sábado, 23 de janeiro de 2010

A NOVA ESTRATÉGIA GOLPISTA

Postado por Attman e Kamadon

Miguel Urbano Rodrigues

O desfecho do golpe nas Honduras chamou a atenção para
a nova estratégia golpista dos Estados Unidos na América
Latina.
É transparente que Washington, recorrendo a processos
diferentes dos tradicionais, conseguiu o que pretendia:
afastar um presidente progressista democraticamente eleito e
substitui-lo por gente da sua inteira confiança.
Essa vitória do imperialismo não deve ser subestimada porque
se integra numa estratégia ambiciosa, que visa a neutralizar,
sem pressas, o movimento de contestação dos povos da
América Latina à dominação dos EUA.
O sistema de poder imperial identifica como “ameaça” os
governos da Venezuela Bolivariana e da Bolívia, que
condenam o capitalismo, propondo como alternativa o
socialismo. A Casa Branca teme que o Equador siga o mesmo
rumo e não esconde a sua inquietação pela eleição no
Uruguai, na Nicarágua, em El Salvador e no Paraguai de
presidentes com programas anti – neoliberais (embora não os
apliquem).
Atolados em guerras perdidas no Iraque e no Afeganistão,
alarmados com o caos paquistanês e incapazes, ate agora,
de impor a sua vontade ao Irão – o único grande pais
muçulmano da Ásia que desenvolve uma politica
independente – o sistema de poder dos EUA sentiu o perigo da «avançada revolucionaria» dos povos da América Latina.
O precedente de Cuba assusta.
Nesse contexto, o golpe atípico nas Honduras foi o prólogo
de uma estratégia cujo objectivo é o restabelecimento da
velha ordem imperial numa Região que durante mais de um
século era olhada como “o pátio das traseiras”.
Porquê atípico?
Na aparência foi um cuartelazo à moda antiga. O
comandante do exército (um general formado na Escola das
Américas, com cadastro por ter chefiado uma gang de
ladroes de automóveis) mandou prender o presidente. De
madrugada, a tropa invadiu o palácio e Manuel Zelaya,
ainda em pijama, foi metido num avião e expulso para a
Costa Rica. Simultaneamente um político de extrema-direita,
proclamou-se presidente da Republica.
Mas tudo fora minuciosamente preparado. O primarismo e a
brutalidade do golpe suscitaram repulsa universal. A Casa
Branca apressou-se a condenar o gorilazo e a pedir o
restabelecimento da normalidade constitucional. Tudo foi
montado para colocar Obama acima de suspeitas. Mas
enquanto os países da União Europeia retiraram os
embaixadores de Tegucigalpa, os EUA mantiveram o seu na
capital hondurenha e não suspenderam a ajuda económica
e militar ao governo fantoche de Micheletti.
Com o correr dos dias a cumplicidade dos EUA tornou-se
transparente. O embaixador Hugo Llorens é um cubano de
Miami naturalizado norte-americano. Foi na própria
embaixada que Micheletti e os generais gorilas montaram o
golpe. O comando da força aérea hondurenha está aliás
instalado na Base militar estadounidense de Palmerola.
Seguiu-se o folhetim da condenação formal do golpe pela
OEA e a mediação do costa ricense Oscar Arias, um incondicional de Washington. Era preciso ganhar tempo. O
regresso sensacional de Manuel Zelaya e a sua instalação na
Embaixada do Brasil criou uma situação não prevista. Mas
Hillary Clinton manobrou de maneira a impedir que o
presidente legítimo reassumisse o cargo. Aliás recusou sempre
definir como “golpe” o cuartelazo que derrubou Zelaya.
A preparação das eleições farsa de Novembro foi montada
de acordo com o subsecretário de Estado dos EUA, Thomas
Shanon. Enviado por Obama, esse membro do governo
garantiu ao então candidato á Presidência, o milionário
Porfirio Lobo, seu ex colega na universidade de Yale, que
Washington reconheceria as eleições como legitimas.
Nas semanas seguintes, marcadas por intensa repressão,
ocorreram ainda alguns episodias de farsa que não alteraram
o desfecho. A abstenção real na eleição fraudulenta,
elogiada como democrática nos EUA, terá sido superior a 60
%.
Em Janeiro Porfirio Lobo tomará posse e a Administração
Obama reconhecerá como legitimo o seu governo. Tudo
indica que os governos da União Europeia, com poucas
exceptues, também restabelecerão gradualmente relações
diplomáticas com as Honduras.
A Casa Branca não esconde a sua satisfação. Considera
resolvida a crise hondurenha. Afinal, Os EUA idearam e
patrocinaram um golpe militar, simularam condenar o
derrubamento do presidente constitucional, e, através de
uma farsa eleitoral, colocaram em Tegucigalpa um homem
da sua inteira confiança. O governo de Lobo será uma
ditadura de fachada institucional.
O caso hondurenho reforçou em Washington a autoridade
dos defensores da nova estratégia musculada para a
América Latina. Outra vertente desta é a ampliação da presença militar
directa dos EUA na Região. O regresso da IV Frota a águas
sul-americanas antecipou uma decisão que configura uma
ameaça ostensiva aos países que tentam seguir uma politica
soberana: a instalação na Colômbia de 7 bases militares
norte-americanas.
A iniciativa suscitou uma vaga de protestos de dimensão
continental. A divulgado do texto inglês do acordo assinado
com o governo de Bogotá confirmou que as Forças Armadas
dos Estados Unidos instaladas em território colombiano não
somente podem, doravante, participar do combate às
guerrilhas das FARC e do ELN como intervir sem limitações
onde quer que Washington considere isso necessário.
A indignação dos povos latino-americanos ficou patente na
Conferencia da UNASUR, realizada em Bariloche, na
Argentina. Mas nada saiu desse encontro onde o presidente
Lula, conciliador com Uribe, dedicou mais tempo a criticar
Chavez, Evo Morales e Rafael Correa do que a denunciar a
ameaça para a Amarica Latina das novas bases militares
estadounidenses.
Washington, alem do apoio incondicional do governo neo-
fascista de Alvaro Uribe, tem um aliado firme no governo do
peruano Alan Garcia e confia que no Chile o candidato da
extrema direita, o multimilionário Sebastian Pinera, seja eleito
presidente a 17 de Janeiro, na segunda volta.
