quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

CURSO - "JUDAÌSMO"

O JUDAÍSMO
Autor: Rev. Luiz Alberto Barbosa - Advogado e Teólogo, com Mestrado em Ciências da Religião.

Introdução

O judaísmo é, das grandes religiões monoteístas existentes no mundo, a de raízes mais antigas, com cerca de cinco mil anos de história. Do Judaísmo surgiu o cristianismo, sendo que Jesus Cristo era Judeu. O islamismo adotou vários elementos judaicos e reconhece Abraão e Moisés como profetas e portadores da Palavra de Deus. Podemos dizer que o Judaísmo é a religião dos antigos hebreus, hoje chamados judeus ou israelitas, presentes em vários locais e abrange não apenas as crenças religiosas, como também os costumes, cultura, musicalidade, ética, moral e estilo de vida dessa comunidade étnica, sempre dentro de uma continuidade e flexibilidade, ao longo dos séculos.
“O judaísmo é geografia e história: sobre essa base criou uma política, um modo de vida cuja fonte é a experiência histórica. Parece ousada essa afirmação, mas ouso acrescentar: o judaísmo é uma religião que prescinde da teologia. Suas fontes não estão nos dogmas abstratos, mas na experiência histórica, na realidade, mesmo que seja uma ilusão religiosa.”

Este trabalho visa clarear os principais pontos do Judaísmo, dentro de uma perspectiva da fenomenologia da religião. Procuraremos mostrar como se deu o processo de formação do Judaísmo, dentro de uma visão da sociologia da religião, que culminou no conjunto de crenças e práticas religiosas que levaram à institucionalização deste fenômeno religioso que resultou no Judaísmo. Apesar de parecer uma religião exclusiva de um determinado povo, podemos dizer que o Judaísmo é uma religião mundial, que não procura impor os seus ritos e costumes a outras nações e também não exige uma única linha de pensamento ou uniformidade religiosa.
O judeu religioso não comporta uma visão materialista do mundo, agindo sempre dentro de uma ética religiosa e lutando contra submeter a espiritualidade ao mundo político e econômico. É uma religião que acredita que o futuro da humanidade se baseia em um progresso ético fundamentado na fé em Javéh, Deus único, pregado pelos profetas, sendo que o papel do judeu praticante foi expresso pelo profeta Miquéias 6, 8: “Já te foi dito, ó homem, o que convém, o que o Senhor reclama de ti: que pratiques a justiça, que ames a bondade, e que andes com humildade diante do teu Deus.”
O local de estabelecimento do povo hebreu é a Terra de Israel (Eretz Israel),entre a costa do mar Mediterrâneo e às margens do rio Jordão, no oriente próximo. Foi neste local que transcorreu a formação cultural, religiosa, moral e nacional desta civilização, assim como grande parte de sua história. A terra de Israel adquiriu para o povo hebreu um caráter sagrado, pois ela era e continua sendo a terra prometida por Deus ao Povo Eleito. A Terra de Israel possui uma carga simbólica do sagrado, como diz Mircea Eliade “Todo o espaço sagrado implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado que tem por resultado o destacar um território do meio cósmico envolvente e torná-lo qualitativamente diferente.”
A presença dos israelitas sempre se manteve ao longo dos séculos nesta porção de terra, mesmo depois que a grande maioria foi enviada para o exílio e a diáspora eles jamais se esqueceram ou cortaram os laços sagrados que os ligavam à Terra dos Patriarcas. Espera-se que ao final, esta pesquisa possa contribuir para que caminhemos em direção a um mundo mais fraterno e tolerante, em que a luta histórica mantida pelo povo judeu pela liberdade e pelo direito de existir como nação, não entendida aqui como país (Israel), mas como povo unido por laços religiosos e culturais, e que se encontra presente na formação de vários povos, inclusive o brasileiro, sirva como inspiração para construirmos um mundo mais fraterno e tolerante. Ao conhecermos a história e religiosidade judaica poderemos entender melhor a nossa própria história e fé cristã.


