Postado por Attman e Kamadon
Eduardo Hoonaert
Esplendidamente escrito e demonstrando um domínio insuperável da língua portuguesa, o novo romance de José Saramago, prêmio nobel de literatura, intitulado Caim e recentemente editado pela Companhia das Letras (São Paulo, 2009), vem nos surpreender. Pois Caim é apresentado como uma pessoa corajosa, que critica os feitos do ‘senhor deus’ e é valorizado por isso.
À primeira vista, parece que Saramago tem a intenção de nos escandalizar com disparates levianos e incongruentes contra os textos bíblicos. Mas não é bem assim. O autor demonstra que a história de Adão e Eva, Caim e Abel, Noé e a torre de Babel, Abraão e Isaac, José e seus irmãos, Moisés e o povo no deserto, Josué, a tomada de Jericó e tantas outras são conhecidas pela maioria das pessoas de forma banalizada, sem a profundidade do próprio texto bíblico.
Saramago não comenta a bíblia, ele se refere o tempo todo ao que se pode chamar de apresentação vulgarizada da bíblia, ou seja, à ‘história sagrada’. Seu romance é uma crítica ácida e corrosiva da ‘história sagrada’ tal qual é intensamente difundida e universalmente conhecida, pois ela retira o conteúdo vivo das narrativas bíblicas e joga ao povo um amontoado de histórias incompreensíveis e estranhas, como a história de um deus que resolve destruir a humanidade de vez (o dilúvio), manda fogo e enxofre sobre uma cidade onde, ao que parece, se pratica a homossexualidade (Sodoma e Gomorra), manda a um pai matar seu próprio filho (Abraão e Isaac), consente na matança de três mil pessoas que praticaram um rito religioso que não é de seu agrado (os israelitas no deserto) e se deleita nas crueldades cometidas pelos exércitos de Israel (tomada de Jericó por Josué).
Saramago declara-se ateísta desse deus, ele desmascara a maneira em que a bíblia costuma ser interpretada nos dias de hoje. O autor combate a ingenuidade com que as pessoas identificam a imagem de deus com a imagem de um senhor que manda, governa e faz o que quer, sem respeitar o interesse da pessoa humana que parece um joguete em suas mãos.
O romance de Saramago pode criar desconforto em leitores(as) acostumados(as) à apresentação superficial da bíblia, pois ele critica a fé ingênua de pessoas que se recusam a pensar criticamente e com liberdade. Saramago gostaria que o ser humano fosse mais consciente de suas potencialidades e libertasse sua mente do domínio de organizações religiosas que secularmente explicam as sagradas escrituras como lhes convém. Por isso penso que vale a pena ler o romance Caim. É um livro que, além de proporcionar o prazer causado pelo um domínio perfeito da língua portuguesa, ajuda a pensar.
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