sábado, 16 de janeiro de 2010

FSM: Progresso: para que e para quem? o novo desenvolvimentismo e a necessidade de ultrapassá-lo

Postado por Attman e Kamadon

por Enlace — Última modificação 03/01/2010 17:56




Realizaremos, por ocasião do Fórum Social Grande Porto Alegre 10 Anos, que ocorrerá em Porto Alegre, de 25 a 29 de janeiro, o Seminário Internacional “Progresso: para que e para quem? O novo desenvolvimentismo e a necessidade de ultrapassá-lo”.

Sua finalidade é realizar, em três sessões de debates qualificados (26 de janeiro, tarde e noite, e 28 de janeiro, tarde), um diagnóstico crítico da situação atual do capitalismo bem como do modelo de desenvolvimento que vem sendo erguido em nosso continente no último período e refletir sobre os caminhos para desenvolver e efetivar uma nova agenda para os movimentos de esquerda.

Vamos travar uma discussão geral, mas buscar – sempre que possível – concretizar as discussões o âmbito latino-americano, tendo como horizonte ultrapassar do “novo desenvolvimentismo” que parece se esboçar no Brasil e que continua sendo o horizonte de boa parte da esquerda na região. Dialogaremos, para isso, com intelectuais e atores sociais e políticos relevantes para este propósito, buscando consolidar e ampliar este debate em curso dentro e fora do processo Fórum Social Mundial.

O que está em jogo é a formulação de um novo paradigma de civilização para a esquerda global – para o que o acúmulo de discussões em nosso continente parece oferecer uma contribuição importante.

Contexto

O cenário geopolítico global mudou muito, nos últimos anos, em função da dinâmica do capitalismo mundial e da grave crise financeira e econômica que atravessa e que não foi superada. Observa-se um deslocamento de forças no terreno global, que ilumina o novo papel de paises como a China, Índia e Brasil no mundo. Os Estados Unidos, golpeados pela crise, continuam atolados, sem perspectivas, em duas guerras; aprisionados na dinâmica rentista das finanças que promete gerar novas bolhas; e incapazes de assumirem um papel protagonista no enfrentamento das mudanças climáticas e das suas enormes decorrências sócio-econômicas. A Europa também conheceu uma regressão econômica relativa e assiste o fortalecimento de projetos conservadores. A América Latina é a única região do mundo onde uma dinâmica política claramente progressista é visível, com a afirmação de um movimento de afirmação sem igual desde a grande crise de 1929 e talvez mesmo desde sua independência formal – embora marcada por fortes contradições. Neste terreno regional, temos um fortalecimento relativo do capitalismo brasileiro, com um papel político internacional e regional muito mais ativo do governo Lula, de um lado, e a consolidação de uma nova inserção das empresas brasileiras no capitalismo internacional e na América do Sul.

Ao mesmo tempo, a Conferência de Copenhague (COP 15) mostrou os gigantescos limites do establishment em enfrentar os desafios ambientais que ameaçam a biodiversidade do planeta e a humanidade e a necessidade e a oportunidade de se discutire uma reorganização ampla das atuais formas de organização econômica, sócio-ambiental e política. A continuidade do atual modelo significa não apenas a eclosão de novas crises econômico-financeiras, a ampliação da xenofobia e das tensões militares (inclusive com a busca de desenvolvimento de armas nucleares por um número maior de países), mas principalmente a manutenção da dinâmica predatória frente ao planeta, em especial pela queima combustíveis fósseis, desdobrando-se em crises nos terrenos hídrico e alimentar e, potencialmente, energético, com todos estes processos escalando em uma convergência de crises. É neste sentido que falamos, no Fórum Social Mundial, de uma crise de civilização