Capítulo I - De Abraão ao Êxodo (Séculos XVIII ao XII AEC)

Os primeiros mil anos da história israelítica estão registrados na Bíblia Hebraica, cujos relatos nos remetem à quase 4.000 anos atrás ( por volta do séc. XVII AEC). Podemos afirmar que trata-se de uma história mitológica fundante, como diz Eliade “O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”........É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser.”
No caso dos judeus, esta história inicia-se com os Patriarcas Abraão, seu filho Isaac e seu neto Jacó. O livro do Gênesis relata a vocação de Abraão na Caldéia, na cidade de Ur. Deus diz a Abraão que ele e todo o seu clã deveriam partir rumo á terra de Canaã e que dele sairia uma grande descendência, à qual formaria um povo que creria no Deus único. Abraão não hesitou, acreditou na promessa divina e contra todas as adversidades partiu para a terra de Israel onde se estabeleceu com o seu clã. Por ter acreditado na promessa divina, Abraão é tido pelos Judeus como o Pai da Fé. Apesar de se ter Abraão como Pai da Fé, para os Judeus “Moisés é considerado o fundador ‘oficial’ porque o recebimento da Lei e dos dez mandamentos é o ponto básico do judaísmo.”
Por ser um povo de origem semita, que veio do oriente, os hebreus possuíam características religiosas, filosóficas, jurídicas e morais comuns aos povos daquela região. Porém, ao se estabelecerem na terra de Canaã, eles introduziram um elemento novo naquele mundo dominado pela cultura religiosa politeísta e supersticiosa, eles apresentaram a crença num Deus único que tinha estabelecido uma aliança primordial com o Povo de Abraão. O monoteísmo e a Aliança são os fundamentos nos quais se apoiaria a nação hebraica emergente.
Depois de algum tempo que estavam estabelecidos em Canaã, já na época de Jacó (Israel), a seca e a fome se abateram sobre aquela região, sendo que apenas a terra do Egito foi poupada destas adversidades. Jacó, seus doze filhos e suas famílias não tiveram outra alternativa a não ser se refugiarem nas terras do Faraó, no vale do Nilo, no Egito. . Enquanto o Egito estava sob o domínio dos Hicsos (povo de origem semita), entre os anos de 1750 AEC e 1580 AEC, os hebreus puderam viver em relativa paz e prosperidade. Porém, com a derrota dos hicsos pelos faraós tebanos em 1580 AEC, os hebreus foram perseguidos implacavelmente, tendo que se agarrarem às suas crenças e tradições para poderem manter sua identidade como Povo.

“ Os egípcios tinham inúmeros deuses e adoravam crocodilos, macacos, bois, cães, peixes, gatos, aves e besouros. Os judeus não adoravam ídolos e isso provocou a desconfiança dos egípcios. Eles conheciam a história de abraão- que tinha destruído as imagens de seu pai- temeram que o número de judeus aumentasse e eles combatessem os seus ídolos. Decidiram subjugar os judeus, que foram escravizados mas não abandonaram sua religião nem aceitaram a idolatria egípcia.”

Os hebreus foram submetidos à escravidão durante quase 400 anos até por volta do séc. XII-XIII, quando aparecerá a figura de Moisés, o qual fora eleito por Deus para conduzir os israelitas à liberdade, rumo à terra prometida. Moisés conduziu o Povo Eleito durante quarenta anos pelo deserto do Sinai onde, ao longo de duas ou três gerações, puderam forjar sua identidade como nação. Esta peregrinação serviu também para estabelecer os principais fundamentos da fé judaica, dando assim forma e conteúdo à sua fé no Deus único. Foi neste período que os israelitas, através de Moisés, receberam no Sinai a Torá (Pentateuco), à qual inclui a codificação das leis de Deus, os Dez Mandamentos e renova a primitiva Aliança feita com Abraão.
“Mais importante que saber se Moisés existiu ou não, se foi salvo das águas ou é uma lenda, se viveu 120 ou 70 anos, é o fato dos dez mandamentos nortearem há mais de dois mil anos a maior parte da humanidade.....Como se sabe, os dez mandamentos e a Lei formam um código social que normatizou a vida dos judeus.”


