Postado por Attman e Kamadon
Antonio Gramsci
Esta contribuição não pretende fazer qualquer análise exaustiva da conjuntura, mas é um documento sintético que tem como objetivo pontuar os aspectos que nos parecem essenciais do atual momento, e delinear a tática que pensamos ser a mais adequada.Fazemos a ressalva de que este documento expressa a posição dos seus signatários.
Paulo Trindade, Rui Polly e Sérgio Domingues
1 – Em primeiro lugar, qualquer posicionamento diante da atual conjuntura deve partir de uma constatação realista da correlação de forças na sociedade. Em segundo, devemos ter clareza dos nossos objetivos diante dessa situação. Pensamos que qualquer leitura realista da conjuntura deve reconhecer que neste momento a ofensiva está nas mãos da direita, entendido aí tanto os partidos da oposição de direita, quanto os meios de comunicação da mídia corporativa. Embora discordemos da tese do “golpismo”, tal como foi posta pelos defensores do governo Lula e do PT, há uma campanha que visa “sangrar” o governo Lula e desmoralizar o PT, mas que em última instância pode atingir a esquerda em geral.
2 – As conseqüências da crise ainda são imprevisíveis, mas é visível o fato de que tudo caminha para uma meia pizza: cassam-se alguns parlamentares e não se comprova a existência do “mensalão”. É cedo para afirmarmos categoricamente se essa saída irá ou não se viabilizar, mas é claramente a saída que está se tentando arquitetar. Já se afirmou exaustivamente que à direita não interessa o impedimento de Lula. Isso é fato. E não simplesmente pela manutenção da política econômica, pilar principal da “governabilidade” do governo petista, mas também porque um processo de impedimento traz potencialmente o risco de transbordar em uma crise institucional que colocaria em risco não só o governo Lula e o PT, mas as próprias instituições do Estado e o conjunto dos partidos. A operação de blindagem de Lula reflete essa preocupação de grande parte dos partidos da direita.
3 – O centro da crítica da direita tem sido a “ética na política”. A idéia que se tenta passar é de que o governo Lula e o PT, apesar de terem adotado uma política econômica correta, tem se mostrado tão corruptos quanto ao que “está aí”. Nesse sentido, toda a campanha da direita procura, a todo momento, separar as denúncias de corrupção da política econômica adotada pelo governo petista e da sua política de alianças.
4 – As denúncias contra o PT tiveram o efeito de um verdadeiro tsunami na militância petista. Não só na militância orgânica do partido, mas na expressiva militância que atua na base dos movimentos sociais e tem no PT sua principal referência política. A queda de José Dirceu, de Genoino, Delúbio e Silvio Pereira, o envolvimento de parlamentares como João Paulo Cunha, Paulo Rocha, entre outros, a fissura no campo majoritário, tiveram um impacto político profundo que não pode ser subestimado. Por outro lado, é temerário fazer qualquer afirmação de que o PT está acabado. O reformismo tem uma base social, e articula um sistema complexo que envolve não só a estrutura partidária, mas uma base social controlada por direções burocráticas.
5 – Os movimentos sociais dirigidos por essas burocracias adotaram inicialmente uma postura de defesa incondicional do governo diante um suposto “golpe branco” da direita. Mas mesmo aí era possível perceber claramente as tensões gigantescas que essas direções tiveram que administrar. Ao mesmo tempo em que adotava a linha de defesa de Lula, avançavam propostas que, objetivamente, significavam colocar em xeque os pilares da “governabilidade” petista. Poucos dias após a “Carta ao povo brasileiro”, o governo Lula ampliou o espaço à direita, cedendo ministérios importantes ao PMDB e depois ao PP de Severino e Maluf. Posteriores declarações como as de Stedile de que o governo Lula teria “acabado”, expressaram o caráter cada vez mais agudo das contradições no campo desses movimentos sociais dirigidos pelas burocracias governistas. Embora continuem a adotar uma linha de defesa do governo, são obrigados a enfatizar mais o eixo das mudanças necessárias no governo, principalmente na política econômica.
6 – Por sua vez a esquerda socialista não governista tem realizado iniciativas importantes. O PSOL tem se destacado pela sua intervenção na atual crise, principalmente através da senadora Heloísa Helena. Temos participado de iniciativas importantes junto a outros setores da esquerda radical, como a Assembléia Popular realizada no início de julho. E na convocação do ato em Brasília, marcada para o dia 17 de agosto. Temos ainda adotado uma linha correta de vincular a corrupção à política econômica, procurando nas lutas em curso fazer o elo entre as lutas sociais e a denúncia do governo Lula e da política da direção petista. Porém, é preciso reconhecer que são atividades ainda marginais, que envolvem não amplas massas, mas basicamente setores de vanguarda.
As nossas tarefas
7 – Um pressuposto importante é que o centro da nossa política não deve ser a mera defesa da ética, mas sim o combate à política global do governo Lula, em particular a política econômica neoliberal. Devemos apontar para o verdadeiro conteúdo da corrupção da direção petista: a adoção da política neoliberal e de administração do capitalismo. Mas a nossa intervenção não pode ser meramente propagandística. E menos ainda uma política voltada para ganhar a “opinião pública”. Tem que estar nas ruas, nas fábricas, nas lutas sociais concretas.