Enquanto isso, o Brasil parece transitar para um novo desenvolvimentismo. Às políticas sociais que reduzem a miséria absoluta de setores importantes da população e ampliam o mercado interno, somam-se agora políticas industriais e indutoras moduladas pelo Estado, além das perspectivas de exploração do pré-sal (com todo significado contraditório que carrega). A formação de grandes corporações multinacionais brasileiras é ativamente patrocinada pelo BNDES. E, na região, a expansão dos capitais brasileiros vai engolindo as economias vizinhas, impulsionando uma integração objetiva da América do Sul; o Brasil exerce uma dominação cada vez mais explícita sobre a região. A ampliação da capacidade de iniciativa e da força política do governo brasileiro na conjuntura pós-crise expressam um movimento orgânico e ofensivo do capitalismo brasileiro. Embora existam movimentos principalmente indígenas da região andina que se contrapõem a este rumo, tudo indica que um novo desenvolvimentismo, reestruturado às condições do século XXI, está ganhando ímpeto na região.

Mas o novo desenvolvimentismo – baseado na combinação da inserção das economias da região como fornecedoras de commodities para os pólos industriais do planeta e do fortalecimento dos mercados internos dos países da região (claramente visível no caso brasileiro, inclusive pela promoção de uma melhoria de vida das camadas mais miseráveis da população) – reproduz desigualdades sociais brutais e tende a gerar uma grande passividade política cotidiana, que asfixia a esfera pública e desqualifica a participação política cidadã, apenas quebrada pelo fortalecimento dos movimentos das populações indígenas. Ele mantém as desigualdades entre as regiões e as nações do continente. Ele tampouco caminha para uma economia do conhecimento e da informação, uma economia sustentável, de baixo carbono e com redução do desperdício. É preciso enfrentar estes legados dramáticos para construir um projeto de sociedade viável no século XXI, na maior parte dos casos inseparável da formação de estados plurinacionais e de uma dinâmica de integração regional soberana entre os povos. Como, porém, visualizar uma alternativa ao modelo de produção e consumo vigente sem repensar idéias profundamente enraizadas no imaginário das sociedades de nossa região como as de “progresso” e “desenvolvimento”. Progresso para que? Progresso para quem? Para elites exportadoras de matérias primas que alimentam a industrialização da China e da Índia? Para as populações afluentes que imitam cada vez mais os padrões de consumo dos países centrais? Ou um progresso voltado para o bem-estar das populações do Brasil, da região e do mundo?

O que é o progresso em um mundo em que a maioria do que é produzido é supérfluo ou destrutivo? Falamos não só do consumo das elites, mas de grande parte da geração de energia a partir de combustíveis fósseis, da indústria automobilista, da produção de armas e da siderurgia, de boa parte da química, petroquímica, papel e celulose, publicidade, de uma parte da produção agrícola industrial (em especial a destinada a produção de proteína animal), de toda produção baseada na lógica do desperdício, descartabilidade e obsolescência planejada. Apesar disso, esta lógica social baseada na desigualdade e predatória do meio-ambiente tem capacidade hegemônica, se transmutado no ideal de felicidade de populações que vêem no consumismo uma fonte de significação para suas vidas. Mas Copenhague mostrou também que a afluência destas populações se dará às custas das condições de sobrevivência de uma importante parcela da população humana…

Há, na América Latina, um vasto leque de movimentos de caráter socio-ambiental e de afirmação da autonomia popular e de processos de auto-governo comunitário, bem como de governos de estados comprometidos com o que chamam de socialismo do século XXI. Mas em que medida eles rompem com o horizonte do desenvolvimentismo? Uma alternativa econômica, sócio-ambiental e política superior ao capitalismo e ao modelo de civilização estabelecido por ele demanda uma série de elementos que vem se colocando no que poderíamos chamar de um novo paradigma para a esquerda do século XXI: justiça climática, bem viver, recuperação dos bens comuns, desmercantilização da vida, descolonialidade do poder, direitos coletivos, estados plurinacionais… Estes movimentos se alinham ao lado dos objetivos históricos da esquerda: afirmação da autonomia e identidade de povos historicamente oprimidos pela colonialidade do poder; busca de um mundo sem violência e discriminações, baseado na igualdade e na solidariedade, onde o trabalho seja acessível para tod@s e seu conteúdo dotado de sentido; reversão da deterioração da política, do espaço público, do esvaziamento da noção de bem comum e da privatização do público pela radicalização da participação popular cotidiana, rompendo com a passividade e com o monopólio corporativo sobre as midias, submetendo os governantes e funcionários ao controle social permanente; busca de uma organização social onde os avanços da ciência e as novas tecnologias da informação e comunicação possam ser utilizadas para propiciar a tod@s acesso ao conhecimento e à cultura; onde a riqueza seja apropriada pela população e redistribuída de acordo com suas necessidades.