Como nação pode-se dizer que o êxodo deixou uma marca indelével na memória religiosa dos hebreus, se tornando o símbolo de liberdade e de redenção da nação. As grandes festas religiosas do Judaísmo como a Peshah (Páscoa), a Shavuot (Pentecostes) e Sucot (Festa dos Tabernáculos) são celebradas todos os anos pelos judeus para comemorar e relembrar esta peregrinação. Finalmente, depois de 40 anos de nomadismo pelo deserto, Moisés conduziu os israelitas até as fronteiras da Terra Prometida, sendo que ele mesmo nela não pôde entrar, sucumbindo no monte Nebo, sendo que a tarefa de liderar o povo e conquistar a terra do mel e do leite coube a Josué. O grande historiador Flávio Josefo assim se refere a Moisés:
“Quem se admirará, então, de que Moisés tenha feito coisas tão extraordinárias, se depois de tantos séculos vemos, ainda hoje, no que deixou escrito, tal autoridade que mesmo nossos inimigos são obrigados a reconhecer que foi o mesmo Deus que deu, por meio dele, aos homens, uma regra de vida tão perfeita e serviu-se de seu admirável proceder para fazê-los recebê-la? Deixo todavia a cada qual que julgue como lhe aprouver.”

Durante os séculos seguintes os hebreus conquistaram grande parte da terra cananéia, abandonando seus costumes nômades, transformando-se em camponeses e artesãos. Este processo porém, ocorreu de forma muito lenta e turbulenta, sendo que a integração dos hebreus com os cananeus foi muito atribulada, intercalando períodos de relativa paz com guerras que visavam à conquista e à divisão dos territórios entre as tribos, sendo que este ciclo só se encerrará no período monárquico. Com o retorno à Terra Santa chega-se ao fim da primeira fase da história hebraica, e inicia-se uma fase de maior consolidação do estado nacional israelita, com uma presença marcante da monarquia.



Capítulo II - Dos Juizes à Monarquia (Séculos XII ao IX AEC)

O avanço nas terras palestinas foi lento porque estas já se encontravam ocupadas pelos cananeus e por perigosos guerreiros filisteus (povo de origem indo-européia que se auto denominavam como povos do mar). No início de sua instalação em Canaã os hebreus continuavam dispersos em suas 12 tribos, organizadas como unidades autônomas dispersas, sem possuírem nenhum chefe comum que unisse todas as tribos. Cada uma possuía um chefe, chamado de shoffet (Juiz). Eventualmente, para se combater o inimigo comum, as tribos faziam coalizões e alianças. Os shoffetin eram eleitos segundo suas capacidades políticas e militares, assim como por sua capacidade de liderança. Este foi um período extremamente conturbado na história hebraica, do qual pode se ter uma visão histórica razoável no livro dos Juizes, na Bíblia sagrada.
Todavia, este tipo de governo descentralizado, que não permitia a coesão nacional, era extremamente débil diante dos constantes perigos externos, e não respondia às reais necessidades do povo. Por volta de 1.050 AEC, diante do avanço crescente dos filisteus, surgiram alianças temporárias dos israelitas, que nesse ínterim começaram a ter certas organizações político-religiosas comuns, centradas no culto a Javéh.. Os hebreus já tinham estabelecido um santuário comum, em Shiloh (Silo), onde se encontrava depositada a Arca da Aliança. Este era o ponto de confluência dos representantes das tribos quando se precisava tomar decisões políticas de interesse compartilhado. Era geralmente dentre os sacerdotes deste santuário que se escolhiam os Juizes, o que pode ser observado no livro das Crônicas.

Esta organização política desorganizada gerou no povo uma ânsia de possuírem um governante comum, que unisse as 12 tribos e convertesse sua posição numa instituição permanente e estável, cuja autoridade tivesse uma sucessão hereditária. Sendo assim, ação limitada e eventual dos Juizes foi naturalmente abandonada em favor dos modelos de governo dos estados circunvizinhos, que era a monarquia. Esta fase vai dos anos 1.020 a 930 AEC. Vejamos o que diz Flávio Josefo:
“Os israelitas, vendo a ordem tão sabiamente estabelecida por Samuel, inteiramente subvertida e os desregramentos e vícios de seus filhos, foram procurar o santo profeta na cidade de Ramá, onde ele costumava morar, falaram-lhe dos enormes pecados de seus filhos e pediram-lhe ardentemente, pois sua velhice não lhe permitia mais govenar, que lhes desse um rei, para governá-los e vingar as injúrias que haviam recebido dos filisteus.”

