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O QUE É TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Claudemiro Godoy do Nascimento
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: EM DEFESA DOS EXCLUÍDOS
A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: O CRISTIANISMO A FAVOR DOS EXCLUÍDOS
A palavra teologia vem da conjugação de TÉOS e LÓGOS, dois termos gregos.
Poder-se-ia dizer que teologia é todo discurso acerca de Deus. Assim, por
exemplo, foi denominado por Aristóteles em seu livro "Filosofia Primeira",
que hoje conhecemos com o nome de metafísica. Para Aristóteles o TÉOS seria
objeto de pesquisa da maior de todas as ciências: a ciência do ser enquanto
ser - esta que hoje denominamos de metafísica. Portanto, para ser
estagirita - Aristóteles, a metafísica, ou seja, a filosofia primeira, é
sinônimo de teologia.
Apesar de podermos falar de teologia em um sentido lato, tal como abordamos
acima, atualmente o significado deste termo difere-se deste que expusemos.
Teologia hoje é o discurso racional acerca de Deus a partir dos dados
advindos de um livro revelado: Bíblia, Alcorão, etc. À teologia compete,
portanto, a atualização dos dados revelados através do discurso (lógos),
segundo as exigências históricas vigentes. Com isso, se mostra o caráter
transitório do discurso teológico: a transitoriedade do discurso deve-se à
transitoriedade própria da história humana, da cultura e de suas diversas
problemáticas. Deus, por isso, deve sempre aparecer ao homem, através do
discurso teológico, historicamente situado. Esta, última informação nos leva
a perceber a imbricação necessária entre teólogo, revelação e história.
Não obstante à imbricação supracitada, não poucas vezes a teologia cristã se
configurou de forma totalmente anacrônica em seus discursos e,
conseqüentemente, em seus conceitos. A teologia cristã durante séculos,
preocupou-se com o hyperurânio de Platão, com o motor imóvel de Aristóteles,
com a cidade de Deus de Agostinho, menos com as problemáticas históricas que
fatalmente orientavam a vida social do homem. É comum nos depararmos com
textos clássicos da teologia e sermos levados às nuvens, aos céus, como, por
exemplo, num texto de Irineu ou de
S. Agostinho de Hipona. Mas, qual a razão disto? Isto ocorreu por mera
vontade dos teólogos? Certamente, não.
A teologia cristã configurou-se de forma anacrônica por muito tempo, devido
ao instrumental filosófico que ela utilizou para discursar acerca de Deus.
Tal instrumental derivava-se da metafísica clássica que tem como
característica formular conceitos anacrônicos, desconsiderando o caráter
histórico do homem - ou seja, desconsiderando o homem enquanto ser
histórico, que se faz (constrói) no tempo. A conseqüência disto, é que os
dados da revelação cristã - Bíblia - foram entendidos como realidades
atemporais e ahistóricas. Por isso, por muito tempo - certamente, também
ainda hoje - entendeu-se Deus, Reino dos Céus, inferno, etc., como
realidades totalmente transcendentais, totalmente destacadas dos processos e
fases históricas da humanidade.
Esta forma de discurso acerca de Deus foi submetida à crítica com o advento
da modernidade e do pensamento contemporâneo. A metafísica, que foi a "pedra
angular" da teologia clássica, foi fortemente criticada a partir da
modernidade. Descobriu-se, após séculos de especulação, a história como
característica essencial do homem e a cultura como âmbito de toda construção
histórica. Com isso, o pensamento ocidental, largou aquele
transcendentalismo metafísico, tornando-se por isso mais imamentista. Isto
influenciou fortemente a teologia. O encontro do homem com Deus - chamado
pela teologia da GRAÇA - passou a ser pensado como realidade histórica: Deus
se manifesta ao homem situando-se histórica e culturalmente, ou seja, o
encontro de Deus com o homem difere-se na história em suas diversas épocas,
e difere-se na pluralidade cultural que se dá no seio da humanidade.
Obviamente, isto gerou uma certa relativização no discurso sobre Deus;
porém, valorizou a historicidade como característica essencial do ser
humano, além de valorizar a multiplicidade de formas de Deus se apresentar
ao homem, superando, assim, o anacronismo clássico metafísico que norteava o
pensamento teológico no entendimento da relação homem - DEUS.
