Broué segue: “No entanto, este Conselho Geral formado por homens de valor e militantes notáveis, não se reuniu jamais. Este é um claro exemplo das dificuldades que teve que enfrentar a incipiente IV Internacional. Mais ainda: alguns desses homens, talvez a maioria, deixaram o movimento logo depois dos processos de Moscou, que os fez abandonar definitivamente toda esperança no êxito do comunismo e e sua capacidade de liberar a humanidade: A.J.Muste reencontraria Deus na Catedral de Notre Dame de Paris, e voltaria para a Igreja presbiteriana, enquanto P.J. Schmidt se reintegraria ao partido socialdemocrata holandês. Também, meses mais tarde, se afastaria outro membro do conselho geral e do burô, Alfonso Leonetti: tinha sido membro do secretariado internacional desde 1930 e se afiliaria finalmente ao PC italiano.”

As pressões do stalinismo se expressariam de outras formas duríssimas. O POUM era um partido com um peso importante na revolução espanhola, dirigindo uma parte importante dos organismos de duplo poder em Barcelona e comandando batalhões de milicianos. Trostsky apostava muito nas relações com Andrés Nin, o principal dirigente do POUM.

No entanto, Nin capitulou às pressões da frente popular e se integrou ao governo burguês da Catalunha, ajudando a dissolver os organismos de duplo poder. Com isso o movimento pró IV sofreu um golpe violento. A traição desta direção afundou a perspectiva de uma intervenção qualitativa dos revolucionários na revolução espanhola. Trotsky, corretamente, se enfrentou publicamente a Nin, denunciando o papel auxiliar do POUM na frente popular. No entanto, todo um setor do movimento pró IV teve uma postura centrista, minimizando a importância dos erros do POUM.

Este setor centrista vai evoluir para uma posição contrária a fundação da IV, argumentando que “não era a hora pela situação de retrocesso da luta de classes”. Essas eram as posições de quadros muito importantes como Victor Serge, Sneevliet, Vereckem e Isaac Deutscher. Todo esse grupo terminou por romper, enfraquecendo ainda mais o movimento.

A política do stalinismo vai se impondo, levando à derrota do “novo ascenso revolucionário” caracterizado por Trotsky. Os governos de frentes populares terminam em uma derrota parlamentar na França e na contra revolução franquista na Espanha.

Os processos de Moscou e os assassinatos dos opositores no exterior completam o quadro de retrocesso e desmoralização.

Quando se reúne a Conferência de fundação da IV, em setembro de 1938, o movimento estava reduzido praticamente aos quadros da Oposição de Esquerda Internacional, os “trotsquistas”.

O acerto histórico da fundação da IV
Impedido de estar presente na Conferência de fundação, Trotsky enviou uma saudação gravada. Podia se ouvir sua voz clara: “Queridos amigos, não somos um partido igual aos outros. Não ambicionamos somente ter mais filiados, mais jornais, mais dinheiro, mais deputados. Tudo isso faz falta, mas não é mais que um meio. Nosso objetivo é a total libertação, material e espiritual dos trabalhadores e dos explorados por meio da revolução socialista. Se nós não o fizermos, ninguém o preparará nem a dirigirá. As velhas internacionais estão completamente podres...” “Sim, nosso partido nos toma por inteiro. Mas em compensação no dá a maior das felicidades, a consciência de participar na construção de um futuro melhor, de levar sobre nossos ombros uma partícula do destino da humanidade e de não viver em vão”.

Contra a corrente, n uma situação internacional desfavorável, a Conferência se reuniu, fundou a IV Internacional, votou o programa de Transição, os estatutos, um manifesto contra a guerra e uma direção.

Estavam presentes delegados da URSS, Inglaterra, França, Alemanha, Polônia, Itália, Grécia, Holanda, Bélgica, EUA e Brasil (Mario Pedrosa). Várias organizações de outros países aderiram, mas não puderam enviar delegações.

O próprio Programa de Transição respondeu com clareza aos argumentos do setor centrista do movimento que se opôs à fundação da IV: “Os céticos perguntam: mas, chegou a hora de criar uma internacional? É impossível, dizem, criar uma interncional “artificialmente”, “só grandes acontecimentos podem fazê-la surgir. “, etc. A IV Internacional já surgiu de grandes acontecimentos: as maiores derrotas do proletariado e da história”. “Se nossa internacional é débil numericamente, é forte por sua doutrina, seu programa, sua tradição, a têmpera incomparável de seus quadros”.

Trotsky defendia a formação da IV para unir os revolucionários ao redor de um programa. Isso tinha uma enorme importância defensiva em um momento em que a ofensiva stalinista buscava eliminar da consciência histórica a continuidade do marxismo revolucionário, sintetizada no Programa de Transição.

Uma prova simples disso é dada por Broué: “Se pode também sublinhar que os adversários da fundação da IV nesse momento nunca observaram , posteriormente, do fato que a pequena IV Internacional conseguiu sobreviver a uma guerra na qual desapareceram organizações mais importantes, na qual seus militantes forma ferozmente perseguidos- até nos países neutros- e na qual o Burô de Londres, centro dos adversários da ‘fundação prematura’, desapareceu ao primeiro sinal da tormenta”.

Menos de seis mil militantes integravam a IV em seu nascimento: EUA (2500 militantes), Bélgica (800), França (600), Polônia (350), Alemanha (200, dos quais 120 presos), Inglaterra (170), Tchecoslováquia (entre 150-200),Grécia (100), Brasil (50), Chile (100) Cuba (100) , África do Sul (100), Canadá (75), Holanda (50), Austrália (50), Brasil (50), Espanha ( entre10 e 30), México (150). (atas da Conferência de fundação, citado em Apuntes para uma história del trotsquismo, Mercedes Petit)

Mesmo numa situação geral desfavorável, podiam se ver os frutos de uma política de abertura para as novas correntes revolucionárias na composição das seções mais fortes da internacional. Uma expressão disso eram as centenas de militantes, frutos do entrismo, na França e Bélgica.

O maior exemplo era a seção mais forte, o SWP. “A seção norte- americana surgiu pela fusão do grupo pertencente à Oposição de Esquerda com uma organização dirigida por Muste (pastor protestante). Em 1936 haviam entrado ao Partido Socialista (formando o bloco de esquerda) com o fim de ganhar setores radicalizados da juventude. Em 1937 o bloco de esquerda do PS que haviam formado, havia duplicado suas forças e ganhado a maioria de sua juventude. A direção do OS começou a perseguir e expulsar aos membros do bloco de esquerda. Nesse momento, Trotsky considerou que tinha chegado a hora de por fim ao entrismo e construir um partido independente. Os dirigentes da ala esquerda foram expulsos do OS e iniciaram as discussões que desembocaram na construção do SWP norte americano”. (A internacional, Alicia Sagra).

No SWP se pôde comprovar também a importância de ter construído a IV. Logo depois da fundação surgiu a primeira grande crise. Na época, o repúdio ao stalinismo era muito grande nos círculos democráticos da pequena burguesia, em função das monstruosidades dos processos de Moscou, dos assassinatos de opositores.

Essa pressão se abateu sobre o SWP através de uma fração “antidefensista” que considerava errado seguir defendendo a URSS, pois avaliava que não se tratava mais de um estado operário. Mesmo no marco de uma internacional sob a direção de Trotsky, a ruptura dessa fração levou 40% do maior partido (o SWP) e praticamente destruiu o grupo existente no Brasil com a deserção de Mario Pedrosa, que assumiu as posições antidefensistas. Caso a IV não existisse, essa corrente revisionista poderia ter destruído tudo o que restava.

