sábado, 20 de março de 2010

Os desafios do socialismo no século 21-2° parte:Venezuela

Postado Por Attman e Kamadon

A "Revolução Bolivariana" de Chávez tem sido muito popular entre os

pobres. Poderia explicar como a sociedade venezuelana tem mudado

desde que Chávez chegou ao poder?

Em primeiro lugar, vamos reconhecer que a Revolução Bolivariana colocou o socialismo democrático na agenda mundial depois de atravessarmos um período na década de 1990 em que muitos ficavam mesmo alarmados em falar de socialismo, quando parecia que o capitalismo global havia atingido o pico da sua hegemonia e quando alguns na esquerda compravam a tese do "fim da história".

A Revolução Bolivariana deu às massas pobres e em grande medida afrocaribenhas a sua voz pela primeira vez desde a guerra da independência do colonialismo espanhol. O governo Chávez reorientou prioridades para a maioria

pobre. Ele foi capaz de utilizar os rendimentos do petróleo, em particular, para desenvolver saúde, educação e outros programas sociais que tiveram resultados dramáticos na redução da pobreza, eliminando virtualmente o analfabetismo e

melhorando a saúde da população. Organizações internacionais e agências têm reconhecido estas notáveis realizações sociais.

Contudo, como alguém que visita a Venezuela regularmente, eu diria que a mudança mais fundamental desde que Chávez chegou ao poder não é a destes indicadores sociais mas sim o despertar político e sócio-psicológico da maioria pobre – um vasto processo popular de mobilização das bases, expressão cultural, participação política e participação no poder. A velha elite e a burguesia foram

parcialmente substituídas no Estado e do poder político formal – embora não inteiramente. Mas o medo real e o ressentimento dos velhos grupos dominantes,

o pânico e o seu ódio contra Chávez é porque eles sentiram deslizar do seu domínio a capacidade confortável de exercer dominação cultura e sóciopsicológica sobre as classes populares como o fizeram durante décadas, mesmo

séculos. Naturalmente, ali ainda há outros muitos mecanismos através dos quais a burguesia e os agentes políticos do antigo regime são capazes de exercer sua influência, particularmente através dos meios de comunicação que em grande medida ainda estão nas suas mãos.



Quão avançados são os planos de nacionalização de Chávez? Há alguma

evidência de que eles levam aos resultados desejados?

A grande mudança econômica óbvia foi a recuperação do petróleo do país para um projeto popular – e mesmo que haja ainda uma burocrática oligarquia PDVSA.Outras empresas chave, tais como a siderurgia, foram nacionalizadas. E o setor cooperativo – com todos os seus problemas – tem se ampliado. No entanto, o poder econômico ainda está em grande medida nas mãos da burguesia.

A estratégia da revolução tem sido erguer novas instituições paralelas e também tentar "colonizar" o velho Estado. Mas o Estado venezuelano ainda é em grande medida um Estado capitalista. A questão chave é: como pode um projeto de transformação avançar enquanto opera através de um Estado corrupto, clientelista, burocrático e muitas vezes inerte legado pelo antigo regime? Se forças revolucionárias e socialistas chegam ao poder dentro de um processo político capitalista como você confronta o Estado capitalista e os entreves que ele

coloca nos processos de transformação? De fato, na Venezuela, e também na Bolívia, as instituições do Estado muitas vezes atuam para constranger, diluir e cooptar lutas de massas vindas de baixo.

Do meu ponto de vista, na Venezuela a maior ameaça à revolução não vem da oposição política de direita, mas sim da chamada direita "endógena" ou "chavista" e pertencente ao bloco revolucionário, incluindo elites do Estado e responsáveis partidários, desenvolverão um interesse mais profundo em defender o capitalismo global do que na transformação socialista.



A revolução tem mais de uma década. Está amadurecendo ou está

chegando a uma etapa de declínio e deformação?

Eu não diria que a revolução está em "declínio" ou "deformação". A guinada à esquerda na América Latina começou como uma rebelião contra o neoliberalismo.

Os regimes pós neoliberais empreenderam suaves reformas redistributivas e nacionalizações limitadas, particularmente de recursos energéticos e serviços públicos que anteriormente haviam sido privatizados. Eles foram capazes de reativar a acumulação. Mas o pós-neo-liberalismo que atualmente não caminha em direção a uma profunda transformação socialista, está rapidamente a atingir

os seus limites. O processo bolivariano enfrenta contradições, problemas e limitações, tal como todos os projetos históricos. Eu diria que tanto a revolução venezuelana como os processos boliviano e equatoriano podem estar a rebelar-se contra os limites da reforma redistributiva dentro da lógica do capitalismo global, especialmente considerando a atual crise do capitalismo global. O anti-neoliberalismo que não desafia mais fundamentalmente a própria lógica do capitalismo choca-se contra

limitações que podem agora ter sido atingidas.

Pode ser que a melhor ou a única defesa da revolução seja radicalizar e

aprofundar o processo, pressionar pelo avanço de transformações estruturais que vão além da redistribuição. O fato é que a burguesia venezuelana pode ter sido deslocada em parte do poder político, mas ainda detém grande parte do controle economico. Romper tal controle implica uma mudança mais significativa na propriedade e nas relações de classe. Isto por sua vez significa romper a dominação do capital, do capital global e dos seus agentes locais.

Recordemos as lições da Nicarágua e de outras revoluções. Alianças multi-classe geram contradições desde que a etapa da lua-de-mel da reforma redistributiva e dos programas sociais fáceis alcancem o seu limite. Então as alianças multi-classe começam a entrar em colapso porque há contradições fundamentais entre distintos projetos e interesses de classe. Nesse ponto, uma revolução deve definir

mais claramente o seu projeto de classe; não apenas no discurso ou na política mas na transformação estrutural real.

A um nível mais técnico, poderíamos dizer que as contradições geradas pela tentativa de romper a dominação do capital global não são uma falha da Revolução. A Venezuela ainda é um país capitalista no qual a lei do valor, da acumulação de capital, está operativa. Esforços para estabelecer uma lógica contrária – uma lógica da necessidade social e da distribuição social – chocam-se contra a lei do valor. Mas numa sociedade capitalista violar a lei do valor lança tudo na loucura, gerando muitos problemas e novos desequilíbrios que a contrarevolução é capaz de aproveitar. Isto é o desafio para qualquer revolução orientada para o socialismo dentro do capitalismo global.



William I. Robinson é professor de Sociologia, Universidade da Califórnia –

Santa Bárbara

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