A monarquia teve como primeiro rei a Saúl, por volta do ano de 1.020 AEC. Ele era proveniente da tribo de Benjamim e seu nome foi indicado e aceito por consenso para assumir a realeza. Seu reinado se caracteriza como um período de transição entre a perda da organização tribal e o estabelecimento de uma monarquia plena por parte de seu sucessor. A principal tarefa de seu governo era, sem dúvida alguma, libertar os hebreus da ameaça filistéia. Foi exatamente no campo de batalha que Saúl e seus filhos encontraram a morte, deixando o trono vago.
O sucessor de Saúl foi David (1.004 a 965 AEC), genro do falecido rei e que havia estabelecido um reino vassalo dos filisteus em Hebron, estendendo sua autoridade por todo o sul palestino, abrangendo as montanhas de Judá. Devido à sua astúcia e táticas militares, David conseguiu acabar com a dependência estrangeira e ser reconhecido como legítimo sucessor de Saúl. Jerusalém era uma importante cidade cananéia, encravada no meio das terras da tribo de Judá, o que dificultava as comunicações entre as tribos do norte e do sul. Visando tornar efetiva a união política de todas as tribos, David empreendeu à conquista de Jerusalém, transferindo para ela a capital de seu reino.
O rei David converteu Israel numa importante potência da região, através de expedições militares, impondo uma derrota definitiva aos filisteus, e estabelecendo alianças de amizade com os reinos vizinhos. Como resultado disto sua autoridade era reconhecida desde as fronteiras do Egito e do mar Vermelho até às margens do rio Eufrates. No âmbito interno ele uniu as 12 tribos de Israel num só reino, colocando a monarquia e Jerusalém no centro da vida nacional israelítica. A tradição bíblica nos apresenta David, além de um valoroso rei e guerreiro, como um poeta e músico, atribuindo-lhe a autoria do livro dos Salmos. Assim relata Flávio Josefo quando da morte de Davi:
“Foi um príncipe de grande piedade e que tinha todas as qualidades necessárias para um rei, que tem a peito a tranquilidade e a felicidade de todo um grande povo. Nenhum outro foi mais valente do que ele; era sempre o primeiro a se expor ao perigo, para o bem de seus súditos e a glória da nação; convencia aos seus, mais pelo exemplo, do que pela autoridade, a fazer atos de valor, tão extraordinários, que por mais verdadeiros que fossem, pareciam inacreditáveis. Ele era muito sábio em seus conselhos, muito resoluto nas deliberações, mui previdente no que se referia ao futuro, sóbrio, doce, compassivo, com os males de outrem e mui justo, virtudes todas dignas dos grandes príncipes.”

David foi sucedido no trono por seu filho Salomão ( 965 a 930 AEC), este presidiu o apogeu da civilização hebraica, que durante o seu reinado alcançou impressionante esplendor. Através de tratados com os reis vizinhos e também com casamentos políticos, Salomão assegurou a tranqüilidade interior do reino e igualou Israel às grandes potências da época. A Salomão se deve a construção do famoso templo de Jerusalém, que passou a ser o centro da vida nacional e religiosa do país. Dos rincões mais distantes do mundo conhecido vieram metais, madeiras e pedras preciosas, trazidas através de caravanas e navios para concretizarem os sonhos de grandeza arquitetônica concebidos pelos artistas da corte do grande rei. Salomão também expandiu o comércio exterior e promoveu a prosperidade econômica do país, sendo que a sabedoria do rei permite a Israel viver em paz ainda algum tempo. Salomão é cognominado como o Rei Sábio e a Bíblia atribui a ele a autoria do livro dos Provérbios e do livro do Cântico dos Cânticos.
Todavia, ao lado de toda esta prosperidade, começam a aparecer os primeiros sinais da decadência do regime monárquico unificado. As grandes obras realizadas durante o reinado salomônico fizeram aumentar muito a carga tributária, fato este que ocasionou descontentamento por parte de algumas tribos e idéias separatistas apoiadas pelos círculos proféticos. Os profetas eram pensadores religiosos e carismáticos, considerados portadores do dom divino da revelação e que tiveram papel ativo durante a monarquia até um século depois da tomada de Jerusalém pelos babilônios.