A formação da IV foi um grande acerto histórico, preservando a continuidade do marxismo revolucionário mesmo no período de maior retrocesso da luta de classes. Mas sua formação também tinha um objetivo ofensivo, de preparar uma sólida organização internacional para o ascenso revolucionário previsto por Trotsky como inevitável conseqüência da segunda guerra mundial que se avizinhava.

O Programa de Transição é o Manifesto Comunista da época imperialista
O Programa de Transição segue sendo a principal referência programática até os dias de hoje. Trotsky , em agosto de 1933, dizia que suas bases estavam no Manifesto comunista e nos quatro primeiros congressos da III Internacional (feitos ainda sob direção de Lênin e Trotsky): “Não pode haver política revolucionária sem teoria revolucionária. Aqui é onde temos menos necessidade de partir de zero. Nos baseamos em Marx e engels. Os quatro primeiros congressos da Internacional Comunista nos legaram uma herança programática de valor inestimável...Uma das tarefas primárias, mais urgentes das organizações que levantam a bandeira da regeneração do movimento revolucionário consiste em separar as decisões dos quatro primeiros congressos, colocá-las em ordem e dedicar-lhes uma discussão séria a luza das tarefas futuras do proletariado”.

O Programa de Transição está apoiado em primeir lugar nas contribuições do Manifesto Comunista, na teoria da luta de classes, na defesa da independência de classe, no internacionalismo operário e a ditadura do proletariado.

Incorpora também todas as elaborações centrais do leninismo, que inclui em primeiro lugar a compreensão da época imperialista e suas conseqüências de guerras e revoluções.

Em segundo lugar, se o Manifesto Comunista afirmava que o partido comunista não se organizava como um partido à parte dos outros partidos proletários, Lenin demonstrou como o surgimento do imperialismo mudou completamente esta perspectiva, com o advento da aristocracia operária e as burocracias como base para o oportunismo. A partir daí e da necessidade de luta pelo poder é que surge a necessidade do partido revolucionário, claramente diferenciado, em luta aberta contra os opertunistas, com um funcionamento centralista democrático.

As resolução da III Internacional em seus primeiros quatro anos deram as bases para um programa mundial, com a relação entre “democracia” burguesa e “ditadura” proletária, a utilização revolucionária do parlamento, a política da frente única operária, a obrigatoriedade de trabalhar sistematicamente nas organizações proletárias de massas como os sindicatos reformistas. As Teses sobre Tática da III Internacional (3 º congresso, 1922) esboçam um início de sistematização, que não foi concluída pelo corte do stalinismo.

Essa síntese só vai se estruturar ao redor do programa de Transição. Trata-se de uma incorporação e superação das elaborações anteriores. “Parte de definir que a crise da humanidade é a crise de direção de sua direção revolucionária, e que, portanto, a grande tarefa é avançar na superação dessa crise. ...dá um método para levar as massas para uma revolução socialista: ‘É necessário ajudar as massas, no processo da luta cotidiana, a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa socialista da revolução. Essa ponte deve conter um sistema de reivindicações transitórias, que partam das condições atuais e da atual consciência de amplas camadas da classe operária e conduzam invariavelmente a um só resultado final: a conquista do poder pelo proletariado’” (livro citado, Alicia Sagra)

O Programa de Transição supera assim a separação entre o programa mínimo (das reivindicações imediatas como aumentos salariais ou contra o desemprego) do máximo (luta pelo poder), típico da socialdemocracia na época ascendente do capitalismo, e usada até hoje pelos reformistas. O programa de transição busca mobilizar os trabalhadores a partir de suas lutas cotidianas, e apontar desde aí um sistema de palavras de ordem na agitação política e na propaganda para a necessidade de lutar contra o governo, o regime e o sistema capitalista, para a necessidade de luta pelo poder.

Alguns companheiros poderiam objetar que toda a referência do Programa de Transição sobre o estado operário burocratizado russo está superado. Isso é em parte verdade, mas é preciso ter claro duas questões. A primeira é que foi também o Programa de transição que apontou a disjuntiva histórica perante a qual estava URSS e que afinal explica os acontecimentos do leste europeu na dévada de 90: ou os trabalhadores derrubavam a burocracia em uma nova revolução política ou a burocracia terminaria por levar a restauração do capitalismo, o que acabou ocorrendo.

Em segundo lugar a tarefa da revolução política não se limita á derubada das ditaduras stalinistas, mas está presente na luta contra todas as burocracias autoritárias do movimento operário, em seus sindicats e partidos.

Por estes motivos, o programa de Transição, como referência programática, é o Manifesto Comunista da época imperialista, insuperável até os dias de hoje.

A divisão e dispersão da IV depois da morte de Trotsky
Trotsky foi assassinado a 20 de agosto de 1940 por Ramón Mercader, um agente de Stalin. Um golpe de picareta na cabeça dado por trás matou o revolucionário.

A covardia da ação assassina, matando por trás um velho de 60 anos, é todo um símbolo. Stalin, que comandava um estado, dirigia um aparato nunca visto na história do movimento operário, tinha medo de Trotsky. Ele sabia o que podia significar a liderança de Trotsky em um novo ascenso revolucionário.

O assassino foi condecorado pela burocracia, vinte anos depois, como “herói da URSS”. Completava-se assim a execução de toda a velha guarda bolchevique. Do Comitê Central do partido que tomou o poder na Rússia, só sobrava o próprio Stalin.

A morte de Trotsky tinha um objetivo preciso: acabar com o mais importante dirigente revolucionário, em vésperas de uma guerra mundial. “Distintas circunstâncias, e muito particularmente o triunfo da contrarevolução stalinista na URSS e seu domínio do movimento comunista mundial, fizeram com que só ficasse Trotsky como síntese histórica e pessoal de toda a experiência do movimento revolucionário desde o princípio do século, a experiência do Partido Bolchevique, o triunfo da revolução russa e a fundação da terceira Internacional. Da velha guarda bolchevique não sobrava ninguém e tampouco se puderam construir novos dirigentesnas terríveis condições dos anos vinte e trinta começando porque o stalinismo foi eliminando fisicamente os melhores” (Apuntes para una historia del trotsquismo, Mercedes Petit).

Moreno dizia que a IV Internacional sem seus inícios era um anão com a cabeça de um gigante, pela existência de Trotsky. A sua morte marcou um vazio de direção que segue existindo até hoje, e é a principal explicação subjetiva das crises e divisões posteriores.

É importante relembrar, no entanto, que existiu também uma base objetiva para a crise da IV, ao não se cumprir um dos prognósticos de Trotsky.

Em sua mensagem à Conferência de fundação da IV, ele terminou assim: “Permitam-me terminar com uma previsão: durante os próximos dez anos o programa da Quarta Internacional se transformará no guia de milhões de pessoas e estes milhos de revolucionários saberão como dar a volta ao céu e a terra”.

Realmente, o fim da segunda guerra mundial gerou um ascenso revolucionário jamais visto, que possibilitou conquistas imensas como a derrota do nazismo, a libertação das colônias e a maior delas: a expropriação do capitalismo em vários países.

No entanto, ao contrário da previsão de Trotsky, foram as direções stalinistas que, empurradas pela ação das massas foram obrigadas a ir mais além de suas intenções e expropriar a burguesia nesses países. O resultado foi que as revoluções, ao invés de enfraquecer, fortaleceram muito o aparato stalinista, que ganhou uma dimensão internacional inédita, ao dirigir estados que cobriam um terço da humanidade.

Isto limitou o espaço político para o crescimento da IV Internacional, pelas renovadas expectativas para a vanguarda em todo o mundo nas direções stalinistas. Por outro lado, o debilitamento qualitativo da direção da IV com a morte de seu principal dirigente foi a base para inúmeras crises, divisão e dispersão.

As direções majoritárias da IV capitularam a praticamente todas as correntes pequeno-burguesas e burocráticas que dirigiram grandes mobilizações e revoluções, como o maoísmo, o castrismo, o guevarismo, o sandinismo, e um largo etc. Essa foi a razão principal para a dispersão da IV na década de 50.

