sábado, 22 de maio de 2010

"Somos uma pequena assimetria"

Postado por Kamadon

Somos uma pequena
assimetria

Por que há algo ao invés de nada? É uma questão filosófica imemorial que a
ciência não responde e pode nunca responder, justamente porque a pergunta é
em si mesma passível de um sem número de interpretações, e em ciência (e no
melhor da ficção),
por vezes formular a pergunta corretamente pode ser tão ou mais importante
que obter a resposta.

Ontem mesmo, no entanto, cientistas chegaram um pouco mais perto de
responder à questão em sua formulação relacionada à física de partículas.
Pois físicos de partículas vêm há décadas acelerando e colidindo átomos e
seus componentes a energias cada vez maiores, observando um caleidoscópio de
matéria e energia se reorganizando e produzindo uma grande variedade de
produtos.

O detalhe é que se reorganizam comumente na forma de pares de partículas e
anti-partículas, respeitando uma simetria, uma paridade. Há uma grande
beleza nisso, em que toda partícula de matéria possui uma anti-partícula, e
se uma colidir com a outra, ambas transformam-se novamente em “energia
pura”, em fótons sem massa. Você não gostaria de apertar as mãos de um
anti-você, a explosão resultante provavelmente poderia ser vista de outras
galáxias.

Não é preciso se preocupar, porque não só não há anti-vocês andando por aí,
não há qualquer evidência de que existam grandes aglomerações de
anti-matéria em qualquer lugar no Universo. Se houvesse, sua eventual
colisão com matéria, ou as fronteiras entre matéria e anti-matéria emitiriam
enormes quantidades de energia sob a forma de radiação. Por algum motivo,
praticamente toda a matéria que conhecemos é… matéria. A anti-matéria se
forma ou é vista apenas em pequenas quantidades fugazes que costumam logo se
aniquilar com matéria. Nós sequer sabíamos que existia até que fosse
prevista teoricamente e então finalmente detectada no século passado. O que
nos leva à questão mais específica:

Por que há matéria ao invés de anti-matéria? Ou pelo menos, por que não
haveria iguais quantidades de cada tipo de matéria, em diferentes partes do
Universo?

[image: ponto]
Um bilhão e um

Bem, temos algumas pistas. Para cada próton que vemos há cerca de dois
bilhões de fótons em nosso Universo, isto é, vivemos em um mundo dominado
por fótons, radiação eletromagnética viajando à velocidade da luz por todo o
canto, em uma proporção esmagadora em relação à matéria. Lembra-se de que
quando um próton colide com um anti-próton, o resultado são dois fótons de
luz?

A cosmologia sugere assim que após o Big Bang, formaram-se grandes
quantidades de matéria e anti-matéria, mas elas logo se aniquilaram,
produzindo o Universo dominado por radiação em que vivemos. Imagine a cena:
um bilhão de prótons aniquilaram um bilhão de anti-prótons produzindo dois
bilhões de fótons… para cada um dos próton de cada átomo que você vê, e que
constitui nossa própria massa. E toda essa ação se daria depois do evento
ainda mais fantástico que seria o Big Bang e seus primeiros momentos em si
mesmos. Vemos ecos destes eventos sob a forma de radiação.

Se toda a matéria tivesse sido aniquilada por toda a anti-matéria, contudo,
só restariam fótons, haveria apenas radiação. Não é o que vivemos, e como
vimos, há dois bilhões de fótons para cada próton, contudo ainda temos
prótons. Isso sugere que para cada um bilhão de anti-prótons produzidos nos
primeiros instantes do Universo, teriam sido produzidos um bilhão e um
prótons. Um próton a mais. Uma pequena, ínfima assimetria, responsável por
nossa existência. Assim, a resposta mais simples da cosmologia para “por que
há matéria ao invés de anti-matéria” é simplesmente a de que “havia uma
ínfima parcela a mais matéria do que anti-matéria”.

Uma espécie de *porque sim*, é bem verdade. Modelos de física de partículas
vêm buscando explicar esta assimetria, mas há diversos modelos em
consideração, enquanto ainda estamos longe de uma “*Teoria de Tudo*” (1994,
ed. Zahar), que é aliás, o título do livro do físico *John Barrow* que usei
como referência aqui.

Se a física teórica ainda não responde a contento à pergunta, a física de
partículas, através desses cientistas e seus aceleradores, ao menos parece
ter constatado algo muito importante.

Analisando oito anos e centenas de experimentos realizados no acelerador
Tevatron norte-americano, descobriram uma diferença de 1% entre os pares de
múons e anti-múons gerados a partir do decaimento de partículas conhecidas
como B-mésons.

Isto é, ainda que não saibamos explicar a assimetria que responderia pelo
Universo de matéria em que vivemos, sim foi demonstrado que as teorias
cosmológicas não só parecem válidas como, por algum motivo, até hoje, mais
de 13 bilhões de anos depois, ainda parece haver uma assimetria que garante
a formação de matéria em uma proporção levemente maior do que a de
anti-matéria.

Ainda não se respondeu à pergunta de por que há algo ao invés de nada, mas o
fascinante é descobrir que há muito, muito pouco de matéria ao invés de
nada. Nosso Universo possui sim uma sutil assimetria, e toda a massa das
centenas de bilhões de estrelas que vemos brilhando, e todos os planetas que
devem orbitá-las, incluindo o nosso, é o que restou desta ínfima diferença
de um para um bilhão.

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