Muitas das experiências religiosas dos profetas foram registradas em livros que estão contidos na Bíblia Sagrada. Os profetas acusavam os soberanos de serem tolerantes com certos cultos estrangeiros, que ofendiam a religião de Javéh. Estes e outros fatos fazem com que os profetas incitem as províncias do Norte a se sublevarem contra o poder central. Weber insiste na figura do profeta como uma pessoa carismática, solitária, que luta com heroísmo contra a instituição. Weber fala igualmente da função dos profetas:
“Por ‘profeta’ queremos entender aqui o portador de um carisma pessoal, o qual, em virtude de sua missão, anuncia uma doutrina religiosa ou um mandado divino (...). O decisivo para nós é a vocação ‘pessoal’. Esta é que distingue o profeta do sacerdote. Primeiro e sobretudo porque o segundo reclama autoridade por estar a serviço de uma tradição sagrada, e o primeiro, ao contrário, em virtude de sua revelação pessoal ou de seu carisma. Não é casual o fato de que, com pouquíssimas exceções, nenhum profeta procedeu do sacerdócio. Os mestres de salvação hindus em regra não são brâmanes, os israelitas não são sacerdotes e somente Zaratustra talvez proceda da aristocracia sacerdotal. Em oposição ao profeta, o sacerdote distribui bens de salvação em virtude de seu cargo.”


Com a morte de Salomão, após este período de grande prosperidade para a história israelita, aconteceria a grande tragédia nacional, renascendo as velhas rivalidades tribais. Uma insurreição aberta das dez tribos do norte contra o poder central levou o país à divisão. As tribos do norte formaram o reino de Israel, com capital na Samaria e as tribos do sul, Judá e Benjamim, constituíram o reino de Judá, com capital em Jerusalém.




Capítulo III - Os dois reinos (Século IX a V AEC)

A divisão do reino em dois é o início de uma era obscura para o povo hebreu, cuja unidade não havia durado mais do que um século, que havia levado o esplendor de Israel a todo o Oriente Médio. As dez tribos do norte formavam agora o Reino de Israel, com capital na Samaria. Este reino durou mais de 200 anos, sob o reinado de 19 reis de várias dinastias. O primeiro rei de Israel foi Jeroboão (931-910 AEC), que tinha sido um alto funcionário administrativo da corte de Salomão.
Seu reinado serviu para distanciar mais ainda os dois reinos, pois Jeroboão permitiu a construção de santuários estranhos ao Judaísmo em Bethel e em Dan, praticas condenadas pelos habitantes do sul. Nos dois séculos seguintes Israel foi abalado por várias guerras civis, revoluções e assassinatos políticos. No final deste período tão conturbado aparece a figura de Jeroboão II (783-743 AEC), que conseguiu trazer a paz e uma relativa prosperidade a Israel. Porém , a rivalidade entre os dois reinos havia propiciado um crescente declínio e deterioração do poderio militar de Israel, cujo enfraquecimento levou ao ataque beligerante dos conquistadores estrangeiros em 721 AEC. O reino de Israel foi vencido pelos assírios em 722 AEC, sendo que sua população foi levada ao exílio e ao esquecimento, acabando aí a história das dez tribos.
O reino de Judá no sul, na mesma época dos fatos que acabamos de relatar, passou por uma situação política e religiosa mais estável. Enquanto o reino de Israel durou 200 anos, o reino de Judá durou aproximadamente 400 anos, sendo que neste período sucederam em seu trono 19 reis, todos pertencentes à casa de David. O coração do país e a própria essência de sua vida, foi a cidade de Jerusalém. Todavia, por ser menor territorialmente, Judá foi suplantado em todos os outros aspectos pelo vizinho reino de Israel. Paradoxalmente, foi exatamente o fato de ser uma nação pequena que permitiu a Judá existir como estado independente o dobro do tempo de seu vizinho nortista.
Para Malinowski, a tradição é algo preponderante nas sociedades primitivas, neste caso os antigos hebreus, principalmente em torno dos rituais e do culto. Em se tratando de magia, sempre nos depararemos com a história que fundamenta a sua razão de existir “é universal a crença na existência primeva e natural da magia. Em contrapartida, encontramos a convicção de que só por transmissão absolutamente inalterada é que a magia pode manter a sua eficácia.” Foi em Judá que as tradições do povo hebreu se conservaram com toda a sua pureza e integridade, principalmente devido ao papel desempenhado pelos profetas, que educavam o povo na verdadeira fé de Jeová, mantendo assim, a unidade político-religiosa da nação, transmitindo através da tradição, a fé herdada de Abraão.
Em 586 AEC, Judá também caiu em poder dos invasores mesopotâmicos, sendo que Nabucodonosor, rei babilônico, enviou para o exílio a maioria de seus habitantes, destruindo Jerusalém e o Templo de Salomão. Era o fim do Primeiro Estado Judio e o inicio do milagre da sobrevivência da nação judaica através dos séculos.