Não vamos, no marco desse texto, historiar a evolução da IV pós Trotsky. Mas vale a pena recordar que no Programa de Transição, já se alertava contra os desvios que estarão na origem das crises posteriores.

Nele se caracteriza firmemente o stalinismo e sua política: “A terceira Internacional entrou no caminho do reformismo na época em que a crise do capitalismo havia definitivamente colocado na ordem do dia a revolução proletária. A política atual da Internacional Comunista na Espanha e na China - política que consite em rstajar diante da burguesia “democrática” e “nacional”- demonstra que a Internacional Comubista também não é capaz de aprender coisa algumas ou de mudar. A burocracia, que se tornou uma força reacionária na URSS não pode cumprir um papel revolucionário na arena internacional.”

No entanto, o Terceiro congresso da IV Internacional em 1951, sob a direção de Michel Pablo e Ernest Mandel , discutiu o documento de Pablo “Aonde Vamos”, que previa uma nova guerra mundial do imperialismo contra a URSS, e que em função da guerra, os estados operários dirigidos pelas burocracias stalinistas se tornariam aliadas na mobilização revolucionária das massas. Os partidos estalinistas seriam as vanguardas das lutas por dezenas de anos, e a única alternativa para os revolucionários era fazer um “entrismo sui generis” nesses partidos. Essa tática entrista era distinta da proposta por Trotsky nos partidos socialdemocratas na década de 30, porque não se tratava de um período curto para combater as posições das direções socialdemocratas e ganhar um setor revolucionário para uma posterior ruptura. Era um “entrismo” para aconselhar os partidos comunistas até a luta pelo poder.

Segundo Pablo, “a realidade social objetiva, para nosso movimento, está composta essencialmente do regime capitalistae do mundo estaliniano. Quer se queira ou não , estes dois elementos constituem, simplesmente, a realidad objetiva, já que a aplastrante maioria das forças opostas aocapitalismo se acham atualmente dirigidas ou influidas pelaburocracia soviética”.

Assim a luta de classes é substituída pela luta entre dois campos, o imperialista e o stalinista, e a IV teria de optar por um deles, apoiando criticamente os partidos stalinistas. A partir dessa postura , a IV entra em crise e se desagrega, porque, com distintas variações, vai se confundir propositalmente as revoluções com suas direções burocráticas, e terminar por capitular a cada uma delas.

“... cada grande acontecimento da luta de classes (principalmente cada grande vitória revolucionária de dimensão mundial) motivou, em algum setor de nosso movimento, uma tendência à adaptação a direção burocrática ou nacionalista desta vitória.(...) possuem uma característica comum: não sustentam uma “guerra implacável”, mas algum tipo de bloco com alguma tendência burocrática e/ou nacionalista, porque esta supostamente cumpre um papel progressivo ou mais, revolucionário [1] (N. Moreno, Teses de fundação da LIT, 1982).

O “pablismo” refletia a pressão do aparato stalinista reforçado no pós guerra. Essa se tornou a política oficial da IV Internacional e foi a base também para uma grande traição cometida por um partido trotsquista na revolução boliviana de 1952.

Nesse país, em abril de 1952, o exército tentou um golpe militar para impedir a posse do governo nacionalista burguês do MNR. Os mineiros (principal setor da classe operária) da cidade de Oruro se sublevaram, tomaram um trem cheio de armas e derrotaram um por um os regimentos do exército boliviano. O MNR assumiu o governo em uma situação de claro duplo poder. A Central Obrera Boliviana, formada nessa luta dirigia as milícias operárias, que se tornaram a única força armada no país. O POR era um partido trotsquista de grande peso entre os mineiros, impulsionador do “programa de Pulacayo” (uma adaptação do programa de transição), assumido pelos mineiros . A direção pablista da internacional orientou o POR a apoiar o governo do MNR. A burguesia conseguiu afinal se recompor e a revolução se perdeu.

“Bolívia foi, talvez, o único país onde existiu a possibilidade de que uma seção da IV Internacional tomasse o poder durante a pós guerra. Isso poderia haver mudado a história do continente” (livro citado, Alicia Sagra, p. 182).

Em 1953 a IV se dividiu. Existiu uma tentativa de reunificação em 1963, com o Secretariado Unificado. Mas a direção de Mandel seguiu ainda um rumo de capitulações as direções burocráticas dos estados operários como Cuba, ou a governos burgueses como o sandinista na Nicarágua. Depois de alguns anos, nova divisão e a dispersão da IV.

Os desvios oportunistas, no entanto, não foram os únicos no movimento trotsquista. O Programa de Transição também alerta sobre os desvios sectários:

“Sob a influência da traição das organizações do proletariado, nascem ou se regeneram na periferia da IV Internacional, grupos e posições sectárias de diferentes gêneros. Possuem em comum a recusa de lutar pelas reivindicações transitórias, isto é pelos interesses e necessidades elementares das massas, tais como elas se apresentam. Para os sectários, preparar-se para a revolução significa convencerem-se das vantagens do socialismo. Propõem voltar as costas para os ‘velhos’ sindicatos, isto é para dezenas de milhões de operários organizados, como se as massas pudessem viver foradas condições da luta de classes real!

“Estes políticos estéreis geralmente não necessitam de uma ponte sob a forma de reivindicações transitórias, pois não dispõem absolutamente a passar para o outro lado do rio. Não saem do lugar, contentando-se em repetir as mesmas abstrações vazias. Os acontecimentos políticos são para eles ocasião para tecer comentários, mas não de agir.

“A maioria dos grupos e grupelhos sectários desse gênero, que se alimentam das migalhas caídas da mesa da IV Internacional, levam uma existência organizativa ‘independente’, com grandes pretensões, mas sem a menor chance de sucesso. Aquele que não procura nem encontra o caminho do movimento de massas não é um combatente, mas um peso morto para o partido”.

Muitas vezes se confunde este tipo de seita com as organizações pequenas, e isso é um erro. Existem organizações pequenas e grandes sadias ou sectárias. As seitas se caracterizam por não buscar essencialmente o movimento de massas e a luta contra a burguesia, governo e direções reformistas, e sim o parasitismo de outras organizações revolucionárias, que elegem como seu inimigo fundamental. Utilizam com freqüência o método stalinista da calúnia para atacar seus oponentes, sem nenhum compromiso com a verdade. Grupos como a LBI e LER no Brasil tem esse conteúdo.

Outras vezes se confunde as seitas com política ultraesquerdista, e isso tampouco é verdade. A maioria das seitas tem, realmente políticas ultra, mas nem sempre é assim. O PCO no Brasil, por exemplo, tem uma política com freqüência oportunista. Por exemplo, seguiu na CUT atacando todos os que romperam com essa central governista, cumprindo um papel de auxiliar da burocracia governista.

Esses grupos que se julgam “trotsquistas” se nutrem do ódio contra as posições das direções reformistas, mas não encontram o caminho para o movimento de massas. Se satisfazem em recitar programas, vivem de suas fórmulas sectárias. Contribuem assim para a dispersão da IV Internacional.

Como dizíamos não temos neste texto nenhuma pretensão de historiar a evolução da IV desde sua fundação. Apenas quisemos pontuar os motivos para sua divisão e dispersão.

Queremos ressaltar duas características centrais negativas de direções que se reivindicam “trotsquistas” que pesaram para a dispersão da IV e ainda pesam fortemente para dificultar sua reconstrução. Em primeiro lugar a tendência oportunista à capitulação às direções reformistas das massas por um lado, que levou a inúmeras derrotas do trotsquismo no pós-guerra. E, em segundo lugar, a geração de seitas “trotsquistas” que não “encontram o caminho do movimento de massas” e por isso são um peso morto para a revolução.