A chamada Teologia da Libertação está inserida nesta última fase do
pensamento ocidental que destacamos acima: a fase da valorização da
história, da cultura e da diversidade de formas de manifestação do encontro
do homem com Deus. Ela é uma teologia propriamente cristã; por isso, utiliza
a Bíblia como pressuposto necessário de seus discursos.
A expressão "teologia da libertação", já mostra o sentido norteador deste
discurso teológico. O genitivo que aparece na expressão citada - DA
LIBERTAÇÃO -, mostra-nos que a libertação é o horizonte regulador do
discurso acerca de Deus, e, ao mesmo tempo, mostra-nos que o Deus do
discurso é fonte de libertação. Esta se manifesta concretamente nos diversos
momentos do processo histórico de um povo. Conseqüentemente, a teologia da
libertação torna-se força geradora de ações que viabilizam uma práxis
libertadora, segundo as necessidades advindas das diversas circunstâncias
sob as quais um povo está submetido.
"A teologia da libertação é um movimento teológico que quer mostrar aos
cristãos que a fé deve ser vivida numa práxis libertadora e que ela pode
contribuir para tornar esta práxis mais autenticamente libertadora" (MONDIN,
1980, p. 25). Neste sentido, o cristão é impelido a viver a práxis
libertadora nas diversas épocas da história.
O termo libertação foi cunhado a partir da realidade cultural, social,
econômica e política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir das
décadas de 60/70 do último século. Os teólogos deste período, católicos e
protestantes, assumiram a libertação como paradigma de todo fazer teológico.
Vejamos o quadro social da América Latina no período originário da teologia
da libertação:
"O ambiente político é geralmente caracterizado pela presença de governos
que administram o poder arbitrariamente em vantagem dos ricos e dos
poderosos, fazendo amplo uso da força e da violência. (...) O ambiente
econômico e social está marcado pelamiséria e pela marginalização da maior
parte da população. Os recursos econômicos são controlados por um pequeno grupo
de privilegiados. (...) No ambiente cultural se verifica ainda uma notável
dependência da Europa e dos Estados Unidos. Na ciência como na filosofia, na
arte como na literatura, quase nada é concedido à originalidade das
populações latino-americanas" (Ibidem, p. 25-26).
O quadro de degradação apresentado na América Latina é o fundamento gerador
do conceito de libertação. A libertação, então, é toda "ação que visa criar
espaço para a liberdade" (BOFF, 1980, p. 87). Ser livre, neste sentido, é
não estar sob o jugo da lei alheia; é poder construir-se autonomamente. O
processo histórico da América Latina foi e é dominado por diversas leis
estranhas a ela. A América do Norte, em especial os EUA, e os países
europeus, sempre impuseram aos latino-americanos seus valores, suas
políticas, sua cultura, etc. Neste sentido, a libertação no seio da América
Latina, é a luta pela liberdade da cultura, dos valores, da economia, da
política latino-americanos, frente às diversas opressões advindas de um
modelo imperialista que rege a práxis do hemisfério norte em suas relações
com o hemisfério sul, especialmente como o povo latino-americano. Tal
relação impõe ao hemisfério sul a cultura do hemisfério norte.
Devido à pobreza e à nefasta degradação do povo latino-americano, a
libertação deve ser entendida como superação de um processo de exclusão; já
que esta é a conseqüência direta da relação norte-sul, onde milhões de
homens e mulheres empobrecem e se deterioram porque ficam à margem
(excluídos) do processo econômico e político norteado pelo capitalismo
imposto pelos EUA e Europa.
Desta forma compete à teologia da libertação a tarefa de discursar sobre
Deus a partir da ótica de um processo excludente e a partir da realidade
concreta dos excluídos. O teólogo da libertação, portanto, deve ter este
duplo olhar: olhar para Deus e olhar para o excluído. Olhar para Deus é a
fonte de toda libertação possível e o olhar para o excluído identifica
onde há necessidade de libertação. Olhando para Deus -
ou Cristo -, a teologia da libertação diferencia-se de todo movimento
libertador laico, já que a libertação apresentada pela teologia enxerga nos
processos históricos a possibilidade de presentificação da nova ordem
escatológica anunciada por Cristo, ou seja, o Reino de Deus - ordem de
justiça e da superação de toda opressão possível, na sociedade e no cosmos.