O apoio dessa troika e as excelentes relações mantidas com
o Brasil, na Argentina e o Uruguai permitirão a Obama, no
âmbito da nova estratégia, endurecer a sua posição perante
os governos de Chavez, Evo e Correa.
A ratificação pelo Congresso do Brasil da adesão da
Venezuela ao Mercosul foi, entretanto, um rude golpe para os
EUA. Washington não esconde o seu apoio à política
económica e financeira do governo Lula, de recorte neoliberal, que no fundamental, como bom administrador do
capitalismo, favorece o grande capital e a agro-industria e
não afecta os interesses das transnacionais. Mas Obama não
esconde as suas apreensões relativamente a algumas
iniciativas tomadas por Brasília no campo da política externa.
O projecto de criar o Sucre como moeda que substituiria o
dólar nas transacções comerciais entre os membros do
Mercosul é visto – um exemplo – pela Casa Branca e pelos
banqueiros de Wall Street como um desafio intolerável. O
aprofundamento das relações do Mercosul com a União
Europeia é outro motivo de preocupação para a
Administração Obama.
A nova estratégia golpista para o Hemisfério foi concebida
precisamente para dar uma resposta global ao avanço das
forças progressistas no Sul do Continente. O Departamento
de Estado e o Pentágono chegaram à conclusão de que era
urgente travar esse avanço.
Em Washington exclui-se por ora a intervenção militar directa
em países que não se submetem. A repercussão internacional
de uma iniciativa desse género seria desastrosa para a
imagem dos EUA, tão desgastada pelas suas guerras
asiáticas.
Mas seria uma ingenuidade crer que as bases norte-
americanas na Colômbia não serão utilizadas para uma
escalada de provocações contra a Venezuela e outros países
da Região. Independentemente do reforço da intervenção
contra as FARC, a heróica guerrilha-partido caluniada pelo
imperialismo.
O Departamento de Estado – onde Hillary Clinton desenvolve
uma actividade tão negativa como a de Condoleeza Rice
na presidencial de Bush – confia sobretudo no efeito da sua
politica nos países cujos governos define como «inimigos». Espera, graças a uma nova estratégia, ter êxito naquilo que
em meio século de guerra não declarada os EUA não
conseguiram em Cuba.
O golpe hondurenho não se pode obviamente repetir em
qualquer dos países sul-americanos que defendem uma
alternativa ao capitalismo.
Mas Washington soube extrair lições importantes do seu
sucesso.
Destruir por dentro o regime venezuelano seria, na opinais dos
assessores de Obama, o objectivo principal. Hillary tem aliás
multiplicado os ataques ao governo de Caracas, consciente
de que a Venezuela bolivariana é hoje – como afirma o
economista francês Remy Herrera – «uma das frentes anti-
imperialistas mais dinâmicas do mundo»
Mas a Revolução Bolivariana atravessa uma fase difícil. A
queda do preço do petróleo privou o governo de recursos
financeiros que foram fundamentais na batalha contra o
analfabetismo, no fornecimento de alimentos subsidiados às
camadas mais pobres da população e para o êxito das
misiones que tornaram possível, com a cooperação solidária
de mais de 20 000 médicos cubanos, prestar assistência
médica a milhões de venezuelanos que a ela não tinham
acesso.
A enorme popularidade do presidente junto das massas e a
adesão destas à condenação do capitalismo e ao projecto
de transição para o socialismo como alternativa à
hegemonia do imperialismo resultou sobretudo da
humanização das condições de vida da grande maioria da
população, afundada na miséria.
Os efeitos da crise mundial do capitalismo, ao manifestarem-
se na Venezuela – nomeadamente através das cotações do petróleo e de uma inflação acelerada – afectaram, como
era inevitável – toda a estratégia de desenvolvimento.
O Partido Socialista Unido da Venezuela-PSUD não atingiu o
objectivo. A sua fundação respondeu a uma necessidade
histórica. Mas o PSUD foi criado à pressa, por decisão do
Presidente, e estruturado de cima para baixo, com
intervenção mínima das massas populares. Resultado: nasceu
infestado de oportunistas. É significativo que o Partido
Comunista da Venezuela e o Pátria para Todos, duas
organizações revolucionárias que sempre apoiaram (e
apoiam) Chavez não se tenham dissolvido e integrado no
PSD.
O chamado Socialismo do Século XXI pretende ser a
ideologia que encaminhará a Revolução bolivariana para
um socialismo original. Mas aqueles que identificam nele um
«modelo» para a América Latina têm contribuído sobretudo
para semear a confusão ideológica. Alguns dirigentes e
quadros do PSUD mostram-se mais preocupados em criticar o
marxismo do que em colaborar com o Presidente na
desmontagem das engrenagens do Estado venezuelano que
permanecem sob controlo da burguesia.
Contrariamente ao que muitos europeus crêem, a Venezuela
continua a ser um pais capitalista no qual as antigas elites
conservam um grande poder económico que lhes garante a
propriedade dos meios de produção (terras, industrias,
comercio, etc.), o controle parcial da actividade bancária e
financeira, e dos meios de comunicação social.
É nesse contexto que uma oposição poderosa e cada vez
mais arrogante desafia Hugo Chavez, consciente de que a
sobrevivência da revolução bolivariana está
indissoluvelmente ligada à pessoa do Presidente. As esperanças dos EUA residem por isso mesmo num
agravamento da situação económica do país que altere a
correlação de forças existente.
Sondagens recentes revelaram que a popularidade de
Chavez tem diminuído.
Não podendo intervir militarmente, Washington apoia nos
bastidores todas as iniciativas da oposição que possam
destabilizar o país, dividir o chavismo, semear duvidas nas
Forças Armadas e enfraquecer o poder do Presidente.
Não se deve – repito – subestimar o perigo representado pela
paciente estratégia golpista da Administração norte-
americana no tocante à Venezuela. Washington trata de
favorecer ao máximo, e estimular através de provocações
externas, o trabalho interno de sabotagem da Revolução
bolivariana.