Foi contra esses desvios que se construiu a corrente trosquista ortodoxa fundada por Nahuel Moreno na Argentina. Nascida com o Grupo Obrero Marxista, em julho de 1944 na Argentina, depois tomou outros nomes (POR, Palavra Obrera, PST, MAS, e depois da explosão do velho MAS, agora com o FOS). Essa corrente desde seu nascedouro parte de uma postura internacionalista que a levou a luta pela reconstrução da IV , que tomou a forma do SLATO (secretariado latino americano do trotsquismo ortodoxo), Fração Bolchevique e agora LIT (Liga Internacional dos Trabalhadores).

Essa corrente internacionalista tem características particulares em relação às outras de origem trotsquista. Em primeiro lugar se dispôs desde seu nascimento a uma inserção qualitativa no movimento operário, rompendo com a tradição intelectual boêmia do trotsquismo argentino. Isso se expressa em partidos que buscam o caminho do movimento de massas, disputam a direção das lutas concretas, recusam a marginalidade, negam o papel de seitas afastadas da realidade.

A outra das características centrais da corrente é a afirmação do programa revolucionário contra as direções burguesas e burocráticas do movimento. Isso teve manifestações fundamentais no passado, com o SLATO, o enfrentamento com a orientação pablista da direção da IV e a dura polêmica com a política do POR Boliviano na revolução de 52, propondo a luta pelo eixo “todo poder a COB”. Outro grande exemplo se deu na Nicarágua. A Fração Bolchevique participou diretamente na luta pela deposição da ditadura de Somoza, através da brigada Simon Bolívar. Depois da derrubada da ditadura, quando começou a organizar amplamente sindicatos independentes se enfrentou com o governo sandinista, que reprimiu e expulsou a Brigada da Nicarágua. A direção majoritária da IV naquele momento, o Secretariado Unificado (com direção de Mandel), mais uma vez confundiu a revolução nicaraguense com sua direção reformista e apoiou a repressão da Brigada pelo governo sandinista. Isso levou a ruptura da Fração Bolchevique com o Secretariado Unificado e a formação da LIT.

Hoje a LIT é ponta de lança das lutas dos trabalhadores não só contra o imperialismo e a burguesia em geral, mas também contra os governos das frentes populares (como Lula, Evo Morales, Tabares Basques e Michelle Bachellet) e nacionalistas da América Latina, como Chavez.

Breve síntese da evolução do trotsquismo no Brasil
O trotsquismo no Brasil em sua origem teve relações com setores importantes do movimento de massas (com dirigentes sindicais gráficos, metalúrgicos, componeses), incorporou quadros com peso na intelectualidade (como o próprio Mario Pedrosa, Florestan Fernandes, a poetisa Pagu, a escritora Rachel de Andrade). Teve elaborações programáticas de importância, como a contraposição as teses stalinistas do “passado feudal”, em que se demonstrava a evolução capitalista do país e a necessidade de um programa revolucionário para o país.

Mas, apesar de tudo isso, por duas vezes os embriões de partido antes da década de 70 foram liquidados pelo revisionismo.

Os primeiros passos do trotsquismo no Brasil se deram com a formação do GCL (Grupo Comunista Lenin) em 1930, e logo depois a LCI (Liga Comunista Internacionalista) fundada em 1931 . Reunia Mario Pedrosa (expulso do PC em 1929, depois de um a viagem em que teve contato com os textos de Trotsky) , Aristides Lobo, Livio Xavier, João Costa Pimenta e outros.

A LCI inaugura a polêmica teórica contra a estratégia de revolução por estapas do stalinismo e publica um jornal “Luta de Classes”. Busca também se estruturar no movimento operário (com peso em gráficos). Consegue impor uma frente única contra o fascismo até a mesmo a setores do PC no dia 7 de outubro de 1934, em que impedem uma manifestação fascista, dos integralistas de Plinio Salgado.

A expressão mais pura do “terceiro período” da III Internacional no Brasil foi a tentativa de golpe articulado ao redor de Prestes, em 1935. Aaventura derrotada custou caro ao conjunto do movimento operário, que sofreu uma feroz repressão. A LCI se desestruturou, vários de seus militantes foram presos e Mario Pedrosa conseguiu se exilar.

Pedrosa voltou ao Brasil, mas teve de fugir novamente para o exterior com o golpe do Estado Novo em 1937. Participou então da conferência de fundação da IV em 1938.

Em 1939, se deu a ruptura com o PC de Hermínio Sachetta, membro de sua direção, que se unificará com o grupo de Pedrosa, formando o PSR (Partido Socialista Revolucionário), reconhecido como seção da IV.

Logo viria uma grave crise, com a polêmica na IV sobre o antidefensismo. Pedrosa aderiu às teses antidefensistas e rompeu com a IV. A organização se enfraqueceu qualitativamente, mas seguiu existindo. Outra crise já se anunciava.

O início da década de 50 era o momento em que se dava a luta entre a organização trotsquista argentina dirigida por Moreno contra a direção majoritária da IV, com Pablo e Mandel pelas posições oportunistas dessa última. Por este motivo, a direção da IV privilegiava a organização argentina dirigida por J. Posadas para ser a seção oficial no país. Sachetta estava ligado a Moreno e entrou em choque com as orientações do pablismo de fazer entrismo no PC brasileiro e suas posturas burocráticas. O choque terminou com o abandono da organização e da militância por Sachetta. Murilo Leal em seu livro “Esquerda da esquerda” informa que ele terminou abraçando as posições antidefensistas. O revisionismo destruiu assim o primeiro embrião de partido trostsquista no Brasil.

O partido se desarticulou. Sobraram alguns militantes desorganizados. A recomposição do partido trotsquista em 1952 – sob a forma de POR (Partido Operário Revolucionário) já se dará sob a direção pablista da internacional, com a preseça no Brasil de um emissário argentino do grupo de Posadas.

É a segunda onda revisionista que vai impedir a consolidação do partido. Foi aplicada uma orientação abertamente oportunista que levou ao apoio a Janio Quadros na eleição para a prefeitura de S. Paulo em 1953. O POR aplica o entrismo no PCB, com uma estratégia de ajudar criticamente a direção stalinista. Com uma política equivocada terminam desaproveitando importantes rupturas como a de Jose Maria Crispim e Agildo Barata.

Em 62, Posadas rompe com o SU da IV, formando sua própria “internacional posadista”. O “posadismo” levou a limites delirantes todas as capitulações do pablismo, apostando em todas as direções stalinistas e nacionalistas burguesas. Isso vai ter como conseqüência o desaproveitamento de todo o ascenso do início da década de 60, com sua claudicação perante o populismo de Jango e Miguel Arraes. Perdeu-se inclusive uma inserção importante camponesa através da liderança de Jeremias.

O revisionismo antidefensista destruiu o primeiro esboço de partido trotsquista (LCI-PSR) no Brasil. O revisionismo pablista-posadista destruiu o segundo com o POR.

Na década de 70, o trotsquismo brasileiro ganhou novas perspectivas com a estruturação de três correntes distintas. O SU se expressava na corrente estudantil Centelha, que depois geraria a Democracia Socialista. O “lambertismo” (corrente internacional dirigida pelo francês Pierre Lambert) animava a corrente estudantil Liberdade e Luta, que depois se transformaria na organização O Trabalho. A outra corrente, originada do organização, originada da corrente morenista era a Liga Operária, depois Convergência Socialista, que seria a principal corrente a formar o PSTU.

A evolução dessas correntes é todo um tema que não desenvolveremos aqui. Só queremos remarcar que a capitulação ou não a direção do PT e da CUT vai definir o futuro dessas correntes.