Ao pretender olhar para o excluído e para o sistema gerador de opressão,
como pressuposto de todo fazer teológico, a teologia da libertação difere-se
radicalmente das teologias clássicas, pois supera o anacronismo destas,
circunscrevendo a experiência de Deus no âmbito do engajamento do fiel na
luta contra todo o sofrimento humano historicamente situado.
Para que haja elaboração da teologia da libertação é mister que se
compreenda os fenômenos da opressão e da exclusão. Estes devem ser
compreendidos através de uma mediação sócio-analítica, "Libertação é
libertação do oprimido. Por isso, a teologia da libertação deve começar por
se debruçar sobre as condições reais em que se encontra o oprimido de
qualquer ordem que ele seja." (BOFF, 1996, p. 40). O método utilizado para
elucidar sócio-analiticamente o fenômeno da opressão e da exclusão pela
teologia da libertação, é o método histórico-dialético
Porém, o marxismo é utilizado como instrumento, não tendo fim em si mesmo.
"Na teologia da libertação o marxismo nunca é tratado em si mesmo,
mas sempre a partir, e em função dos pobres" (Ibidem, p. 45).
O sentido último da teologia não é Marx, mas Deus.
Após a leitura sócio-analítica, o teólogo da libertação deve-se deparar com
a Bíblia Sagrada. A Bíblia deve fornecer subsídios para que se possa
identificar a face de Deus e sua ação libertadora, nos diversos momentos
históricos, sob as quais vive o teólogo e seu povo. Há, então, no processo
de elaboração da teologia da libertação, uma imbricação necessária entre a
análise sócio-analítica da realidade e a Bíblia Sagrada. Esta última fornece
o sentido teológico da práxis libertadora proposta pela teologia da
libertação.
Com a gênese da teologia da libertação na América Latina, "a religião passa a ser um fator de mobilização e não do freio" (BOFF, 1980, p. 102). A religião não mais se apresenta como "ópio do povo". Ela passa a ser fonte de libertação e de esperança para o homem. A religião, desta forma, não se reduz a uma ideologia que mantém o status quo social e político; também não
mais fonte de discursos etéreos. A teologia da libertação pretende mostrar que Deus não está em uma esfera trans-histórica; mas, ela quer mostrar que Deus encarna-se na história, gera libertação de um povo humilhado, gera vida e esperança a um povo crucificado e sem sonhos. Podemos dizer, metaforicamente, que a teologia da libertação anuncia a ''descida'' de Deus de sua esfera transcendente e "celeste" e mostra-o como agente dignificador
dos humilhados da terra. Deus não é mais um conjunto de doutrinas e
especulações, mas é a fonte de toda a luta pela justiça e igualdade.
Por isso, Deus se manifesta nas lutas históricas pela justiça, pela inclusão e
pela superação de toda opressão vigente na humanidade. "Eu sou o Senhor, teu
Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão."(Ex 20,2). Eis a
face de Deus anunciada pela teologia da libertação: Deus que tira o povo da
O céu almejado pela humanidade, não é pensado como realidade post mortem.
Este céu que fora pensado pela teologia clássica como realidade distante que
se manifestaria no porvir, encarna-se no "agora", através da práxis do povo
em prol da dignidade humana: cada conquista popular, no que tange a uma
relação mais justa entre os homens, presentifica o céu no seio da
humanidade.
A teologia da libertação surge para mostrar que Deus é "Pai - Nosso";
portanto os homens e as mulheres devem se relacionar como irmãos e irmãs,
sem haver exclusão, sem haver opressão ou sem qualquer tipo de violação
da dignidade humana. Lutar pela libertação é valorizar a paternidade
universal de Deus, que se manifesta nas relações justas e fraternas
entre todos os seres humanos.
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