Capítulo VI - Período babilônico ( Século V AEC)

Com a conquista babilônica, entre os anos 586 e 538 AEC, o primeiro Estado Judeu teve fim, todavia este primeiro exílio não conseguiu cortar as relações do povo hebreu com a Terra Santa, apesar de marcar o começo da diáspora judia pelo mundo. Em todo caso não se pode dizer que esta primeira diáspora foi prejudicial ao povo judeu, ao contrário, ela foi a responsável pela sobrevivência da civilização hebraica, já que na Babilônia ela floresceu, sendo que muitos judeus permaneceram às margens do Eufrates quando do fim do exílio, o que no futuro, na época da dominação romana e da destruição do Segundo Templo, foi um dos fatores que contribuiu para que o Judaísmo não fosse extinto.
O cativeiro babilônico se apresenta como uma etapa decisiva do ponto de vista espiritual para Israel. Ao contrário de seus antecessores que intervinham com pregações violentas em questões políticas, os profetas do exílio, como Ezequiel, Daniel, Zacarias, procuravam meditar e estudar a Torá e também os textos sagrados dos outros povos com os quais tinham contato no ambiente cosmopolita propiciado pelo cativeiro, aportando assim ao Judaísmo uma teologia enriquecida pelas religiões dos outros povos.
“ O sincretismo religioso deu mais superstições ao judaísmo do que elementos racionais. Os judeus sbsorveram usos e crenças dos caldeus, durante o cativeiro na Babilônia. Os mais evidentes foram o valor do céu, os sacrifícios expiatórios, os mitos da criação e do dilúvio, a explicação das estações pela morte e ressurreição de um deus. No mesmo período incorporam às suas crenças práticas religiosas o sacrifício do bode expiatório e a fé no cordeiro divino.”

Deste modo a Bíblia e a Torá passam a incorporar conceitos religiosos presentes em outras culturas, refletido-os sob a ótica do Judaísmo e do monoteísmo, tais como a figura dos Anjos, Querubins e Serafins, os quais são figuras aladas e possuem uma correlação com os bons gênios alados da religião babilônica. Lendas sumerianas como a Epopéia de Gilgamesh, inspiram as narrativas do Dilúvio e da Criação. Antes do cativeiro não se encontra nenhum traço referente à figura de Satanás, o anjo soberbo que se rebela contra Jeová, sendo que esta figura parece ser uma releitura da religião persa, a qual contrapõem Ahriman ( o deus do mal) a Ahura-Mazda ( o deus do bem).
Os hebreus retornaram à Palestina em 538 AEC, graças à conquista da Babilônia pelo rei persa Ciro, o Grande, o qual libertou-os do cativeiro. Ao regressarem a Jerusalém, os Doutores da Lei oriundos da escola babilônica iniciam a revisão dos textos sagrados, dando-lhes uma versão oficial e definitiva. Deste modo a doutrina monoteísta fica plenamente estabelecida, sendo que a prova do cativeiro babilônico serviu para purificar o Judaísmo e suscitar no povo judeu a consciência de sua singularidade e de sua força como nação, o que lhes permitirá, nos séculos vindouros, lutar e sobreviver contra todas as perseguições e diásporas.
Vale relembrar que foi só após o exílio que o termo judeu, originário do gentílico hebraico Yehudhi, passa a ser aplicado a todo o povo que habitava o sul da palestina e àqueles que se encontravam dispersos por todo o mundo mas que estavam ligados entre si pela fé mosaica. Até então este termo tinha sido aplicado apenas aos membros da tribo de Judá ou aos elementos do Estado de Judá. A partir de agora o termo judeu adquire um caráter mais abrangente, atingindo todos aqueles que professam a religião judaica, a qual está destinada a manter em unidade religiosa todas as comunidades judias dispersas pela mundo.

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