Todas três fizeram entrismo no PT. A DS não só se adaptou ao PT, como participou do governo Lula com um ministro da Reforma Agrária. Deixou a muitos anos de ser um partido, para se transformar em um movimento eleitoral reformista.

O Trabalho seguiu trajetória semelhante. Está completamente adaptado ao reformismo, e hoje cumpre o papel lamentável de ser um dos principais defensores da CUT contra todos os setores que rompem pela esquerda.

O PSTU incorporou as duas características fundamentais da corrente morenista do qual se originou, a estratégia de vinculação com o movimento dos trabalhadores e a luta contra os aparatos. A CS pôde assim romper com o PT e ajudar a fundar o PSTU. Hoje o PSTU é o principal impulsionador da Conlutas (junto com outras correntes do PSOL e independentes), uma alternativa de direção para as massas perante o peleguismo da CUT.

Os efeitos da queda das ditaduras estalinistas do leste sobre o movimento trotsquista
A década de 90 teve um profundo significado histórico, com a queda das ditaduras stalinistas. Este processo marcou o conjunto da esquerda e também o movimento trotsquista.

A restauração do capitalismo nos antigos estados operários veio pelas mãos da burocracia. Na China ocorreu já no final dos anos 70 pelas mãos da camarilha de Deng-Hsiao-Ping. Na URSS, Gorbatchov, teve o mesmo papel na década de 80. Algo semelhante ocorreu em todos os antigos estados operários.

A confusão se instalou em toda a esquerda, não só pela restauração, mas pela aparência de que foram as mobilizações das massas levaram à restauração do capitalismo. Na verdade, a restauração já tinha ocorrido antes, e as revoluções cumpriram a tarefa progressiva de derrubar as ditaduras stalinistas. A ausência de uma alternativa de direção revolucionária possibilitou que estas revoluções foram dirigidas por setores da própria burocracia que as conduziram para a democracia burguesa.

O exemplo da China demonstra como a derrota da revolução iniciada na Praça Tian-An-Amen, possibilitou que a restauração que já existia se mantivesse ( como ocorre até hoje) sob a ditadura do PC. Se na ex-URSS e no conjunto do Leste, o resultado fosse o mesmo que na China, a etapa aberta em 89 teria outro sentido, de derrota histórica.

A derrubada das ditaduras stalinistas foi um passo extremamente progressivo, porque desapareceu o aparelho internacional que foi a principal trava da revolução mundial no século XX. Este fato marca a abertura de uma nova etapa da luta de classes mundial, muito progressiva pela liberação do aparato internacional do stalinismo.

Mas, contraditoriamente, essa nova etapa, teve um desenvolvimento extremamente complicado na década de 90. Essa foi marcada por uma situação reacionária, em que o elemento progressivo (a derrubada do stalinismo) foi obscurecido pela contra ofensiva imperialista apoiada na restauração do capitalismo no leste e o auge do neoliberalismo.

Existiu uma contra-ofensiva imperialista no terreno econômico, político, militar, ideológico, com derrotas do movimento operário em todo o mundo.

Em termos econômicos, os planos neoliberais se aplicaram em todo o mundo, liquidando conquistas que vinham desde o pós-segunda guerra mundial (o chamado estado de bem estar social). O capital conseguiu avançar num grau superior de internacionalização da economia, controlando por seus oligopólios diretamente os mercados mundiais, aprofundando as carcatrísticas já descritas por Lenin. Conseguiu junto com isso incorporar de forma direta os antigos estados operários na esfera de produção e consumo de mercadorias capitalistas. O número de trabalhadores assalariados sob o capitalismo dobrou, passando de 1,5 para 3 bilhões. Isso deu um fôlego maior ao capitalismo, apesar de não alterar as características básicas de sua decadência e de suas crises cíclicas.

Essa combinação de restauração do capitalismo no leste e auge do neoliberalismo possibilitou também uma gigantesca operação de propaganda que bateu fundo na esquerda, em termos políticos e ideológicos. Difundiu-se amplamente a ideologia de que o capitalismo triunfou e o socialismo morreu. Isto foi incorporado na consciência das massas, como um senso comum. Os planos neoliberais tinham apoio de massas (inclusive nas privatizações) e a confusão ideológica reinava na vanguarda. Generalizou-se o questionamento ao bolchevismo, à ditadura do proletariado, partido revolucionário, centralismo democrático e à própria revolução. Foi imposto um ultra-individualismo, negando a mínima consciência de classe (reconhecer-se enquanto classe, distinta e oposta aos patrões, o classismo), assim como a estratégia socialista.

É o momento em que os setores reformistas como a socialdemocracia assumem a defesa da democracia burguesa com horizonte estratégico, asumindo também a aplicação dos planos neoliberais como parte de sua própria política. O PT brasileiro apontou para esse rumo.

Mas a esquerda revolucionária também foi fortemente atingida. Partidos entraram em crise, outros desapareceram. Alguns seguiram defendendo formalemente a revolução, mas já incorporando claramente ideologias reformistas em seu interior.

O movimento trotsquista foi duramente afetado. A LIT quase foi destruída, com a explosão do MAS. Este que chegou a ser o maior partido trotsquista do mundo em sua época, entrou em uma enorme crise depois da morte de Moreno, com uma capitulação aberta à democracia burguesa. Mas a LIT sobreviveu e se recompôs, lutando com clareza para se reorganizar em base aos princípios marxistas.

Não foi, no entanto, o que ocorreu no restante do movimento trotsquista: “O ‘movimento trotskista’ – considerado como um conjunto de organizações e correntes que, apesar de suas diferenças, mantinham sua independência dos aparatos social-democratas, stalinistas, nacionalistas burgueses ou pequeno-burgueses, mesmo quando capitulavam politicamente a eles em diversos casos – acabou-se, já não existe mais. A maioria de suas organizações, mesmo que continuem existindo ou inclusive se fortaleçam, já não são independentes, mas apêndices de esquerda do castro-chavismo, da social-democracia ou de aparatos nacionais” (documento sobre estratégia da Liga Internacional dos Trabalhadores).

O elemento qualitativo para essa mudança é a participação e a defesa dos governos de frentes populares e nacionalistas burgueses. “Vai desde a participação da Democracia Socialista (antiga seção da corrente internacional Secretariado Unificado (SU), organização que se auto-proclama ‘a’ IV Internacional) no governo Lula, até o apoio de diversas correntes internacionais que se reivindicam trotskystas ao governo Chávez (a TMI dirigida por Alan Woods, a corrente do MES do Brasil, MST da Argentina e Marea Socialista da Venezuela, o SU e a corrente internacional dirigida pelo SWP da Inglaterra). Mas também apareceu na Europa, por exemplo, durante o governo burguês de Romano Prodi, que contou com a participação do Partido Refundação Comunista do qual participava a seção italiana do SU” (mesmo documento).

Vale lembrar que mesmo cedendo às pressões, o Secretariado unificado da IV expulsou de suas fileiras em 1964 o LSSP (partido trotsquista do Ceilão), porque resolveu participar do governo burguês de Frente Popular de Sirimavo Bandaranaike. Agora, no entanto, a participação ou não nesses governos burgueses é um “problema tático”.

Estamos perante a transformação de organizações trotsquistas em reformistas. Um exemplo disso é a corrente MES, que está na direção do PSOL, que vem do trotsquismo. Hoje eles defendem abertamente o apoio aos governos de Chaves, Evo Morales, Rafael Correa no Equador e Lugo no Paraguai. Para isso reeditam a mesma teoria pablista dos “campos progressistas”:

“É a mesma situação colocada aos companheiros da Venezuela agora, sendo parte do campo do processo bolivariano contra a reação e o imperialismo. Como defendemos um campo também na Revolução Cubana contra o imperialismo. Saber atuar em um lado do confronto com independência política e organizativa e defendendo os interesses da classe operária. Essa é uma política geral nas situações agudas e, em particular, nos países independentes que estão na mira do imperialismo.”