BOLIVIA E EQUADOR

A Bolívia é outro alvo da nova estratégia golpista
estadounidense.
Tal como na Venezuela, o êxito do processo revolucionário
em curso é inseparável da acção e do prestígio do seu líder.
Evo Morales conta com o apoio esmagador das massas
aymaras e quechuas, que constituem a maioria da
população. Evo é o primeiro indígena que chega à
Presidência na América do Sul.
Não somente honrou os compromissos assumidos com o seu
povo como foi mais longe numa radicalização progressiva de
posições, que o levou a tomar medidas revolucionárias
geradoras de confrontação com o imperialismo norte-
americano e com transnacionais brasileiras e espanholas. Entretanto, o MAS, que conta agora com mais de dois terços
do Congresso, continua a ser mais um Movimento do que
propriamente um partido. O“ socialismo comunitário”, a
opção boliviana que encaminharia o país para o socialismo,
reflecte as contradições do MAS e a influência de uma
exacerbação do indigenismo.
No governo, actuam forças que se esforçam por travar
transformações revolucionárias. O próprio vice-presidente da
Republica, Garcia Linera, é um intelectual cuja tese sobre a
necessidade de um «capitalismo andino-amazónico» deixa
transparecer a sua confusão ideológica, expressa alias na
defesa que faz das ideias de Toni Negri.
Washington acompanha com atenção as fragilidades do
processo boliviano. A embaixada norte-americana tem-se
envolvido em conspirações contra Evo Morales e agentes dos
serviços de inteligência, da CIA e da DEA, mantêm relações
estreitas com os dirigentes da oligarquia de Santa Cruz,
núcleo do movimento separatista.
Sendo a Bolívia pela força da oposição o elo mais vulnerável
da troika progressista sul-americana, os EUA não perdem a
esperança de criar no país uma situação de caos, propicia a
abrir a porta ao restabelecimento da velha ordem.

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