Esta agenda já está presente em alguns movimentos sociais e políticos do continente, em especial os movimentos indígenas dos países andinos e dos movimentos populares da região amazônica, mas sua aceitação ainda é, de modo geral, limitada. Ela terá, para ganhar ímpeto, que ser enriquecida com a contribuição de movimentos dos moradores das grandes cidades do continente, que já são a maioria da população. Um novo projeto de sociedade terá que unir a luta das populações “tradicionais” vinculadas a seus territórios às dezenas de milhões de pessoas vivendo em São Paulo, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Lima ou Caracas… Somente assim ele poderá oferece um horizonte para a construção de uma civilização qualitativamente diferente. E poderá se transformar em prática emancipatória capaz de se traduzir em uma nova lógica social com vocação hegemônica, capaz se abraçada por forças sociais mais amplas.

Resultados esperados

O Seminário pretende consolidar um diálogo, já em curso, entre lideranças dos movimentos sociais e políticos e intelectuais que tem sido portadores de uma agenda sócio-ambiental crítica do desenvolvimentismo e as lideranças, ativistas e intelectuais que, críticos aos padrões de desenvolvimento existentes, ainda não visualizam nos movimentos em curso uma alternativa factível, com capacidade de ser efetivada nas regiões mais urbanas e industrializadas do continente.

Sabemos que muitos destes atores estarão presentes no Fórum Social Grande Porto Alegre 10 Anos e daí a urgência de um debate que aproveite este espaço de encontro que se ocorrerá no Rio Grande do Sul. Para atrair o público esperado de 250 pessoas, estamos articulando a divulgação com destaque junto à organização e as redes do FSM e ainda faremos uma divulgação paralela por meio da internet e com panfletos.


Seminário “Progresso: para que e para quem?”

Utilizaremos para o Seminário a tarde e noite do dia 26 de janeiro e tarde do dia 28 de janeiro, em um trabalho cuja metodologia visa o aprofundamento das reflexões sobre o tema. O seminário consistirá de três mesas de 3h30m com dez participantes: nas duas primeiras teremos quatro colocações iniciais de 12 minutos (a proposta é que sejam feitas por aqueles cujo nome esteja marcado em negrito) e 6 comentários de 8 minutos, seguidos do dialogo livre entre estas dez pessoas; na mesa final sobre “o novo paradigma civilizacional” teremos falas iniciais de 10 minutos, seguido do debate livre entre os participantes. No total das três mesas, contaremos com a colaboração de 30 participantes qualificados. As falas serão disponibilizadas pela internet, em podcast.

É importante ressaltar que esta iniciativa busca dialogar, alimentar e ser alimentada por outras atividades em curso no Fórum, particularmente o “Seminário Dez Anos Depois: Desafios e Propostas Para Outro Mundo Possível”, que estará se desenvolvendo em todas as manhãs dos dias 25 a 29 de janeiro. Ela também parte do acúmulo de debates formulações obtido no último Fórum Social Mundial, realizado em Belém, em janeiro de 2009, e dialoga com o Proyecto Inter-apredizaje de Paradigmas Alternativos a la Crisis de Civilización Hegemônica (que realizará uma reunião própria no Fórum). E pretende dialogar fortemente com o movimento que se expressou no Klimaforum de Copenhague e que terá que desdobrar suas forças por todo o mundo nos anos vindouros.

I) A crise: uma oportunidade histórica?

II) As respostas em curso e seus realinhamentos

III) O novo paradigma civilizacional e como viabilizá-lo

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