O MES faz deliberadamente uma confusão entre o processo revolucionário e sua direção: “É um erro acreditar que Chávez tomou medidas como conseqüência da pressão permanente do movimento de massas, como se Chávez fosse um Kerenski venezuelano. Segundo esta opinião Chávez toma essas medidas como uma manobra reacionária para frear o ascenso das massas. Na verdade, Chávez é a direção do processo real que existe. Sem Chávez não haveria o processo em curso”.

A falência dessas correntes se demonstra até em sua total falta de elaboração teórica. Até para se adaptar ao nacionalismo burguês tem de recorrer às fórmulas gastas do pablismo.

Como se trata de uma frágil cobertura ideológica para o mais rasteiro oportunismo, o esquema dos campos não resiste a nenhuma análise mais cuidadosa de qualquer um desses países ou governos. Os trabalhadores da fábrica Sidor, por exemplo, enfrentaram por meses o governo Chávez, que reprimiu a mobilização duramente duas vezes. Tratava-se da velha e tradicional luta de classes entre o proletariado de um lado e o governo burguês de outro. A mobilização foi crescendo e ganhando a simpatia de um setor amplo dos trabalhadores de outras empresas. O governo Chávez foi obrigado então a voltar atrás e nacionalizar a empresa. Agora o MES (e todos os defensores de Chávez) falam da nacinalização de Sidor como uma “iniciativa” de Chávez. Trata-se de uma pura e simples falsificação da realidade.

Para completar sua visão de mundo, o MES declara que “Reivindicamos o modelo leninista. Isso significa um partido que adapta suas formas organizativas às situações da luta de classes. Lênin esteve por muito tempo como fração da social-democracia. Experimentou vários momentos atuar no mesmo partido com os mencheviques, com os quais rompeu em definitivo apenas em 1912, chamando a unidade inclusive com setores mencheviques contra os chamados ‘liquidadores’ do partido.

“A política de construir o partido revolucionário neste período somente com aqueles que estejam de acordo com um programa acabado e sob um regime de centralismo sem tendências leva a um partido de autoproclamação.

“Neste período, coloca-se a tarefa para a construção do partido o reagrupamento, melhor dizendo, agrupamento de diferentes forças que se localizam no campo da luta pelo socialismo, mesmo que não tenhamos acordo sobre todos os pontos de como chegar ao socialismo.”

A “reivindicação” do leninismo soa como farsa. Lenin desenvolve plenamente sua concepção de partido ao redor do modelo bolchevique. É esta a referência histórica que se estende como modelo para a III Internacional. Reinvindicar as experiencias anteriores de unidade com os mencheviques que foram abandonadas para poder disputar o poder na Rússia, é simplesmente uma farsa.

O MES faz esta “defesa” do leninismo para negar o modelo do partido bolchevique (o que é construído com “aqueles que estejam de acordo a um prgrama acabado”). Ou seja, para reivindicar a experiência do PSOL, um partido reformista, que agrupa setores majoritários socialdemocratas e alguns grupos minoritários revolucionários ao redor de um programa reformista. O que isso tem a ver com Lenin?

Coerentes com essa postura reformista, o MES declara: “Não acreditamos que a construção da Internacional signifique a reconstrução da IV Internacional: é um novo período da luta de classes. A IV Internacional foi uma resposta defensiva ao estalinismo que cumpriu o objetivo de defesa do programa em momentos difíceis. Agora está colocado um reagrupamento, ou melhor dito agrupamento de forças que vão além dos que reivindicamos o trotskismo.”

O apoio aos governos burgueses não tem nada a ver com o trotsquismo. Já os que seguem defendendom um programa revolucionário, apostam hoje, mais do que nunca na reconstrução da IV. Mas claro está que a IV não será reconstruída a partir da organização destes “trotsquistas” hoje reformistas, mas dos que, tenham a origem que tenham, assumirem programa da revolução.

A reconstrução da IV
A situação reacionária da década de 90 no sécul passado foi superada. O século XXI trouxe uma modificação qualitativa da realidade, com a crise do neoliberalismo e ressurgimento de grandes processos revolucionários. Insurreições e semiinsurreições derrubaram governos no Equador, Argentina e Bolívia. Outra impediu o golpe imperialista na Venezuela contra Chavez em 2002. No Iraque a ofensiva militar norte americana se empantanou, perante uma resistência heróica e crescente.

No entanto, mesmo com essas modifições na realidade objetiva, seguiu existindo um atraso importante na consciência, produto da década anterior. Seguia havendo um questinamento sobre a estratégia socialista e revolucinária na vanguarda. A destruição do aparato stalinista internacional não foi seguida pela construção de uma alternativa revolucionária. A destruição do velho não foi acompanhada ainda no mesmo nível com o surgimento do novo.

No entanto, nos últimos anos, novos avanços estão se dando também neste terreno. A polarização crescente da luta de classes está tendo também conseqüências no plano ideológico. A discussão sobre o socialismo voltou a estar presente no movimento de massas. Observa-se um fortalecimento de processos de reorganização do movimento de massas, como é o caso da Conlutas no Brasil, C-Cura na Venezuela, Batay Ouvriyé no Haiti. Existe novamente uma retomada dos debates estratégicos sobre a revolução interessando camadas cada vez maiores de ativistas. Paralelamente começam a se fortalecer correntes revolucionárias no terreno da vanguarda na América Latina.

O significado destas mudanças, que ainda vem em um ritmo mais lento que o das grandes lutas qu estão se dando, é que começa a se manifestar com toda a clareza o efeito progressivo da derrubada dos aparatos stalinistas. O que tinha ficado contido pela situação reacionária da década de 90, agora começa a se expressar com mais clareza.

Isso pode significar que estão se abrido possibilidades para a reconstrução da IV Internacional em condições muito superiores a tudo que já aconteceu até agora.

Nesse caso, a tarefa de reconstruí-la deve ser tomada como uma continuidade da metodologia empregada por Trotsky em sua fundação. Sem nenhum sentido de autoproclamação, mas buscando agrupar os revolucionários ao redor de um programa e concepção clara de partido. Construir a unidade solidamente ao redor destes acordos principistas e não de possíveis origens comuns. E empreender a tarefa difícil e custosa de atualizar o Programa de Transição, incorporando as novas realidades como a resultante da derrubada das ditaduras do leste e a globalização do capitalismo. Essa é a tarefa proposta pela LIT a todas as organizações revolucionárias que estejam de acordo com esta perspectiva.

Valter Pomar

Postado por Attman e Kamadon

Alguns signatários da “Mensagem ao Partido” acreditam que a “revolução democrática” seria nosso caminho para o socialismo. Quem acredita nisso, deveria ler a esclarecedora entrevista que Tarso Genro, um dos principais signatários da “Mensagem”, concedeu ao jornalista Otávio Cabral (Veja, 28/3/2007).

Lá, Tarso Genro afirma que “o PT também se originou de organizações revolucionárias que defendiam a visão unitária do estado a partir da luta de classes. Mas (...) essa visão unitária do estado nunca foi hegemônica no PT.

Hoje, é altamente minoritária, não tem nenhuma chance de vingar. É por isso, inclusive, que o PT vem sofrendo algumas dissidências. Dentro do partido, as visões mais tradicionalmente ligadas ao messianismo proletário tornaram-se cada vez menos expressivas. Hoje, independentemente de ranço ideológico aqui e ali, não há mais nenhum grupo no PT que defenda um projeto socialista compatível com a supressão das liberdades, com uma visão de dominação de classes, de estado classista”.

Portanto, ao menos para Tarso Genro, falar do caráter de classes do Estado é “ranço ideológico”. Mas se é assim, o que é o Estado? Algo neutro, que paira acima das classes? Ou um “espaço em disputa” entre várias classes sociais?