8 - Entendemos que o principal fator capaz de modificar substancialmente o cenário político atual é o movimento de massas. Como vimos, dois obstáculos existem a serem transpostos: a) a divisão dos movimentos sociais; b) o fato de que a maior parte dos movimentos sociais organizados está sob direção de lideranças governistas. Diante desse quadro pensamos que devemos adotar uma política de frente única dos trabalhadores sobre uma plataforma de reivindicações concretas que possibilitem unir as lutas, envolvendo o conjunto dos movimentos sociais Tal plataforma deve ser discutida e apresentada tanto para a direção quanto para a base desses movimentos, englobando bandeiras como a punição a todos os corruptos, participação dos movimentos sociais nas apurações, mudança da política econômica, aumentos salariais, reforma agrária já, rompimento com o FMI, suspensão do pagamento e auditoria da dívida externa, contra a privatização das florestas públicas, etc.
8 – A proposta de frente única deve ter como objetivo lutar por essas bandeiras, através de manifestações, greves, abaixo-assinados, campanhas, etc. Uma eventual aceitação de uma frente desse tipo poderá colocar em marcha uma dinâmica de ampliação e subseqüente radicalização das lutas, ampliando as contradições entre as direções e as bases desses movimentos. A não aceitação, por sua vez, permitirá expor de forma concreta as vacilações das direções diante de suas bases. A política dos socialistas não-governistas será a de tensionar permanentemente, disputar a hegemonia do movimento de massas, expor as vacilações e traições das direções burocráticas.
9 - Trata-se de uma adaptação da clássica tática de frente única tal como defenderam Lênin, Trotsky e Gramsci. Uma tática em uma situação em que o movimento está na defensiva e não na ofensiva, com o objetivo de tirar as massas da influência dos reformistas e conciliadores. O fato de se basear em bandeiras unitárias, não necessariamente as mais radicais, não significa que seja centrista ou reformista. Aliás, não se sustenta a idéia de que só é revolucionário aquele que apresenta as bandeiras mais radicais. Essa proposta dá conta ao mesmo tempo das demandas colocadas à classe trabalhadora, como também articula a tarefa de reagrupamento da esquerda.
10 – É nossa opinião que seria um erro adotar neste momento uma saída que se situe exclusivamente no campo da institucionalidade. Defender a Assembléia Constituinte, por exemplo, é um equívoco, pois é uma proposta de reordenamento jurídico-político do Estado burguês em uma conjuntura desfavorável à classe trabalhadora e aos movimentos sociais. A proposta de referendo revocatório pode ser um verdadeiro tiro no pé. O risco de um resultado favorável a Lula é grande, e isso seria um resultado completamente desmoralizante. O principal problema dessas propostas é que permanecem no campo institucional. E mesmo que se desencadeie um movimento de massas, corre-se o risco de reeditarmos o que aconteceu com o movimento pelas diretas já.
11 – O “Fora Lula” aponta para dois desdobramentos.O primeiro: o impedimento de Lula. Nesse caso, trata-se de uma saída por dentro dos mecanismos institucionais existentes, tal como ocorreu com Collor, substituído por Itamar Franco. Não cremos que essa deva ser a proposta a ser avançada pelo PSOL. O segundo: a derrubada de Lula. Um movimento de revolta semelhante ao Argentinazo. Nos dias de hoje, não há nenhuma evidência de que isso seja possível. Pode ser que isso ocorra, mas não podemos estabelecer uma política transformando em certeza aquilo que é apenas uma possibilidade.
12 – A saída deve ser por baixo, implementando lutas amplas e massivas pelas reivindicações dos trabalhadores, e vinculando-as à crise política, exigindo cadeia para os corruptos e corruptores. Exigindo o fim da política neoliberal de Lula, Palocci e Meirelles. Intervindo nas dezenas de campanhas salariais que termos pela frente, vinculando-as às lutas contra o FMI e a política econômica. Em síntese: ampliar, radicalizar e globalizar as lutas.
13 – Assim, a construção de uma frente social e política com outros setores consequentes da esquerda socialista, de dentro e de fora do PT, é imprescindível. Para construirmos um bloco de esquerda capaz de estabelecer um contraponto pela esquerda no movimento de massas, capaz de dialogar, sem sectarismo, com a militância orgânica e não orgânica do PT. Esta é uma tarefa que já estamos realizando, e na qual devemos avançar ainda mais.
14 – Entendemos que devemos aproveitar as potencialidades postas por essa conjuntura, mudar a correlação de forças, colocar a classe e os movimentos sociais no centro da luta política. Para isso é necessário ser ao mesmo tempo realistas na leitura da realidade e capazes de enxergar as possibilidades e potencialidades existentes. Nem pragmatismo, nem “foquismo político”. Nem a simples adaptação à realidade, nem vanguardismo estéril. É hora de uma tática adequada, que parta do nível real de correlação de forças e de consciência política das massas, que tenha como meta construir as condições subjetivas para o avanço da luta revolucionária.
FONTE: REVOLUTAS
SITE: http://www.revolutas.net
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