Admitida alguma destas duas explicações, então não haveria motivo para a “Mensagem” criticar a ilusão social-democrata na “neutralidade do Estado”.

Afinal, os social-democratas não acreditam que o Estado seja “neutro” no sentido vulgar da palavra. Fosse assim, eles não disputariam como disputam o controle do aparelho de Estado. O que os social-democratas modernos não aceitam é a teoria que atribui um “caráter de classe” ao Estado, entre outros motivos porque aceitar esta teoria implica em perceber os limites das disputas eleitorais e nos obriga a discutir a necessidade de substituir o Estado “burguês” por um Estado “socialista”.

Na entrevista já citada à revista Veja, Tarso afirma também que é difícil uma democracia se consolidar “com tanta desigualdade social. Isso porque a democracia tem um arcabouço institucional, mas sua base é a coesão social”.

Para o caso de não ter ficado claro o alcance do argumento, Tarso Genro desenvolve seu raciocínio e explica: “a palavra adequada é coesão social. A democracia tem de admitir uma desigualdade social relativa, senão ela não será democracia. O elemento estratégico vital para sua consolidação é a coesão social. Eu diria que a grande utopia da revolução democrática do Brasil é fazer com que as pessoas pertençam às classes sociais, e não que sejam destituídas de classes sociais. Temos de reestruturar a sociedade de classe. As pessoas têm de ter o sentimento de pertencer às classes sociais porque assim elas participam de um diálogo de coesão. Isso é que dá estabilidade e força à democracia”.

Poderíamos traduzir assim o raciocínio: o Estado democrático burguês não é compatível com o fim da desigualdade. Nos marcos do Estado democrático burguês, o máximo que se pode fazer é reduzir a desigualdade. Para isso, é preciso convencer os de baixo a não pedir demais e convencer os de cima a ceder um pouco mais. Sem isso, não será possível a coesão social. E um elemento central da coesão social é que as pessoas aceitem a divisão da sociedade em classes.

Ao menos na leitura de Tarso Genro (certamente não compartilhada por todos os signatários da “Mensagem”), há uma clara relação entre a “revolução democrática” e a social-democracia. Apresentar isto como um caminho para o socialismo é propaganda enganosa.




Valter Pomar
em 11/06/2007


Alguns signatários da “Mensagem ao Partido” acreditam que a “revolução democrática” seria nosso caminho para o socialismo. Quem acredita nisso, deveria ler a esclarecedora entrevista que Tarso Genro, um dos principais signatários da “Mensagem”, concedeu ao jornalista Otávio Cabral (Veja, 28/3/2007).

Lá, Tarso Genro afirma que “o PT também se originou de organizações revolucionárias que defendiam a visão unitária do estado a partir da luta de classes. Mas (...) essa visão unitária do estado nunca foi hegemônica no PT.

Hoje, é altamente minoritária, não tem nenhuma chance de vingar. É por isso, inclusive, que o PT vem sofrendo algumas dissidências. Dentro do partido, as visões mais tradicionalmente ligadas ao messianismo proletário tornaram-se cada vez menos expressivas. Hoje, independentemente de ranço ideológico aqui e ali, não há mais nenhum grupo no PT que defenda um projeto socialista compatível com a supressão das liberdades, com uma visão de dominação de classes, de estado classista”.

Portanto, ao menos para Tarso Genro, falar do caráter de classes do Estado é “ranço ideológico”. Mas se é assim, o que é o Estado? Algo neutro, que paira acima das classes? Ou um “espaço em disputa” entre várias classes sociais?

Admitida alguma destas duas explicações, então não haveria motivo para a “Mensagem” criticar a ilusão social-democrata na “neutralidade do Estado”.

Afinal, os social-democratas não acreditam que o Estado seja “neutro” no sentido vulgar da palavra. Fosse assim, eles não disputariam como disputam o controle do aparelho de Estado. O que os social-democratas modernos não aceitam é a teoria que atribui um “caráter de classe” ao Estado, entre outros motivos porque aceitar esta teoria implica em perceber os limites das disputas eleitorais e nos obriga a discutir a necessidade de substituir o Estado “burguês” por um Estado “socialista”.

Na entrevista já citada à revista Veja, Tarso afirma também que é difícil uma democracia se consolidar “com tanta desigualdade social. Isso porque a democracia tem um arcabouço institucional, mas sua base é a coesão social”.

Para o caso de não ter ficado claro o alcance do argumento, Tarso Genro desenvolve seu raciocínio e explica: “a palavra adequada é coesão social. A democracia tem de admitir uma desigualdade social relativa, senão ela não será democracia. O elemento estratégico vital para sua consolidação é a coesão social. Eu diria que a grande utopia da revolução democrática do Brasil é fazer com que as pessoas pertençam às classes sociais, e não que sejam destituídas de classes sociais. Temos de reestruturar a sociedade de classe. As pessoas têm de ter o sentimento de pertencer às classes sociais porque assim elas participam de um diálogo de coesão. Isso é que dá estabilidade e força à democracia”.

Poderíamos traduzir assim o raciocínio: o Estado democrático burguês não é compatível com o fim da desigualdade. Nos marcos do Estado democrático burguês, o máximo que se pode fazer é reduzir a desigualdade. Para isso, é preciso convencer os de baixo a não pedir demais e convencer os de cima a ceder um pouco mais. Sem isso, não será possível a coesão social. E um elemento central da coesão social é que as pessoas aceitem a divisão da sociedade em classes.

Ao menos na leitura de Tarso Genro (certamente não compartilhada por todos os signatários da “Mensagem”), há uma clara relação entre a “revolução democrática” e a social-democracia. Apresentar isto como um caminho para o socialismo é propaganda enganosa.




O socialismo petista



Valter Pomar





Alguns signatários da “Mensagem ao Partido” acreditam que a “revolução democrática” seria nosso caminho para o socialismo. Quem acredita nisso, deveria ler a esclarecedora entrevista que Tarso Genro, um dos principais signatários da “Mensagem”, concedeu ao jornalista Otávio Cabral (Veja, 28/3/2007).

Lá, Tarso Genro afirma que “o PT também se originou de organizações revolucionárias que defendiam a visão unitária do estado a partir da luta de classes. Mas (...) essa visão unitária do estado nunca foi hegemônica no PT.

Hoje, é altamente minoritária, não tem nenhuma chance de vingar. É por isso, inclusive, que o PT vem sofrendo algumas dissidências. Dentro do partido, as visões mais tradicionalmente ligadas ao messianismo proletário tornaram-se cada vez menos expressivas. Hoje, independentemente de ranço ideológico aqui e ali, não há mais nenhum grupo no PT que defenda um projeto socialista compatível com a supressão das liberdades, com uma visão de dominação de classes, de estado classista”.

Portanto, ao menos para Tarso Genro, falar do caráter de classes do Estado é “ranço ideológico”. Mas se é assim, o que é o Estado? Algo neutro, que paira acima das classes? Ou um “espaço em disputa” entre várias classes sociais?

Admitida alguma destas duas explicações, então não haveria motivo para a “Mensagem” criticar a ilusão social-democrata na “neutralidade do Estado”.

Afinal, os social-democratas não acreditam que o Estado seja “neutro” no sentido vulgar da palavra. Fosse assim, eles não disputariam como disputam o controle do aparelho de Estado. O que os social-democratas modernos não aceitam é a teoria que atribui um “caráter de classe” ao Estado, entre outros motivos porque aceitar esta teoria implica em perceber os limites das disputas eleitorais e nos obriga a discutir a necessidade de substituir o Estado “burguês” por um Estado “socialista”.

Na entrevista já citada à revista Veja, Tarso afirma também que é difícil uma democracia se consolidar “com tanta desigualdade social. Isso porque a democracia tem um arcabouço institucional, mas sua base é a coesão social”.

Para o caso de não ter ficado claro o alcance do argumento, Tarso Genro desenvolve seu raciocínio e explica: “a palavra adequada é coesão social. A democracia tem de admitir uma desigualdade social relativa, senão ela não será democracia. O elemento estratégico vital para sua consolidação é a coesão social. Eu diria que a grande utopia da revolução democrática do Brasil é fazer com que as pessoas pertençam às classes sociais, e não que sejam destituídas de classes sociais. Temos de reestruturar a sociedade de classe. As pessoas têm de ter o sentimento de pertencer às classes sociais porque assim elas participam de um diálogo de coesão. Isso é que dá estabilidade e força à democracia”.

Poderíamos traduzir assim o raciocínio: o Estado democrático burguês não é compatível com o fim da desigualdade. Nos marcos do Estado democrático burguês, o máximo que se pode fazer é reduzir a desigualdade. Para isso, é preciso convencer os de baixo a não pedir demais e convencer os de cima a ceder um pouco mais. Sem isso, não será possível a coesão social. E um elemento central da coesão social é que as pessoas aceitem a divisão da sociedade em classes.

Ao menos na leitura de Tarso Genro (certamente não compartilhada por todos os signatários da “Mensagem”), há uma clara relação entre a “revolução democrática” e a social-democracia. Apresentar isto como um caminho para o socialismo é propaganda enganosa.

A esquerda e as eleições: O caminho da Frente de esquerda

Postado por Attman e Kamadon

Rui Costa Pimenta, presidente do PCO


As eleições presidenciais passadas apresentaram ao lado do bloco político da esquerda (e da direita) que apoiou Lula um outro bloco de esquerda encabeçado pelo Psol e integrado pelo PSTU e pelo PCB.

Este bloco teve, para presidente, cerca de seis de milhões de votos. Uma votação extraordinária, particularmente se levarmos em consideração que o Psol era um partido recém-formado e todos os seus integrantes partidos sem qualquer expressão eleitoral deste porte.

O resultado foi apresentado, na época, pelos integrantes do bloco, a chamada Frente de Esquerda, como uma grande vitória.

Esta frente, no entanto, não conseguiu sobreviver aos quatro anos que se passaram de lá para cá.

Heloísa Helena, receptáculo de tantos votos, nega-se a ser candidata e decidiu apoiar a candidatura de Marina Silva, saída há pouco do PT.

A Frente de Esquerda desfez-se como uma bolha de sabão para apoiar a prevista candidata do Partido Verde, um partido burguês de direita.

Essa evolução se dá sem qualquer crise, sem qualquer abalo no interior dos partidos que compunham a Frente de Esquerda. O PSTU decide-se a lançar uma pré-candidatura própria, mas não se abala minimamente com o fato de que o que era a “alternativa de classe” a Lula tenha sucumbido à classe inimiga de forma tão lamentável. Ao contrário, alimentam a esperança e reivindicam a mudança de posição de seus aliados.

Aliados, sim. Pois, exceto no terreno eleitoral continuam aliados em todos os lugares. Uma ala do Psol está inclusive formando uma “central sindical” com o PSTU. O Brasil, como se sabe é recordista de “centrais” sindicais.

Quanto ao apoio a Marina Silva, consideram um erro. Errare humanum est.

Qualquer pessoa de bom senso pode ver na falta de emoção com que se passam estas vertiginosas reformulações que se trata de não mais que uma enorme farsa política.

A candidatura de Marina Silva foi “criada” pela mesma imprensa que apóia desesperadamente a candidatura de José Serra, na esperança de retirar votos da poderosa máquina de demagogia montada por Lula em seus dois mandatos. Se a candidata de Lula sair vitoriosa, serão nada menos que cinco mandatos para o sorridente fauno proletário do planalto.

A mesma operação esteve detrás da candidatura de Heloísa Helena, o que explica os seus seis milhões de votos. Sua grande função política foi a de levar a eleição para o segundo turno. Esta é a grande função da candidatura de Marina Silva.

Nenhuma das duas senadoras eleitas pelo PT é ou foi em momento nenhum uma “alternativa de esquerda”, que dirá “de classe”.

A pré-candidatura do PSTU, por sua vez, também, não cumpre absolutamente nenhum papel classista nas eleições. É, na realidade, o oposto. Sua tarefa é encobrir o apoio do PSTU a este bloco, cuja política o coloca sempre a serviço da direita em troca de um impulso eleitoral suficiente... para levar a eleição para o segundo turno. Em troca, vão colhendo aqui e acolá pequenas migalhas da farta mesa eleitoral da burguesia na forma de um cargo parlamentar ou outro.

O bloco se mantém unido em todas as demais questões. Unido, porém, sem qualquer programa ou perspectiva política própria, a reboque, seja do PT e dos seus aliados de direita, seja do bloco principal da direita, comandado pelo PSDB.

Os trabalhadores e os oprimidos em geral nada, absolutamente nada, têm que esperar deste bloco da esquerda pequeno-burguesa, cujo apetite por cargos somente é igualado pela sua vacuidade política. Não se trata de uma coligação de partidos da classe operária, mas pequeno-burgueses, que se colocam inteiramente dentro do regime atual e na sua defesa.

É preciso, tanto nas eleições, como principalmente fora delas, como os acontecimentos deste anos demonstraram, uma alternativa que seja de classe e revolucionária, ou seja, que atue não pela integração no regime atualmente existente mas pela sua liquidação pela ação das massas.

Ecologismo imperialista

Postado por Attman e Kamadon

Rui Costa Pimenta,presidente do PCO

A Conferência de Copenhague demonstrou de maneira brilhante o verdadeiro sentido da preocupação mundial com o clima e com o aquecimento global.

A proposta apresentada pelos países imperialistas no sentido de que os países atrasados deveriam não apenas diminuir a sua atividade industrial como financiar toda a operação.

Pode-se discutir muito em torno da realidade maior ou menor que encerram as previsões apocalípticas sobre o aquecimento global. Não há como negar o caráter puramente ideológico das inúmeras teorias que demonstram a impossibilidade científica de um desenvolvimento contínuo desde as teorias de Malthus sobre a população.

A função destas teorias sobre o “fim do mundo” e a “inviabilidade do progresso” é simplesmente conservadora. É preciso mostrar sempre que a melhor solução é deixar tudo como está, ao menos no terreno social. As mudanças são impossíveis.

A bomba atômica, a extinção das espécies, o desmatamento, o aquecimento global foram tantos outros instrumentos ideológicos utilizados para fins conservadores e contra-revolucionários.

O problema não reside em que a questão em si não tenha fundamento real algum, mas que, em uma sociedade dividida em classes, não há questão, verdadeira ou falsa, que não assuma imediatamente um caráter de classe através da maneira como a classe dominante e a classe dominada se proponham a resolvê-la.

O caso da Conferência de Copenhague é ilustrativo exatamente disso. A solução dos países dominantes, imperialistas, é fazer com que os demais paguem e retrocedam. O mercado capitalista está saturado. O capital sobra e não encontra atividade produtiva. Que solução extraordinária não seria a desindustrialização de determinados países oprimidos.

A conferência desfez o mito de uma solução “global”. Não há soluções globais, negociadas democraticamente entre todos os países, há apenas soluções imperialistas.

Assim como nos estados nacionais também não há soluções democráticas, mas apenas as soluções da classe que domina o estado, no mundo não há soluções negociadas em pé de igualdade entre desiguais, apenas os ditames da classe dominante que se expressa através das nações dominantes.

Para os demais, é preciso ficar claro que a solução do problema do clima, seja ela qual for, está subordinada à luta contra o imperialismo.